A provável anulação do veto demonstrará que a Lei Agrícola de 2008 foi formulada, praticamente, sem a participação do Executivo, cuja influência nesse caso foi muito pequena. É uma lei que nasceu da interação dos lobbies agrícolas e seus representantes no Congresso. Se a vetar - para respeitar as declarações de boas intenções nas negociações internacionais em que os EUA, como nós, estão envolvidos -, o presidente Bush certamente estará consciente de que sua decisão não mudará o rumo já definido pelo Legislativo.
O texto atual teve sua primeira versão apresentada, pela Câmara dos Deputados, há exatamente um ano, quando ainda se achava possível aprovar a lei antes de setembro de 2007, data em que expiraria a lei de 2002. Entre essa primeira versão e a aprovada na semana passada, as mudanças que ocorreram foram para pior.
De um ano para cá, o contexto que rodeou as negociações da lei mudou consideravelmente. A mudança mais importante se deu no comportamento dos preços agrícolas. Em maio de 2007 já havia sinais de que os preços haviam embarcado numa trajetória de aumento. No entanto, eles subiram muito mais do que se esperava. Para se ter uma idéia, comparando os preços projetados em maio de 2007, pelo Departamento de Agricultura dos EUA, para o ano de 2008 com os preços efetivamente praticados neste ano, as diferenças são enormes. Milho e arroz tiveram alta de cerca de 25% e soja e trigo, de 45%. Mesmo o algodão, produto que subiu menos este ano, está com preço 15% mais alto do que o projetado.
Para entender a importância dos preços na formulação da política agrícola dos EUA é preciso ter em mente que parte relevante da lei se refere aos programas de subsídios para grãos. Os subsídios nesses programas variam de acordo com o preço: quanto mais baixo este for, mais subsídio o produto recebe. Num contexto de preços altos, os subsídios perdem relevância e se tornam desnecessários como mecanismo de garantia de renda ao produtor. O legislador norte-americano, olhando para preços ascendentes e subsídios cadentes, teria diversas razões para defender uma nova Lei Agrícola que promovesse reformas orientadas para reduzir os gastos com subsídios. A nova lei, na verdade, prova que o legislador ignorou o contexto e reafirmou os programas para grãos da forma como foram definidos há um ano. O Executivo bem que tentou sensibilizar o Congresso, mas seus esforços não surtiram muito efeito.
A nova Lei Agrícola tem implicações políticas e práticas para o setor agrícola brasileiro. A implicação política mais importante é que a negociação de uma Lei Agrícola nos EUA é um processo endógeno e hermeticamente protegido contra interferências externas. Ou seja, se nem o Executivo foi capaz de influenciar o processo, não seriam a negociação da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou as conclusões do painel do algodão que quebrariam essa regra.
O Congresso americano parece ignorar que os EUA são signatários de acordos multilaterais - e esses acordos também levam benefícios àquele país. Os EUA poderão ficar de saia-justa se a nova Lei Agrícola os impedir de cumprir os novos compromissos - sobretudo os gastos com subsídios em grãos - provenientes de um acordo na Rodada de Doha. Se os preços agrícolas voltarem aos seus patamares normais, vai ficar claro que o Congresso terá posto seu governo numa boa enrascada na OMC.
As implicações práticas se referem aos aspectos técnicos dos programas destinados a produtos de interesse do Brasil. As novas benesses para soja, milho, etanol e açúcar, oferecidas pela lei, deveriam preocupar-nos. Além disso, a lei não traz nenhuma mudança nas políticas para o algodão, o que mostra que os EUA continuam esquecendo que perderam o painel.
A soja ganhou uma elevação no preço garantido que, no limite, vai levar a um aumento nos subsídios. O milho foi agraciado com um programa feito sob medida, em que o subsídio sobe quando a produtividade cai. Num contexto de preços altos, pendurar os subsídios na produtividade, e não nos preços, é uma saída esperta para tranqüilizar o produtor de que ele não foi esquecido.
O etanol doméstico ganhou uma bela folga para se proteger do etanol importado - do Brasil, portanto. O subsídio na forma de crédito de imposto foi reduzido, mas a tarifa de importação, que já era maior do que o crédito, foi mantida constante. Assim, crescem os custos sobre o produto importado, que perde competitividade em relação ao etanol doméstico de milho.
O açúcar foi contemplado com um aumento no preço garantido - vale lembrar que o preço nos EUA já é 2,5 vezes mais alto do que o mundial - e com um programa de incentivo à sua conversão em etanol. O produtor de açúcar dos EUA ganha duas vezes: embolsando mais, com a elevação do preço, e produzindo mais, sem risco de derrubar os preços, porque o mercado de etanol puxa a demanda para cima.
O governo norte-americano tem dito que faz de tudo para conter o "ímpeto subsidiador" do Congresso. Defender um ambicioso acordo de redução de subsídios na Rodada de Doha deveria ser também do interesse deles - e não só nosso. Será mesmo?
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