Se fizéssemos hoje uma enquete com negociadores e especialistas, a hipótese d) provavelmente receberia menos de 5% dos votos.
Enquanto defensor convicto do sistema multilateral de comércio, apresento neste artigo sete pontos que poderiam gerar um acordo mais ambicioso e evitar certas armadilhas.
Em acesso aos mercados agrícolas dos países ricos, a bola está nas mãos da União Européia (UE). As sucessivas reformas da Política Agrícola Comum tornaram os subsídios europeus menos danosos ao comércio. A UE precisa, porém, apresentar uma proposta que garanta um acesso mais efetivo para os produtos agrícolas que ela vai classificar como "sensíveis". O que os países estão pedindo é acesso real para volumes de importação que, na maioria dos casos, não ultrapassam 10% do consumo interno da UE. Não é nenhum absurdo!
No caso dos EUA, o problema são os subsídios domésticos a seus agricultores, já que a Lei Agrícola de 2002 dobrou o montante de subsídios distorcivos. Grãos, oleaginosas e algodão são os grandes beneficiários. Dois terços dos agricultores americanos simplesmente não recebem subsídios. A expectativa geral é que os EUA limitem o uso destes subsídios a um teto máximo de US$ 12 bilhões anuais, aceitando disciplinas adicionais que evitem reformas oportunistas de determinados instrumentos de política que continuam distorcendo os mercados e a migração de subsídios de um produto para outro.
As grandes economias emergentes, como China, Índia, Coréia, Indonésia e Filipinas, deveriam parar de jogar só na "defensiva agrícola". É verdade que esses países contam com dezenas de milhões de pequenos agricultores que precisam do apoio dos seus governos. Só que estas nações estão se urbanizando e industrializando rapidamente, e uma OMC fortalecida lhes será útil para garantir maior estabilidade das regras do jogo do comércio no longo prazo. Além disso, as políticas de que seus agricultores mais precisam - pesquisa, extensão, educação, infra-estrutura, etc. - são totalmente permitidas. A maioria dos instrumentos de proteção que estes países estão pleiteando é redundante e desnecessária.
Países como Brasil, Argentina e Índia terão de fazer esforços adicionais em acesso a seus mercados de bens industriais. As exceções previstas e o longo período de implementação podem atenuar os impactos negativos. No caso do Brasil, a fixação de uma tarifa máxima em torno de 20% a 25% serviria para reduzir profundas discrepâncias em termos de uma altíssima proteção efetiva, que atinge 60% no caso dos automóveis.
A OMC precisa aportar soluções para os chamados temas sistêmicos, que não serão jamais resolvidos via acordos regionais e bilaterais, como, por exemplo, o disciplinamento do uso de subsídios agrícolas, antidumping e salvaguardas. Outra conquista que precisa ser preservada e melhorada é o mecanismo de solução de controvérsias da organização.
A OMC foi construída em cima do princípio da Nação Mais Favorecida, que estipula que as vantagens concedidas bilateralmente por um país precisam ser estendidas a todos os demais membros. Portanto, o objetivo é fixar cortes e regras horizontais para todos os países, e não mecanismos que geram privilégios para uns em detrimento de outros membros. Por exemplo, o Acordo Agrícola da Rodada Uruguai estabeleceu várias exceções e instrumentos temporários, como as salvaguardas especiais (que aumentam as tarifas quando os preços caem ou os volumes importados crescem) e a caixa azul (subsídios distorcivos atrelados a mecanismos de controle de oferta). Só que, em vez de eliminar estes escapes, muitos negociadores estão hoje empenhados em ampliá-los.
Novas cotas tarifárias, novos tipos de salvaguardas especiais, exceções para produtos sensíveis e especiais são exemplos de instrumentos que estão sendo gestados em Genebra neste momento. Em vez de simplificar, está se complicando mais e mais. O tema das preferências comerciais é outro exemplo. A OMC foi criada para erodir preferências comerciais, e não para oficializá-las de forma discriminatória. No passado, países como Argentina e Brasil pagaram caro por não gozarem das preferências que o Reino Unido garantia aos membros do Commonwealth. Hoje, a América Central e a Comunidade Andina são vítimas das preferências que a UE quer oficializar para as suas ex-colônias da África, do Caribe e do Pacífico.
Minha última observação tem a ver com a famosa frase "um mau acordo é melhor que nenhum acordo". Se "mau acordo" for definido como aquele incapaz de criar mais comércio e investimentos, ou um acordo que amplia as exceções, ou, pior, que traz retrocessos em relação à Rodada Uruguai (por exemplo, o mecanismos de salvaguardas especiais que foi proposto pelo G-33, o grupo de países em desenvolvimento mais protecionistas), sou totalmente favorável ao "nenhum acordo". Não tem cabimento sairmos da rodada pior do que entramos!
O Brasil é um dos seis países que estão comandando o processo negociador neste período crítico. Os negociadores passarão para a História se conseguirem assinar o acordo ambicioso que foi previsto no Mandato de Doha. Ou cairão no esquecimento, se sua única competência for a construção de proteções desnecessárias e a preservação de incompetências anacrônicas.
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