Uma cadeia produtiva abarca várias atividades agropecuárias, não apenas a etapa de produção, mas também os elos de fornecimento de insumos, de transformação industrial e de comercialização. Já um sistema agroindustrial é composto, além da cadeia produtiva, também pelos ambientes institucional e organizacional onde está inserido.
Em toda sociedade, há regras que restringem e regulam o comportamento dos indivíduos. Estas regras podem ser formais ou informais. Entende-se por regras formais aquelas que são explicitadas por algum poder legítimo e tornadas obrigatórias para manter a ordem e o desenvolvimento de uma sociedade. As leis nacionais e os estatutos das organizações são exemplos de regras formais. As regras informais fazem parte da herança cultural e são um conjunto de valores transmitidos socialmente. Tabus, costumes e tradições são exemplos de regras informais. Ao conjunto de regras - formais e informais - denomina-se "ambiente institucional".
A possibilidade de alterar as regras do jogo, formais ou informais, favorecendo um determinado grupo de agentes ou toda a sociedade, pode formar as condições para a criação de uma organização. Mudar pontos de vista da maioria da população ou dos indivíduos dotados do poder de criar regras tem sido um dos objetivos das associações de interesse privado. (SAES, 2000).
Por exemplo, uma repressão efetiva ao abate clandestino poderia estimular os frigoríficos de bois a se dedicar ao abate de ovinos, estimulando, assim, os produtores de ovinos a aumentar sua escala de produção, pois a venda da carne seria facilitada pela entrada de um maior número de abatedouros no mercado. Com uma distribuição organizada, proporcionada pela indústria formal, os consumidores teriam maior facilidade de incluir a carne ovina em seus cardápios.
O descumprimento das regras pode variar conforme o setor. Em alguns casos, o mercado informal opera em paralelo com a formalidade. Os mercados informais não-criminosos têm algumas características em comum, principalmente a evasão fiscal, mas também o descumprimento de leis trabalhistas, de licenças de funcionamento, de inspeção sanitária, entre outras. (BANKUTI; SOUZA FILHO, 2006).
Conforme Sorio e Rasi (2010), alguns exemplos de onde a ovinocultura interage com mercados informais não-criminosos são:
Economia não-declarada - frigoríficos que comercializam parte da carne sem a emissão de nota fiscal e/ou restaurantes que se utilizam de uma compra de carne legal para justificar os estoques adquiridos do abate clandestino.
Economia não-gravada - abate de ovinos em propriedades rurais para consumo próprio, para doação e para venda, sem comunicar aos órgãos oficiais.
Economia informal - abatedouros e/ou produtores que comercializam produtos sem cumprir com as regras sanitárias e fiscais.
Este artigo tem o objetivo de trazer informações a respeito das características do ambiente institucional que ajudam a manter em alta a informalidade e também procura demonstrar os custos e os benefícios que o sistema agroindustrial da carne ovina alcança com o abate clandestino
Legislação sanitária para a ovinocultura
Apesar de muita gente pensar o contrário, existe uma vasta legislação, no âmbito federal e nos Estados, que tratam da questão sanitária na ovinocultura, da criação ao abate e comercialização.
O próprio Código de Defesa do Consumidor estabelece normas de proibição de comercialização de produtos nocivos à saúde humana. Nada disso conta, porém, diante da ação da informalidade, que, além de atentar contra a ordem tributária, infringe o artigo 268 do Código Penal, ao cometer crime contra a saúde pública, por expor a saúde da população a graves moléstias (BANKUTI; SOUZA FILHO, 2006).
Pelas Portarias nº 89/1996 e nº 304/1996, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou medidas de combate aos abates clandestinos de bovinos, bubalinos e suínos. Mas nenhuma menção foi feita sobre carne ovina. O Decreto nº 5.741/2006, que criou o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI), trata genericamente de todos os produtos de origem animal produzidos no Brasil. O objetivo do SISBI é padronizar e harmonizar os procedimentos de inspeção municipais e estaduais, de forma a garantir a inocuidade e a segurança alimentar.
