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Lula II - desafios de coordenação

Por Marcos Sawaya Jank
postado em 03/11/2006

8 comentários
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Lula foi reeleito com 61% dos votos válidos. Imediatamente após a vitória já vêm os tradicionais apelos pela reunificação do País em torno de um projeto nacional de crescimento e redução da pobreza. O grosso do problema do baixo crescimento reside no próprio governo, que gasta muito e mal.

Mais do que reunificar os dois Brasis que sempre estarão emergindo desta e de outras eleições, é preciso não perder tempo no avanço das reformas. Estou convencido de que o maior problema do Brasil não é pobreza, desigualdade ou uma elite insensível, mas sim a falta de organização e de instituições sólidas. Há enorme consenso de que é preciso reduzir o peso e as contradições do Estado brasileiro, o que começa por uma maior eficiência e coordenação da "elite" governamental.

Estratégias confusas e conflitos não resolvidos resultam em mau uso dos recursos públicos. Um primeiro exemplo está na agricultura. Nos anos 80, o governo brasileiro optou por mudar o foco da política agrícola. Antes, os subsídios dirigiam-se a programas de preços mínimos, estoques reguladores e taxas reais de juros negativas no crédito rural.

O governo decidiu reorientar a política agrícola para a agricultura familiar e a reforma agrária, as duas áreas que hoje mais recebem recursos públicos. O governo Sarney criou um segundo ministério para cuidar desses dois temas. De lá para cá, a coisa se agravou e, hoje, os dois ministérios da área competem por recursos cada vez mais escassos, com visões antagônicas que geram modelos conflitivos de política pública no setor. Burocratas alimentaram a falsa premissa de que o agronegócio se oporia à agricultura familiar e que grandes e pequenos produtores viveriam em mundos distintos. O resultado tem sido uma forte descoordenação entre ministros, burocratas e programas da área.

A política comercial é um segundo exemplo de descoordenação. O governo Lula tentou reorientar a política comercial para os mercados em desenvolvimento, buscando diferenciar-se do governo anterior. América do Sul em vez de Alca. África e grandes nações emergentes da Ásia em vez de países desenvolvidos. O problema é que a metade da América Latina do lado do Pacífico já optou por um modelo de integração profunda com os EUA, a Europa e a Ásia e tem dificuldades em aceitar o modelo de integração vigente no Mercosul, que hoje inclui a Venezuela.

A África é comercialmente pequena e depende umbilicalmente das concessões de acesso a mercados que recebe gratuitamente dos países ricos. Lá, o caminho comercial depende mais de políticas externas de boa vizinhança que de acordos comerciais mais abrangentes, de difícil concretização.

Já na Ásia, nossas exportações se concentram fortemente em commodities agropecuárias e minerais e as importações, em produtos manufaturados, e os dois lados demonstram forte resistência em negociar acordos comerciais que poderiam abalar seus setores menos competitivos.

Ocorre que a política comercial tem sido marcada por uma crescente dissociação entre os anseios do setor privado, que preferiria concretizar a Alca e o acordo com a União Européia (UE), e o governo, que tem insistido nos acordos Sul-Sul, que não se concretizam apesar da persistência diplomática. A dissonância entre governo e setor privado acabou produzindo sucessivos conflitos dentro do próprio governo, com ministros defendendo posições antagônicas e uma paralisia das negociações das três Américas, da América do Sul, do Mercosul, deste bloco com a UE, além de acordos apenas "preliminares" com o resto do mundo em desenvolvimento.

A observação da realidade mostra que a agricultura familiar e a reforma agrária não podem sobreviver sem sistemas integrados de produção de alimentos, fibras e bioenergia, conceitualmente chamados de agronegócio. Cadeias produtivas coordenadas desde a pesquisa genética até o consumidor final não deveriam ser combatidas, já que elas são a condição de sobrevivência de grandes, médios e pequenos produtores. Não há um só exemplo de país que consiga avançar com ministérios disputando poder com visões opostas sobre o mesmo assunto.

Neste início de século 21, as políticas comerciais mais bem-sucedidas do mundo se baseiam em foco e coordenação. Foco nos acordos capazes de criar comércio e investimentos. Política externa e comércio se fazem com o maior número possível de países. Já os acordos comerciais devem, por natureza, ser extremamente seletivos. Sua conclusão depende de grandes esforços de coordenação, não apenas entre o governo e o setor privado, mas, antes de tudo, dentro do próprio governo.

As opções óbvias para os acordos bilaterais e regionais de que o Brasil precisa estão na América Latina, nos EUA e na UE. O Brasil precisa aprimorar as relações comerciais com seus maiores clientes e investidores, com pragmatismo e sem posições apriorísticas. Cada acordo que é assinado no mundo sem a nossa presença gera, por definição, desvios potenciais de comércio e investimentos em nosso desfavor.

Num regime democrático é natural que o país saia "dividido" de uma eleição presidencial e que esta mesma divisão esteja espelhada no novo Legislativo. Só que o Judiciário e o Executivo têm a obrigação de trabalhar sem divisões e ambigüidades. O primeiro precisa zelar pelo estrito respeito ao Estado de Direito. O segundo precisa reger-se por critérios de eficiência, arbitrando as eventuais diferenças com base no interesse nacional, e não no interesse dos grupos de pressão mais estridentes.

Em vez de tentar reunificar os Brasis que emergiram desta eleição, melhor faria o presidente reeleito se aproveitasse a enorme votação que recebeu para montar um governo eficiente, que reduza desperdícios de recursos com políticas equivocadas ou antagônicas e que avance rapidamente nas reformas de que o Brasil tanto precisa, nas áreas política, econômica, jurídica e social.

