Neste contexto, cresce a corrida global por substitutos viáveis do petróleo. Um dos campos mais férteis é a agroenergia, principalmente o etanol carburante (álcool) e o biodiesel, que hoje representam juntos apenas 1,1% da produção mundial de combustíveis. As perguntas do momento são: até onde a agroenergia conseguirá substituir o petróleo? Quais são os seus impactos potenciais na produção de alimentos? Quais as vantagens e desvantagens - econômicas, energéticas, ambientais e sociais - das diferentes commodities que podem ser utilizadas para produzir biocombustíveis?
O Brasil saiu na frente nesta corrida e hoje é apontado como modelo a ser seguido. A energia renovável representa 45% da nossa matriz energética, ante 14% no mundo e apenas 6% nos países da OCDE. Nosso programa de etanol carburante nasceu nos anos 1970 com apoio governamental. O enorme crescimento da produtividade possibilitou a eliminação dos subsídios à produção, caso ainda único no mundo. Desde 2003, o País inovou mais uma vez com os veículos flexfuel, que hoje já representam 80% das vendas de veículos leves, nos quais o consumidor pode optar livremente por usar gasolina e/ou etanol, com base nos seus preços relativos na bomba.
Além disso, a cana-de-açúcar revelou-se a cultura mais eficiente para produzir açúcar e etanol, seja em produtividade por área, custo de produção, balanço energético ou capacidade de gerar empregos. O Brasil é o segundo maior produtor (16 bilhões de litros por ano, bem próximo dos EUA) e o primeiro exportador (3,1 bilhões de litros em 2006) de etanol do mundo.
Tudo indica que os altos preços do petróleo irão possibilitar um break-through tecnológico em biocombustíveis, sendo que a nova rota tecnológica de produção deverá basear-se no uso de material ligno-celulósico. Aqui, novamente a cana-de-açúcar deverá colocar-se como a planta mais competitiva, já que ela produz 2 kg de bagaço e palha para cada quilo de sacarose, o que permitiria aumentar a produtividade do álcool em pelo menos 50%. Se o atual obscurantismo contra a biotecnologia diminuir, é possível aumentar ainda mais a produtividade da cana. Variedades produzidas por biotecnologia já estão aguardando liberação pelo órgão regulador.
A experiência madura do etanol está sendo agora seguida pelo biodiesel, produzido à base de plantas oleaginosas. O governo brasileiro estipulou a meta de misturar 5% do produto no diesel em 2013, o que representará 2,5 bilhões de litros, ou 75% do consumo brasileiro de óleos vegetais. O desafio não é nada trivial e equívocos estratégicos poderão custar caro.
O biodiesel depende de apoio governamental para crescer, principalmente na fase agrícola. O governo vem trabalhando com a romântica idéia de que o produto virá de pequenos produtores de mamona do Nordeste do País. Grandes desafios tecnológicos, economias de escala, infra-estrutura e o alto custo e a baixa aptidão da mamona para produzir biodiesel já estão dificultando o sonho de Lula. Pelo menos no curto prazo, a única solução factível é fazer biodiesel a partir da soja, cultura que representa 94% da produção brasileira de oleaginosas e que também agrega milhares de pequenos produtores.
Enquanto isso, os EUA vivem uma verdadeira febre de biocombustíveis, nascida de pressões ambientais (principalmente redução da emissão de gases), do lobby dos produtores de milho por subsídios e das crescentes preocupações com segurança energética, já que 64% do petróleo processado nos EUA é importado. Japão, Índia, China, Canadá e Tailândia também estão implementando programas ambiciosos de etanol. União Européia, China, Índia, Malásia e Indonésia investem em biodiesel.
Ocorre que o mercado de agroenergia ainda está nascendo no mundo e sua consolidação depende do desenvolvimento de programas de produção e consumo em diversos países, para evitar a dependência de dois ou três fornecedores. Uma das principais condições para o desenvolvimento harmônico e sustentável da agroenergia é a intensa colaboração dos principais governos e empresários envolvidos. Voltarei ao tema num próximo artigo.