O Programa Nacional de Sanidade de Caprinos e Ovinos (PNSCO) vem sendo discutido desde 2002, mas não está em plena operação, apesar da publicação das Instruções Normativas nº 53/2004 e nº 87/2004 pelo Mapa. Os objetivos principais do PNSCO são a notificação de doenças, a vigilância sanitária e o estabelecimento de normas de trânsito de ovinos e caprinos. A obrigatoriedade de emissão das Guias de Trânsito de Animais (GTA) está prevista nessa legislação, apesar de os órgãos de defesa sanitária animal dos Estados não deixarem disponível ao público os dados de movimentação de ovinos via GTA (SORIO; RASI, 2010).
A Comissão de Ovinos e Caprinos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) considera que a implementação do PNSCO deve ser a política prioritária do governo para o setor. Como consequência do PNSCO, deverá ser criado um Cadastro Sanitário de Estabelecimentos de Criação de Ovinos e Caprinos, regulamentado pela Instrução Normativa 20/2005. Esse cadastro servirá como base para a implantação de um sistema nacional de rastreabilidade para a carne ovina, outra medida que deverá ajudar a aumentar a competitividade da cadeia da ovinocultura.
Existe, há mais de 20 anos, um Sistema Nacional de Tipificação de Carcaças Ovinas, regulamentado pela Portaria nº 307/1990, do Mapa. Ali estão descritas a classificação dos animais conforme a idade, a conformação da carcaça e o acabamento de gordura. Essa legislação deveria nortear a comercialização de ovinos para abate em todo o território nacional, porém, segundo Silva (2002), essa portaria é sistematicamente desobedecida pelos agentes da cadeia produtiva.
Conforme sugere Sorio (2009), o pagamento diferenciado, tomando por base a classificação de carcaças, é um recurso eficiente para diminuir os conflitos na transação produtor-frigorífico. Essa ação deveria ser incentivada pelos frigoríficos, principalmente no interesse de diminuir o abate clandestino. Mas, no Brasil, nenhum frigorífico se utiliza da tipificação de carcaças como forma de remuneração do produtor.
Possíveis causas da informalidade na ovinocultura
A indústria frigorífica de abate de ovinos no Brasil costuma realizar transações comerciais essencialmente via mercado à vista, apresentando raras iniciativas de organizar o fornecimento por meio de contratos de longo prazo. Costa (2007) conseguiu identificar apenas 10 experiências com contratos em todo o Brasil, envolvendo, todas elas, poucos produtores.
Enquanto a relação entre indústria e produtores continuar se baseando no mercado à vista, estará naturalmente sujeito a comportamentos oportunistas de ambas as partes. É a regra que o relacionamento dos produtores com os frigoríficos ocorra de maneira conflituosa.
Conforme Sorio (2009), a dificuldade de negociar e de cumprir contratos entre os ovinocultores e os frigoríficos é um dos principais problemas que oneram o relacionamento entre estes elos da cadeia produtiva. A desconfiança entre os dois agentes se expressa no controle e na inspeção da matéria- prima negociada. Os criadores reclamam que os frigoríficos utilizam balança adulterada para diminuir o peso dos animais abatidos. Por sua vez, as indústrias se queixam de que, durante a transação, os produtores negociam cordeiros, mas, em seu lugar, enviam para o abate animais adultos de descarte, muitas vezes sem terminação adequada.
No Brasil, a regra é que os rebanhos ovinos mantidos nas propriedades sejam de poucos animais. Por isso, seu transporte, em pequenos lotes, é antieconômico para as indústrias, fato que também contribui para que o abate seja feito clandestinamente e que a venda do produto se restrinja às cidades mais próximas da propriedade rural.
