Fechar
Receba nossa newsletter

É só se cadastrar! Você recebe em primeira mão os links para todo o conteúdo publicado, além de outras novidades, diretamente em seu e-mail. E é de graça.

Floresta Legal de Mercado

Por ANDRE MELONI NASSAR
postado em 20/05/2010

3 comentários
Aumentar tamanho do texto Diminuir tamanho do texto Imprimir conteúdo da página

 

Talvez seja um pouco tarde para lançar novas ideias, dado que as discussões para reforma do Código Florestal estão avançadas no Congresso Nacional, mas acredito que o exposto neste artigo possa ajudar a implementar o novo código, quando aprovado. O que defendo aqui é colocar mais mercado e menos regulamentação no marco regulatório da reserva legal. A oportunidade aberta pela reforma deveria ser utilizada para estabelecer mecanismos de mercado em substituição aos tradicionais instrumentos de coerção.

A proposta consiste em criar um mercado para a reserva legal com base num sistema de teto e trocas (batizado de cap and trade no mercado de carbono). As dificuldades legais para criar esse mercado não são grandes, uma vez que o teto já existe. Basta promover a segunda parte da ideia: viabilizar e estimular as trocas. Saliento que não estou propondo um sistema de compensação tal qual já é permitido no Código Florestal corrente.

Para que o mercado de reserva legal decole, como no caso do mercado de carbono, algumas condições institucionais precisam ser garantidas. A primeira, a rigor já estabelecida no Código Florestal, é definir os montantes de reserva legal. A maior modificação jurídica a ser feita é na conceituação e no propósito da reserva legal. Em vez de impor a reserva legal como obrigação de cada propriedade rural, ela passaria a ser definida como uma meta para uma determinada unidade regional mais ampla, e não restrita à microbacia hidrográfica. Essa meta passaria a ser expressa em hectares necessários para compensar a área antropizada corrente e futura daquela unidade regional. A meta regional seria, idealmente, calculada a partir do somatório da meta individ ual de cada propriedade. No entanto, considerando que existem Estados cuja área de vegetação nativa ainda ultrapassa as obrigações de reserva legal, essa meta seria calculada com base na área de vegetação nativa e na área antropizada localizada fora áreas excluídas para uso para fins produtivos.

Um mecanismo de mercado permitiria aos produtores atuar de duas formas: 1) Alugar áreas com vegetação nativa em propriedades privadas em montante superior à reserva legal individual; 2) investir em restauro florestal em outras propriedades rurais. Assim, produtores com excesso de reserva legal e com áreas não utilizadas para produção, ou com baixa produtividade, seriam os ofertantes; e os produtores com "passivo ambiental" ou interessados em abrir suas áreas além do teto individual seriam os compradores de reserva legal.

Para que os ambientalistas ortodoxos não rechacem a ideia de antemão, a obrigação individual com as áreas de preservação permanente (APPs) continuaria existindo (seja a conservação, seja o restauro florestal com esse fim), a despeito da meta ampla para reserva legal. Fica a discussão, e esta é o Congresso que vai arbitrar, se as APPs são adicionais à reserva legal ou não.

O custo de oportunidade de manter a vegetação nativa é elevado, seja porque o produtor está deixando de produzir, seja porque o custo do restauro por hectare é muito maior do que a rentabilidade de qualquer produto agropecuário. Assim, o surgimento do mercado de reserva legal pressupõe uma diluição de custos, enquanto se mantém, para o produtor, a obrigação da conservação.

Caberia ao governo formar um fundo de reserva legal que seria utilizado para alavancar esse mercado. O fundo teria um objetivo básico: subsidiar o investimento necessário para financiar projetos de restauro florestal e subsidiar as iniciativas de aluguel de reserva legal para cobrir os custos de oportunidade da produção agropecuária. Tendo em vista que grande parte dos custos do restauro ocorrem no início do projeto, o fundo cobriria parte do investimento inicial, o qual seria amortizado pelos produtores no decorrer do tempo de vida do projeto. Com esse mecanismo a entrada futura manteria o fundo capitalizado, permitindo que novos projetos fossem financiados. O tamanho do fundo (não é preciso dizer que seria de alguns bilhões de reais) dependeria da demanda pelo restauro.

O fundo poderia ser utilizado de forma a se atingir o que a sociedade espera em termos de preservação. Se promover o restauro é mais importante do que financiar a servidão florestal, o fundo poderia fomentar de forma mais agressiva projetos de restauro, estimulando produtores a seguirem esse caminho. Diversos critérios precisam ser desenvolvidos sob o guarda-chuva do mercado de reserva legal: um sistema de seguro autofinanciado para cobrir inadimplência, uma garantia para o tempo de permanência da vegetação nativa, um cadastro positivo de produtores que entrarem no mercado e um sistema de avaliação do andamento dos projetos, entre outros. É preciso dimensionar também o montante do subsídio a ser injetado no sistema, para se evitar risco moral, e criar mecanismos para garantir a transparêcia no uso dos recursos.

