Todo mundo se lembra do apagão elétrico de 2001, que custou caro aos consumidores finais, às empresas e à popularidade do governo FHC. A despeito dos investimentos realizados nos últimos seis anos, se o Brasil crescer mais de 4% ao ano, o risco de apagão continuará rondando a sociedade, podendo ocorrer antes do final da década.
Uma das melhores alternativas para mitigar esse risco potencial é a co-geração de energia a partir de biomassa renovável. A possibilidade mais concreta neste campo é o uso do bagaço e da palha da cana-de-açúcar, que juntos representam uma parcela subutilizada de dois terços da energia contida na planta, já que açúcar e álcool são gerados unicamente a partir do suco da cana. Montanhas de bagaço de cana se acumulam nos pátios de usinas, hoje parcialmente utilizado para gerar a auto-suficiência energética das unidades processadoras de cana para produção de açúcar e álcool. Ademais, um terço da energia da cana presente nas palhas e nos ponteiros é desperdiçada em decorrência do corte manual, que exige a queima da cana no campo.
Antes do racionamento de 2001, o potencial de exportação de bioeletricidade para a rede elétrica era de ínfimos 120 megawatts (MW). Hoje a potência instalada e contratada para exportação já atinge 1.650 MW, o que ainda representa módicos 2% das necessidades do País. Estima-se que, se utilizássemos somente 50% da biomassa disponível na cana-de-açúcar, seria factível expandir o uso de bioeletricidade na matriz elétrica para 8% das necessidades nacionais até 2012, ou seja, 9 mil MW, equivalentes à energia prevista para ser gerada nos polêmicos projetos hidrelétricos do Rio Madeira.
O mais interessante é que a bioeletricidade se encontra disponível no coração da região de maior consumo do País - o Estado de São Paulo, que responde por 62% da produção nacional de cana. Melhor ainda, esta produção ocorre durante a safra da cana, de maio a novembro, que corresponde ao período seco, de menor hidrologia e de maior demanda por eletricidade.
Outras vantagens são o fato de se tratar de energia 100% renovável, de baixo impacto ambiental, fartamente disponível no pátio das usinas, que possibilita mitigar a emissão de gases de efeito estufa, enquadrando-se no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), com direito a receber créditos de carbono. Um programa estruturado de bioeletricidade pode produzir investimentos superiores a R$ 13 bilhões no Estado até 2015, gerando mais de 50 mil empregos e a compra de R$ 9 bilhões em equipamentos, componentes e peças para a instalação das centrais de co-geração, produzidos principalmente pela indústria paulista.
Vale notar que as centrais de bioeletricidade têm custos de implantação inferiores aos das usinas termo e hidrelétricas, demandando menor tempo para a sua construção (inferior a 30 meses) e possibilitando menores custos de transmissão para a rede elétrica. Se pudermos ainda aproveitar as palhas e os ponteiros com o fim da queima da cana (em São Paulo, prevista para 2014 nas áreas mecanizáveis e 2017 em áreas não-mecanizáveis), poderíamos ampliar a produção de bioeletricidade para 20% da matriz elétrica brasileira no horizonte de 2020, ou mais de 20 mil MW, equivalentes a duas usinas do porte de Itaipu!
O Brasil possui tecnologia de ponta para atuar no mercado de energia limpa, de forma competitiva e sustentável. Ocorre, todavia, que ainda há importantes ajustes a serem feitos pelo poder público, que hoje impedem a obtenção de retornos compatíveis que gerem um ritmo sustentado de expansão da oferta de bioeletricidade. São três os problemas centrais: 1) A definição de critérios econômicos para uma valoração adequada dessa nova forma de energia, seja no que tange aos níveis de preços, seja na definição de metodologia única, justa e transparente para os leilões de energia, que de fato reconheça a importância da bioeletricidade como energia complementar à sazonalidade hidrelétrica; 2) as dificuldades de acesso e conexão das centrais às redes elétricas; 3) a outorga difícil e morosa do licenciamento ambiental dos projetos.
A bioeletricidade é uma das maiores fronteiras da indústria sucroalcooleira nacional e pode gerar uma revolução de magnitude semelhante à obtida com o etanol. Ela pode reduzir fortemente a necessidade de licenciamento de novos projetos hidrelétricos em regiões ambientalmente sensíveis, o risco de termos de reingressar na energia nuclear e o custo ambiental dos projetos termoelétricos à base de gás natural, óleo combustível e carvão, mais caros e poluentes.
De fonte alternativa de energia pouco valorizada, a bioeletricidade pode-se tornar a maior esperança do País para gerar oferta de energia elétrica renovável, barata e sustentável ambiental e socialmente. Não se trata de mágica, mas apenas de racionalizar produtos e processos a partir de um melhor uso de recursos subutilizados e do know-how de que dispomos. Para isso será necessário desenvolver mecanismos regulatórios racionais e duradouros, que garantam tanto a sustentabilidade econômica do setor sucroalcooleiro como as necessidades energéticas de longo prazo da Nação.
Paulo Varela Sendin
Londrina - Paraná - Consultoria/extensão rural
postado em 25/06/2007
Muito importante a abordagem e divulgação desse aspecto da cadeia sucroalcooleira. Fora do setor, é muito raro encontrar alguém que saiba que a cana também produz energia elétrica...
A idéia de se valorizar também a palhada e as pontas da cana, ao se evitar as queimadas, abre a perspectiva de um retorno adicional que, eventualmente permitiria um pagamento adequado ao corte manual da cana crua, minorando o problema do desemprego que será criado quando se chegar à totalidade do corte mecânico.
Essas idéias inovadoras precisam ser formuladas e discutidas no setor e fora dele, de forma a manter a tradição de inovação tecnológica dessa indústria, que só agora começa a ser reconhecida.
Parabéns ao autor e à AgriPoint pela divulgação.
Paulo Varela Sendin, EngºAgrº
Londrina PR