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Marcos Sawaya Jank    São Paulo - São Paulo

Consultoria/extensão rural

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Comentários

Paulo Fernando Andrade Correa da Silva

São José dos Campos - São Paulo - Produção de leite
postado em 03/11/2006

Como um lider que batalhou a vida toda pela "redução da jornada de trabalho" pode montar um governo eficiente?

Infelizmente, o desinformado eleitor brasileiro parece ter errado denovo!

Luiz Carlos Dias

Lauro de Freitas - Bahia - Produção de gado de corte
postado em 04/11/2006

Excelente artigo do prof.Jank, pela precisão e consistência com que aborda o tema. Creio que infelizmente o caminho ditado neste artigo tem poucas possibilidades de ser considerado. A política pequena é maior que os interesses da nação.

Parabéns, afinal vozes como essa e outras no debate do 2º turno provocaram algumas reflexões, tais como, crescimento econômico, educação, agronegócio, e outras, que, esperamos que não sejam apenas demagógicas.

Fábio Assis de Lima

Goiás - Goiás - Produção de leite
postado em 04/11/2006

Concordo plenamente com essa idéia, porém, deve se observar que se todos os políticos trabalhassem em prol do Brasil a coisa funcionaria.

Quando se fala em reformas no estado deveria pensar que são necessárias para o desenvolvimento do país. Mas, alguns grupos aristocratas não aceitam que essas reformas sejam feitas pelos seus adversários, devendo observa-se que, ao agirem dessa forma toda a economia do país fica a ver navios, correndo riscos por uma visão pequena de grupos que só visão o poder e não a sociedade como deveria ser uma democracia.

Acredito que possamos mudar essa ideologia de grupos visando o nosso desenvolvimento sem que sejamos obrigados a depender de política econômica opressora dos EUA e UE e que, ocupemos o nosso espaço na economia mundial sem dependermos unicamente de acordos comerciais.

Danilo Ferreira de Almeida

Catalão - Goiás - Estudante
postado em 04/11/2006

Muito bom esse artigo! Concordo, o Brasil precisa desperdiçar menos recursos, assim nunca vai pra frente.
Nota 10!

Gostaria de saber qual é a opinião do professor sobre a atuação do governo Lula na pecuaria brasileira.

Grato, Danilo.

Paulo Afonso Braga Bornia

MARINGÁ - Paraná - Consultoria/extensão rural
postado em 05/11/2006

Prezado prof. Marcos, o senhor estabelece com muita clareza os nossos problemas, porém temos mais quatro anos de governo Lula, o que pode ser considerado como uma continuação desses problemas. Temos que exigir das entidades que representam o agronegócio um posicionamento mais firme, talvez, até pleiteando cargos estratégicos dentro do governo. Seria exigir muito?

Washington Jorge Neto

Rio Branco - Acre - Empresário
postado em 06/11/2006

Parabéns professor, pela precisão dos fatos, e pelo raciocínio lógico. Não penso que é tão difícil nortear o Brasil para o caminho correto em todos os aspectos. Concordo inteiramente com o Sr.; enquanto tivermos dois ministérios brincando de cabo de guerra, acho difícil mudar essa nuvem de desesperança que assola todo o agronegócio brasileiro. Faço uma pergunta: não é possível acreditar que, mesmo com um diagnóstico desse, disponível nas mesas de discussões de nossos executivos, eles não optem pelo lado do progresso e do crescimento?

Adir Fava

Muriaé - Minas Gerais - Produção de leite
postado em 19/11/2006

O texto do Prof. Jank tem uma parte com alguma consistência, mas não podemos ser enganados novamente por idéias radicais neo-liberais. Ou seja, como se pode observar, o Prof Jank é um neo-liberal radical. O Brasil já experenciou o desastre neo-liberal.

Devo enfatizar que não sou eleitor de Lula, nem do partido dele. Além disto, este espaço não deve ser um espaço político-partidário.

O país não pode se polarizar entre neo-liberais, paternalistas ou qualquer linha partidária.

O Brasil exporta atualmente muito mais que antes e tem um bom superávit comercial. No período neo-liberal, o Brasil nunca concluiu um ano sequer com superávit, tendo enormes déficits na balança de pagamentos.

Resposta do autor:

Se pedir maior eficiência do Estado - no caso, maior consistência nos objetivos das políticas agrícola e agrária (que vivem em permanente conflito) e maior foco e coordenação na política comercial - fosse ser "neoliberal", acho que eu poderia ser assim classificado.

O problema é que neoliberalismo tem a ver com a redução do tamanho do Estado, tornando-o mais enxuto e eficiente, coisa que jamais ocorreu no Brasil. Nos últimos 10 anos a carga que o Estado impõe sobre a sociedade brasileira aumentou siginificativamente, passando de 30% para 40% do PIB.

O governo brasileiro taxa a sociedade no mesmo nível dos países mais ricos do primeiro mundo, porém oferece serviços de quinto mundo.

Marcos Jank

José de Barros Vieira

Ibitinga - São Paulo - Consultoria/extensão rural
postado em 11/12/2006

Em resumo, poderíamos ter como um bom princípio para enchergarmos uma luz no fim do túnel, a despolitização do tribunal de contas, para o qual deveria haver eleições diretas para a nomeação de seus ministros com a participação única do pessoal de carreira do judiciário, extensiva a todos os outros tribunais federais, estaduais e municipais, assim como para a direção regional e central dos órgãos de fiscalização agropecuária.

Com isso poderíamos dizer que temos subsídios para "andar para frente"!!!

José de Barros Vieira - Ibitinga SP - Médico Veterinário

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