A carne ovina informal tem 2 fluxos principais de comercialização. O primeiro, o próprio criador faz o abate na propriedade e distribui os animais, com a entrega sendo feita muitas vezes em domicílio. No segundo, o abate e o comércio são feitos por um intermediário, que adquire os animais no mercado à vista e realiza o abate em locais supostamente legalizados (principalmente abatedouros municipais) para posteriormente realizar a distribuição, em grande parte das vezes sem condições adequadas de refrigeração e higiene. (BANKUTI; SOUZA FILHO, 2006; SORIO; RASI, 2010).
A carne ovina é muito consumida nas propriedades rurais, motivo por que seus agentes aprendem as técnicas de abate, que também são usadas para vender os animais diretamente ao consumidor. Também é uma tradição utilizar o ovino como presente ou na forma de doação à comunidade e às autoridades, em ocasiões especiais, como festas religiosas e datas comemorativas. Segundo Barreto Neto (2004), esta tradição estimula o aprendizado das técnicas de abate pelas populações rurais.
A preferência, principalmente nas classes de baixa renda, por carne vermelha cortada e embalada na hora, na frente do consumidor, também confere certa vantagem ao mercado de carne informal. Na região Nordeste, a preferência é pela chamada carne quente, vendida nas tradicionais feiras de rua, comuns a todas as cidades da região, inclusive nas capitais, à vista das autoridades sanitárias, que nada fazem.
Conforme Sorio e Rasi (2010), os principais motivos que estimulam o abate clandestino e a informalidade na cadeia da ovinocultura são:
a) É um canal de distribuição tradicional e identificado com o consumidor;
b) Apresenta comodidade da entrega direta ao consumidor e a restaurantes, com a frequência exigida pelo cliente;
c) Existe a tradição de presentear amigos e autoridades com carne ovina oriunda da própria fazenda, em datas comemorativas;
d) A carne ovina apresenta facilidade de abate e transporte por conta do pequeno porte;
e) O preço ao consumidor se apresenta mais baixo do que no varejo que comercializa carne inspecionada;
f) O custo do transporte do animal em pé até as indústrias legalizadas é alto, devido ao pequeno tamanho dos lotes abatidos;
g) Existe pouca fiscalização por parte dos órgãos de vigilância sanitária;
h) Não existe atuação coordenada entre os órgãos de inspeção e os de vigilância sanitária;
Custos e benefícios da informalidade à cadeia produtiva da carne ovina
Os principais custos (desvantagens) para a cadeia produtiva da carne ovina, decorrentes da prática da informalidade são:
a) Elevada ociosidade das plantas frigoríficas;
b) Baixa arrecadação de imposto, o que mantém a ati vidade com pouco poder de barganha com os governos;
c) Restrição de acesso ao grande varejo;
d) Perda do nicho da carne de qualidade para o produto importado;
e) Impossibilidade de padronizar a carne e de oferecer cortes mais modernos e práticos ao consumidor;
f) Baixo estímulo ao aumento de rebanho e/ou à entrada de novos criadores na atividade.
Naturalmente, não se pode deixar de mencionar que a informalidade também traz alguns benefícios à cadeia:
a) Possibilidade de escoamento da produção em locais que são distantes de abatedouros legalizados;
b) Menor custo de operação do frigorífico clandestino, por sonegação fiscal e por não cumprimento da legislação sanitária;
c) Possibilidade de venda de pequenos lotes de animais;
d) Valor maior obtido pelo produtor quando ele mesmo realiza o abate;
e) Inexistência da burocracia para a emissão da GTA;
f) Menor preço da carne ao consumidor;
g) Satisfação do consumidor em adquirir um produto diretamente do produtor rural;
Considerações finais
O crescimento do rebanho de ovinos do Brasil, ao longo dos anos, não foi acompanhado de estímulo oficial. As recentes tentativas particulares de organizar e incentivar uma atividade que se mostra economicamente promissora esbarram, porém, em conflitos decorrentes da tentativa de mudança do ambiente institucional nessa cadeia produtiva.
