A reeleição do Presidente Lula tem raízes profundas no sucesso do agronegócio. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da ESALQ-USP estima que os preços dos alimentos caíram 40% em termos reais desde o Plano Real. Comida barata é o benefício mais notável que a população pobre do País recebeu na última década. O Cepea calcula que o agronegócio transferiu mais de R$ 1 trilhão para a sociedade brasileira na última década, via ganhos da produtividade e conseqüente queda de preços, além de gerar US$ 40 bilhões anuais em divisas com exportações.
De 1965 a 1985, o objetivo básico da política agrícola era "segurança alimentar", obtida via políticas altamente intervencionistas. De 1985 a 1995, a tônica foi "desregulamentação e liberalização". Nos últimos dez anos, o foco voltou-se para "reforma agrária e agricultura familiar". Antes de antecipar as prioridades que deveriam ser doravante buscadas, é fundamental analisar as tendências globais do agronegócio na próxima década.
O lado mais radiante do agronegócio será o crescimento exponencial da demanda mundial por alimentos, fibras e bioenergia no futuro próximo. Milhões de novos consumidores vão emergir em regiões com enormes limitações de recursos naturais (principalmente água e terras aráveis), como o Leste da Ásia e o Oriente Médio. A explosão do consumo segue em três direções: aumento da renda per capita dos mais pobres, urbanização acelerada e mudança de hábitos de consumo.
A renda per capita de China, Índia e países do Sudeste Asiático (Asean) cresce 7% ao ano. Esses países ainda têm 63% da população em zona rural vivendo basicamente de autoconsumo. A urbanização aumenta a renda per capita, muda os hábitos de consumo (substituição de dietas baseadas em vegetais e arroz por carnes, lácteos e frutas) e gera maiores importações de produtos agropecuários. O novo patamar dos preços do petróleo acima de US$ 40 por barril aumenta a corrida por combustíveis alternativos, como o etanol de cana-de-açúcar e milho e o biodiesel de dendê, soja, girassol, colza e pinhão manso. O consumo crescerá mais pelo lado das quantidades que dos preços, que continuarão com um comportamento cíclico em função dos desequilíbrios temporais entre a oferta e a demanda.
O lado mais preocupante do futuro do agronegócio deriva do fato de que a sobrevivência dos produtores será determinada pela sua capacidade de reduzir custos em escala global. Williard Cochrane, professor emérito da Universidade de Minnesota, propôs nos anos 1950 a célebre analogia da "esteira rolante" que a tecnologia impõe aos produtores. Para não caírem da "esteira" da competição global, os agricultores são forçados a correr cada vez mais rápido nos ganhos de produtividade e exploração de economias de escala e escopo.
Além disso, o agricultor do futuro tende a ser cada vez mais um gerenciador de contratos complexos com indústrias fornecedoras de máquinas e insumos - mecanização, agricultura de precisão, irrigação, biotecnologia, etc. Contratos complexos e maior coordenação vertical também marcarão as relações entre o varejo, a agroindústria processadora e os agricultores, em decorrência da pressão por novos atributos de qualidade e sanidade de produtos, classificação, etiquetagem, certificação e rastreabilidade, entre outros.
As barreiras não-tarifárias vão crescer, seja na esfera pública, seja por pressão direta de consumidores e empresas privadas. Os países desenvolvidos tendem a ampliar o seu leque de restrições sanitárias, laborais e religiosas, controle de resíduos, pressões contra o desmatamento, critérios para o bem-estar dos animais e protocolos privados como o EurepGAP. Legítimas ou não, tais barreiras farão parte do cotidiano do agronegócio na próxima década, exigindo profissionalismo, conteúdo técnico para um diálogo maduro e maior coordenação dos agentes públicos e privados.
O novo objetivo das políticas agrícolas na próxima década é a inserção dos produtores no agronegócio global e sua sustentabilidade econômica, social e ambiental. O estudo Repensando as políticas agrícola e agrária do Brasil, que Fabio Chaddad, Sidney Nakahodo e eu publicamos na Revista Digesto Econômico da Associação Comercial de São Paulo (disponível em www.iconebrasil.org.br), mostra que não estamos conseguindo olhar para a frente. Nos últimos anos houve forte redução dos gastos públicos com agricultura, uma pulverização de programas em dois ministérios com visões antagônicas sobre o setor e a lamentável deterioração dos gastos com os bens públicos que construíram a competitividade brasileira.
Os casos mais dramáticos são a pesquisa agropecuária, a defesa sanitária e a extensão rural, áreas que receberam apenas 3% do orçamento total do setor, muito aquém dos recursos alocados nos programas de reforma agrária, agricultura familiar, crédito rural, renegociação de dívidas e outros. Essas três áreas formam o tripé dos ganhos de eficiência que baratearam os alimentos no mercado doméstico e geraram as divisas na exportação.
Política agrícola é uma das raras áreas em que não é necessário seguir nenhum exemplo importado. Basta olharmos para dentro e resgatarmos os bens públicos que geraram a fantástica revolução agrícola que interiorizou o desenvolvimento do Brasil.
João Cláudio P. P. Manente
Bragança Paulista - São Paulo - Consultoria/extensão rural
postado em 08/12/2006
Parabéns ao professor Marcos, cujas opiniões deveriam ser ouvidas pelos integrantes do governo e servir de base para uma política agrícola séria para o país.
É uma pena ver o governo Lula promover mais um apagão, este da pesquisa agropecuária.
Achava que a incompetência deste governo não iria tão longe, hoje vejo que não tem limites.
Onde estão as lideranças do meio rural?
Esta apatia das lideranças causa espanto, decepção.
Fosse na França, as vacas estariam nas praças e os tratores nas avenidas.
E nós?
João Cláudio Manente
Engenheiro Agrônomo MSc.