A criação do mercado de reserva legal tem várias vantagens sobre o sistema atual. A mais importante é que, se construído sem distorções políticas, ele promoveria uma alocação mais eficiente no uso da terra. Áreas apropriadas para produção agropecuária seriam usadas para este fim - o que não poderia ser diferente - e áreas menos apropriadas seriam as candidatas aos projetos de restauro florestal. A segunda é que a diminuição das restrições atuais associadas à compensação e à servidão florestal seria acompanhada por um massivo programa de restauro florestal, que, sem dúvida, traria vários benefícios ambientais e de biodiversidade aos fragmentos de vegetação nativa existentes. Por fim, um mercado para reserva legal estimularia, em vez de manter na defensiva, os produtores rurais a se engajar nos temas ambientais.

Saiba mais sobre o autor desse conteúdo

ANDRE MELONI NASSAR    São Paulo - São Paulo

Pesquisa/ensino

Avalie esse conteúdo: (4 estrelas)

Comentários

Antônio Elias Silva

Campo Alegre de Goiás - Goiás - Produção de leite
postado em 21/05/2010

Caro André Nassar,

Esse seu artigo é um dos raros exemplos de sensatez que já vi. Há algum tempo atrás, nem se podia questionar a legislação ambiental. Avançamos, ela tem sido amplamente discutida, os produtores foram envolvidos, e hoje a sociedade já acha legítimo que os produtores sejam protagonistas da reforma da legislação ambiental sob andamento no Congresso. Agora, surge a sua idéia de dar uma solução de mercado para as reservas legais, maximizando o ganho ambiental da sociedade e o econômico dos produtores. Não se trata, pois, de jogo de soma zero, tanto a sociedade quanto os produtores podem ganhar, dependendo do arranjo institucional que emane das discussões no Congresso e sociedade.

Há um ano atrás, assisti à exposição de um trabalho acadêmico que sugeria solução de mercado para o caso das outorgas d´água, e agora essa sua proposta nos mesmos moldes para reservas legal. Parabéns pelo artigo.

Abraço,

Antônio Elias

Bruno Manoel Rezende de Melo

Guaxupé - Minas Gerais - Instituições governamentais
postado em 22/05/2010

Muito interessante a proposta, acho que se houver tempo ela deveria ser discutida, e claro melhorada em alguns sentidos, como no proposto aluguel de áreas de reserva legal. Este aluguel de acordo com o meu entendimento, seria um programa frágil, que fugiria do proposto de se ter uma reserva legal, onde o aspecto de mercado ficaria a merce de quem paga mais, poderia ocorrer uma supervalorização deste mecanismo, e não teria a garantia de continuidade por partes dos contratantes, mesmo que estes contratos forem mencionados sobre alguns aspectos constitucionais, voltariamos ao processo burocrático e perderiamos os aspecto prático e aplicável.
Sobre a tão discutida APP e reserva legal, acho que a APP deve ser inserida como parte integrante da reserva legal, segundo alguns pontos de vista: Tamanho da propriedade, percentagem de corpos dáguas existentes na propriedade, porcentagem de áreas de topos de morros, etc..existir um regime de proporcionalidade entre areas de APP, e se for o caso, também existir reserva legal.

José Ricardo Skowronek Rezende

São Paulo - São Paulo - Produção de gado de corte
postado em 10/06/2010

Mesmo que não tenhamos tempo para incorporar a idéia a revisão do Código Florestal, que não pode mais ser adiada, é muito interessante. Além de maximizar a produção e a preservação, pois se o mercado ficar encumbido desta gestão podem ter certeza que as terras mais propicias para produzir alimentos serão direcionadas para este fim ao passo que conseguiremos preservar extensões continuas maiores, contribuindo para a preservação de inúmeras espécies.

Att,

Quer receber os próximos comentários desse artigo em seu e-mail?

Receber os próximos comentários em meu e-mail

Envie seu comentário:

3000 caracteres restantes


Enviar comentário
Todos os comentários são moderados pela equipe FarmPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

Copyright © 2000 - 2024 AgriPoint - Serviços de Informação para o Agronegócio. - Todos os direitos reservados

O conteúdo deste site não pode ser copiado, reproduzido ou transmitido sem o consentimento expresso da AgriPoint.

Consulte nossa Política de privacidade