Na ovinocultura ainda vigora um arranjo institucional que privilegia o contato direto entre produtor e consumidor, em detrimento de implicações fiscais e sanitárias. Ademais, a negociação entre o produtor e as indústrias legalizadas é altamente conflituosa, pois ocorre em ambiente de desconfiança entre ambas as partes.
Para reestruturar a cadeia produtiva da carne ovina, de forma a manter o abate e a transação comercial em bases legais é preciso, antes de tudo, proceder a uma fiscalização sanitária contínua e abrangente.
Afinal, uma política sanitária séria e consistente é exigência da maioria dos mercados importadores e abriria, no futuro, a possibilidade de comércio internacional para a cadeia produtiva brasileira de carne ovina.
Referências bibliográficas
BANKUTI, F. I.; SOUZA FILHO, H. M. S. A informalidade em sistemas agroindustriais: os casos dos sistemas agroindustriais da carne bovina e do leite. In: ZUIN, L. F. S.; QUEIROZ, T. R. (Org.). Agronegócios: gestão e inovação. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 58-90.
BARRETO NETO, A. D. Análise sistêmica e mercadológica aplicada à definição de objetivos de seleção em ovinos santa Inês. In: SIMPÓSIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MELHORAMENTO ANIMAL, 5., 2004, Pirassununga. Anais... Pirassununga: USP, 2004. 13 p.
COSTA, N. G. A cadeia produtiva da carne ovina no Brasil rumo às novas formas de organização da produção. 2007. 182 f. Dissertação (Mestrado em Agronegócios) - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília.
SAES, M. S. M. Organizações e instituições. In: ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, M. F. Economia e gestão dos negócios agroalimentares: indústria de alimentos, indústria
de insumos, produção agropecuária, distribuição. São Paulo: Pioneira, 2000. p. 165-186.
SILVA, R. R. O agronegócio brasileiro da carne caprina e ovina. Salvador: Edição do Autor, 2002. 111 p.
SORIO, A. Sistema agroindustrial da carne ovina: o exemplo de Mato Grosso do Sul. Passo Fundo: Mérito, 2009. 120 p.
SORIO, A.; RASI, L. Ovinocultura e abate clandestino: um problema fiscal ou uma solução de mercado? Revista de Política Agrícola, Brasília, ANO XIX, n. 1, p. 71-83, jan-mar 2010.
Tiago Schultz
Mafra - Santa Catarina - Produção de ovinos de corte
postado em 21/03/2011
As regras informais, temos que mudar alguma coisa, nosso pensamento ainda é muito antigo, tem tradições que devemos deixar de lado. Exemplo: "Eu vendo pra quem paga mais". Isso não pode existir. "Remédio amargo é ruim mas cura a doença". Assim é no começo de cada etapa. No começo é sofrido, talvez se déssemos oportunidade a nós mesmos de fazer as coisas direito e ai entra uma parte que acho fundamental "criar uma marca", aí sim é a hora de ganhar dinheiro, por que os consumidores saberiam o que estão comendo. Meu sonho é chegar no mercado e escolher a marca de cordeiro que estou acostumado a comer, assim como outros produtos, margarina, farinha de trigo, chocolate, enfim.
Já existe Frigoríficos se adequando e dando motivação ao produtor, pagando preço diferenciado a produtos com padrão de carcaça melhor.
Concordo que a clandestinidade esta presente também nas festas de interior, festas religiosas ou mesmo um presente pra algum amigo mas nesse caso tem um lado positivo onde ensina o pessoal comer carne de cordeiro. Aí entra a associação. É lógico que o consumidor vai perguntar como que faz pra comprar e aí o produtor tem que estar ciente e explicar que existe uma associação que produz e a carne esta sendo encontrada no mercado tal. Bem no começo na minha cidade era assim, agora nossa associação é muito bem recebida nos grandes eventos e fazemos serviço completo, cortamos, temperamos e assamos e o mais importante, tudo legalizado. E dá dinheiro!