A obra de Sagan deveria servir de base conceitual para os trabalhos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que neste mês completa um ano de "relançamento" sem ter conseguido aprovar uma única variedade comercial de produtos biotecnológicos, algumas delas aguardando liberação desde 1998. A nova CTNBio surgiu depois de longos dez anos de discussões e conflitos que levaram à Lei de Biossegurança. Esperava-se, com a nova lei, que o Brasil finalmente pudesse colher os primeiros benefícios da biotecnologia. Só que, infelizmente, o debate da comissão se perde em querelas regulatórias, que, nas palavras do professor Walter Colli, seu presidente, lembram uma "assembléia-geral", pautada por falsas dicotomias entre transgênicos e orgânicos, pequena e grande agricultura e outros elementos que se assemelham ao obscurantismo medieval contra o conhecimento científico.
É fundamental esclarecer que por trás de cada um desses pedidos de autorização comercial há muita pesquisa e um rigoroso processo de avaliação de riscos de biossegurança dos produtos, ou seja, de seus impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana, vegetal e animal. Vale notar que a preocupação com biossegurança não é exclusiva de consumidores, ambientalistas e outros grupos sociais, mas, principalmente das empresas que investem grandes somas para desenvolver e colocar novos produtos no mercado. O imbróglio burocrático é tamanho que algumas empresas já cogitam de transportar seus campos de experimentação para a Índia, China e outros países que não rejeitam o avanço do conhecimento.
Na agenda da biotecnologia estão novas variedades de milho, algodão, arroz e soja, produtos mais saudáveis como margarinas livre de gorduras trans, um óleo de soja rico em Ômega 3, tomates com maior teor de licopeno e propriedades anticancerígenas. Milhões de pequenos produtores de regiões áridas do Brasil e do mundo poderiam ser beneficiados por sementes transgênicas resistentes à seca. Sementes e plantas resistentes a pragas e doenças poderiam reduzir brutalmente o uso de agroquímicos.
Desde o final da década de 80, famosos queijos franceses disponíveis nos supermercados são feitos com enzimas produzidas a partir de bactérias transgênicas. Os diabéticos brasileiros são diariamente tratados com insulina produzida por bactéria geneticamente modificada e milhões de crianças recebem vacinas recombinantes produzidas com a mesma tecnologia recentemente rejeitada pela CTNBio, por 17 votos a favor e somente 4 contra (a aprovação exigiria 18 votos), no caso da vacina recombinante contra o mal de Aujeszky, que atinge os suínos.
Como diz seu próprio nome, a comissão deveria pautar-se por respostas estritamente técnico-científicas para o tema da biossegurança dos produtos transgênicos. Só que motivações político-ideológicas se estão sobrepondo ao debate científico, levando a um flagrante descontrole da questão regulatória, espelhado na frase do professor Colli: "O trabalho dos cientistas que participam da CTNBio tem de ser respeitado. Eles estudam, ponderam e votam a partir de dados experimentais." No entanto, certos grupos de ativistas estão vencendo a batalha, pois conseguiram vincular o termo "transgênico" a algo nefasto, quase diabólico.
Ocorre que, se o país continuar impedindo o desenvolvimento da ciência e da tecnologia agropecuária, dezenas de outros países logo estarão na nossa frente. É triste ver o Brasil perder a liderança numa das raras áreas em que nos conseguimos colocar à frente do mundo - a pesquisa e o desenvolvimento de genética agropecuária na região tropical. Não é demais lembrar que o desafio de fazer o Brasil crescer mais rapidamente passa obrigatoriamente pela agricultura e, estrategicamente, pelo desenvolvimento da biotecnologia.
Em vez de concluir este artigo com a citação das dezenas de oportunidades da biotecnologia que estão sendo desperdiçadas pelo Brasil, achamos melhor prestar uma homenagem aos verdadeiros cientistas e à biotecnologia com algumas frases de Carl Sagan: "A Ciência é antes um modo de pensar do que propriamente um conjunto de conhecimentos."
"O método da Ciência, por mais enfadonho e ranzinza que pareça, é muito mais importante do que as descobertas dela."
"A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. Mas é o melhor que temos."
"Meu ponto de vista é que não importa quão heterodoxo é o raciocínio e quão desagradáveis as conclusões, não há desculpas para tentar eliminar novas idéias."
"A época mais excitante, satisfatória e estimulante para se estar vivo é justamente aquela em que se passa da ignorância ao conhecimento desses assuntos fundamentais; a época em que se começa na imaginação e se termina no entendimento. Em todos os 4 bilhões de anos da história da vida em nosso planeta, e nos 4 milhões de anos de história da família humana, só a uma geração cabe o privilégio de viver este momento único de transição: essa geração é a nossa."
Bom Natal e feliz 2007!
Henrique Teixeira Nunes
Patos de Minas - Minas Gerais - Produção de leite
postado em 21/12/2006
É isso mesmo. Poderia ser até um pouco mais contundente.