A razão central de eu estar lamentando o insucesso do acordo é a seguinte: de lá para cá, as relações comerciais Brasil-União Europeia (UE) no agronegócio vêm acumulando toda sorte de problemas, fruto de uma evidente guinada protecionista no bloco europeu - problemas que não estariam ocorrendo se o acordo tivesse sido ratificado. Na época, cinco anos atrás, o grupo que trabalhava para o sucesso do acordo - porque sabia que o agronegócio brasileiro tinha muito a ganhar - considerava as ofertas europeias aquém dos nossos interesses, mas entendia, ao mesmo tempo, que o acordo era fundamental para conter o ímpeto protecionista europeu. O futuro mostrou que, infelizmente, estávamos certos.
Meu lamento pelo não-fechamento do acordo não se dirige ao governo brasileiro. A oportunidade foi, em definitivo, perdida. Meu recado ao governo é outro. Mesmo diante de diversos movimentos contra produtos do agronegócio brasileiro, a atitude de passividade em relação aos europeus indica que tanto o Ministério das Relações Exteriores quanto o Ministério da Agricultura ainda não entenderam os sinais emitidos pela UE, já que os problemas acumulados vêm sendo tratados como questões triviais de comércio. A agricultura europeia está claramente incomodada com a crescente inserção dos produtos brasileiros em seu mercado e quer, a todo custo, proteger-se. Já passou da hora de o governo brasileiro se dar conta disso e, em vez de tratar os problemas de forma isolada, colocar diante dos europeus o que está em jogo na agenda bilateral Brasil-UE nas áreas de comércio, investimentos e cooperação. Ou será que essa agenda não existe?
Embora o tempo tenha mostrado que não é exclusividade da Europa criar problemas para os produtos do agronegócio brasileiro, o bloco é imbatível no uso das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) com o objetivo de aumentar restrições às importações. De longe, o setor que mais vem sofrendo com a onda protecionista europeia é o de carne de aves, mas carne bovina e açúcar e etanol não ficam muito atrás. O que se passa na Europa é que alguns setores do agronegócio alimentam um processo de histeria protecionista que a Comissão Europeia não consegue controlar. Na realidade, a comissão se vê obrigada a acomodar os interesses de alguns setores em troca das concessões feitas pelo setor produtivo no contexto da reforma da Política Agrícola Comum Europeia de 2003. O Brasil paga o pato.
O caso do frango é sintomático. Até o início desta década, as exportações brasileiras para a UE estavam concentradas nos cortes de peito de frango. A UE tem comércio administrado nesse produto, ou seja, utiliza uma cota de importação para controlar o volume importado. Acontece que, como tudo o que tem que ver com mercado de alimentos, a carne de frango é mais cara na UE do que no Brasil. Assim, dada a maior competitividade do produto brasileiro, o Brasil sempre exportou mais do que o volume da cota de importação. Para fazer isso os exportadores brasileiros têm de pagar um elevado imposto de importação, que hoje equivale a R$ 3,50 por quilo. Grosso modo, o imposto de importação na UE equivale ao preço por quilo do peito no mercado atacadista de São Paulo.
Diante de um mercado com voracidade importadora, porque o consumidor europeu paga preços elevadíssimos pela carne de frango produzida localmente, novos produtos foram desenvolvidos, mirando, sobretudo, aqueles segmentos de mercado com impostos de importação "mais realistas". Esses novos produtos estavam sujeitos a menores tarifas e, por isso, passaram a ser explorados pelos exportadores brasileiros. Com isso o exportador brasileiro ganhou relevância como fornecedor de carne de frango para o consumidor europeu. Mirando uma demanda crescente, empresas brasileiras passaram a fazer investimentos no mercado europeu.
A Europa vem reagindo a esse crescimento brasileiro usando uma válvula de escape das regras da OMC que permite elevar as tarifas e enquadrar todo o leque de produtos da indústria de frango em cotas de importação, à semelhança do que já ocorria com os cortes de peito. O bloco tem surpreendido em criatividade, criando barreiras técnicas sem nenhuma comprovação científica. Vale lembrar que a UE ainda é superavitária no comércio de frango e que as importações totais são menos de 10% do mercado total. Nada disso estaria acontecendo se o acordo Mercosul-UE tivesse saído em 2004, porque a União Europeia não poderia acionar regras multilaterais para romper um acordo bilateral assinado por ela própria. Situações semelhantes podem ser descritas com relação à carne bovina e a açúcar e etanol.
Comércio é o primeiro passo do ciclo de internacionalização e investimento no exterior. É isto que vemos no agronegócio brasileiro: as empresas, inicialmente, aumentam sua inserção internacional exportando mais, mas dão novos saltos investindo nos mercados de destino. No caso do agronegócio, pela necessidade de acesso à matéria-prima, romper o fluxo de exportação implica, necessariamente, o rompimento dos investimentos. Minha impressão é de que o governo brasileiro, apesar de sua inquestionável habilidade diplomática, ainda não introjetou essa idéia.
Os exportadores brasileiros que o digam.
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