Ainda não se conhecem os impactos de longo prazo dos biocombustíveis na matriz de produção agropecuária brasileira. Neste momento, a cana-de-açúcar ocupa 5,8 milhões de hectares, área quatro vezes menor que a da soja e 35 vezes menor que a de pastagens. A cana deve crescer bastante nas áreas destas duas culturas e dos citros, mas isso não significa necessariamente uma queda na produção de soja, laranja, carne ou leite, já que dispomos de tecnologia para intensificar estas atividades. O desenvolvimento do biodiesel pode encarecer o mercado de óleos vegetais, mas baratear o de farelos protéicos, co-produto da moagem de oleaginosas, reduzindo o custo de produção de frangos e suínos.
Nos próximos dois anos, o ICONE vai desenvolver estudos detalhados de competitividade e oferta de longo prazo das principais commodities agroenergéticas, no Brasil e no mundo. Apesar da instabilidade da política pública e dos enormes desafios tecnológicos e organizacionais em questão, o Brasil conseguiu ingressar na era da agroenergia na frente do mundo.
O desafio atual é avaliar corretamente a crise estrutural que vai atingir os combustíveis fósseis nas próximas décadas e não perder esta fantástica oportunidade para consolidar um sistema integrado global de produção e comercialização de combustíveis renováveis. As palavras-chave para completar esta revolução são "investimento" e "organização"!
Francisco Pereira Neto
Botucatu - São Paulo - Instituições governamentais
postado em 17/11/2006
Lendo e relendo o artigo do ilustre professor Marcos Sawaya Jank, veio na minha mente algumas indagações e constatações. Vamos começar pela última. Conheço praticamente todo o estado de São Paulo, e constatei que o território paulista se transformou num imenso mar de cana. Os cerca de "uma dúzia de usineiros" deste estado, estão com os cantos dos lábios encostados nas orelhas de tanto rirem do futuro, que para a felicidade deles, já chegou.
Quanto tempo vai durar essa farra? Os países do primeiro mundo ficarão a reboque do Brasil? De acordo com seus dados, o nosso país é o segundo maior produtor de álcool do mundo. Muito bem, a que custo? O estado não tem mais outras culturas como a soja, o milho, o sorgo e outras, a não ser em pequena escala em propriedades que exploram a pecuária, para fazerem silagens para alimentar seus rebanhos, que aliás, estão todos se deslocando para o Centro-Oeste (MS, MT, GO, MG, TO).
Voltamos no tempo, estamos vivendo novamente a era dos Senhores do Engenho, só que ao invés da mão-de-obra dos escravos, temos hoje os escravos "bóias-frias". Os usineiros constroem suas usinas em dois a três meses, arrendam terras aos montes de proprietários desiludidos e sufocados pela falta de política agrícola, não só do estado de São Paulo, mas do Brasil de uma forma geral.
Já ouvi conversa de proprietário rural que arrendou suas terras para cana dizer que agora ele vai poder fazer academia de ginástica, porque vai sobrar-lhe tempo. Diz também o autor que o país dispõe de tecnologia para intensificar essas atividades para compensar a produção da emergente matriz agro energética. Faço a seguinte indagação: o micro, o pequeno e, por que não, o médio produtor, que tem lá na sua propriedade umas três a quatro dezenas de cabeças de gado, tem condições de ter acesso a essas tecnologias?
Como pode uma coisa dessas, se os produtores não têm nem condição de pagar cinqüenta reais para um médico veterinário vacinar dez bezerras contra a brucelose, vacinação esta que é obrigatória por lei, quanto mais pagar o preço de uma tecnologia para melhorar a genética de seu rebanho?
E tem mais, mesmo que tivesse condições, a aplicação dessa tecnologia (inseminação artificial com sêmen de boa genética) em nada adiantaria, porque o retrato da pecuária desses segmentos de produtores é de baixa qualidade. Nós seremos muito ingênuos se acreditarmos que os EUA e a UE ficarão dependentes da nossa "fabulosa matriz energética".
Recentemente no site Uol, Folha on-line estava escrito, que a BMW estuda há mais de quarenta anos o hidrogênio como combustível automotivo, e que já tem um veículo com essa tecnologia sob teste. Resumo dessa história: o preço do álcool vai desabar e não vai demorar muito, os usineiros estarão com suas contas bancárias abarrotadas de dólares, em uma a duas semanas desmontam suas usinas, devolvem as terras para os seus donos e estes ficarão chupando pirulito, pois com certeza não terão mais o dinheiro que ganharam com o arrendamento. Faça-me o favor! Isso é política agrícola?