Argumento 1: Perdas industriais seriam maiores do que os ganhos agrícolas. "Não ficou claro se a abertura industrial maior em troca de um melhor acesso para produtos agrícolas seria equilibrada, já que o nível de ambição brasileiro foi sendo reduzido a fim de permitir a conclusão da rodada" (Rubens Barbosa, Estado, 12/8). O chamado pré-acordo da madrugada de sexta-feira 25/7, em que o Brasil teria, supostamente, aceitado as condições de EUA e União Européia (UE), e virado as costas para seus companheiros "países em desenvolvimento", foi, na realidade, uma acomodação dos interesses defensivos industriais do País. Em troca das flexibilidades para as tarifas industriais, o Brasil aceitou uma menor ambição na expansão das cotas de carnes da UE e uma menor redução dos subsídios totais dos EUA. Foi, portanto, um acordo pautado, no caso do Brasil, na necessidade de manter protegido o setor industrial.
Argumento 2: Indianos e chineses tinham direito a uma salvaguarda para se protegerem contra importações subvencionadas dos EUA. "Não querendo contrariar o lobby agrícola em ano eleitoral, os EUA teimaram em manter o direito de aumentar os subsídios até o dobro do que estão utilizando hoje. Não contentes, pressionaram a Índia e a China a aceitarem importações americanas, mesmo subvencionadas" (Rubens Ricupero, Estado, 2/8). A despeito de o embaixador estar correto quando afirma que o Executivo norte-americano não tinha muita flexibilidade de negociação, os subsídios do país eram a desculpa perfeita para os indianos e chineses defenderem o que mais queriam: garantir a flexibilidade de aumentar suas tarifas agrícolas por meio de salvaguardas automáticas. Se eles realmente quisessem proteger seus mercados contra importações norte-americanas subsidiadas, não estariam brigando por salvaguardas que prejudicam o Brasil e muitos outros países em desenvolvimento, mas sim concentrando seus esforços nos cinco produtos subsidiados pelos EUA: soja, milho, algodão, trigo e arroz.
Argumento 3: Indianos e chineses não estavam prontos a aceitar um acordo em agricultura. "(...) tanto a Índia como a China estão longe de ter modernizado globalmente seus setores agrícolas e, portanto, consideram política e economicamente explosivo um deslocamento de suas já paupérrimas populações rurais pela competição com produtos oriundos de agriculturas eficientes e modernas" (Luiz F. Lampreia, Folha de S.Paulo, 31/7). Se explicada corretamente, essa afirmação faz sentido. No entanto, a rodada já acomodava os interesses desses países por meio das diversas flexibilidades que tinham à disposição para evitar reduções em suas tarifas agrícolas. Além do chamado tratamento especial e diferenciado, regra básica da OMC que garante aos países em desenvolvimento um tratamento diferente dos desenvolvidos, esses países ainda poderiam selecionar 18% de suas tarifas como produtos especiais sujeitos a cortes zero ou cortes mínimos. A China, como se não bastasse, ainda seria privilegiada por ser um país recém-admitido na OMC. Todos esses instrumentos garantiam a esses países o que eles precisavam para proteger seus produtores e evitar o tal "explosivo deslocamento para as cidades". Ambos estavam brigando pela salvaguarda especial oportunisticamente.
Argumento 4: É ingenuidade pensar que um acordo era possível. "Acredito que se a desavença final não tivesse sido sobre a questão das chamadas "salvaguardas especiais" algum outro ponto teria surgido para que, em torno dele, se cristalizassem resistências momentaneamente insuperáveis" (Marcos C. Azambuja, Jornal do Brasil, 3/8). Nenhum tema era tão explosivo quanto essas salvaguardas, porque, ao contrário dos demais, não havia acomodação possível de interesses. As salvaguardas, da forma como concebidas pelo G-33 (grupo de países em desenvolvimento defensores e idealizadores do instrumento), levariam a um aumento nos níveis de proteção, e não à sua redução, como esperado numa rodada multilateral. Um acordo era perfeitamente possível desde que EUA e China-Índia cumprissem suas obrigações: o primeiro, aceitando as reduções necessárias para os subsídios ao algodão e o segundo, abrindo mão de uma salvaguarda que ia na contramão da liberalização.
Argumento 5: Uma rodada que trouxesse ganhos sobretudo ao agronegócio não contribuiria para o desenvolvimento do Brasil. "Afinal, não deve passar pela cabeça de ninguém que um país com o nível de desenvolvimento e as características estruturais do Brasil (...) possa depender preponderantemente do setor agrícola" (Paulo N. Batista, Folha, 14/8). Industrializado e modernizado tecnologicamente (do plantio à distribuição), o agronegócio brasileiro já passou da fase da agricultura camponesa e de subsistência à la Índia. O setor, é verdade, tem seus problemas, mas sua contribuição para o desenvolvimento do País está fora de questionamento.
O governo brasileiro cometeu erros no decorrer do processo negociador. Nenhum deles, no entanto, vale para os momentos finais da negociação. Ter ficado do lado de Argentina teria sido negar a importância do acordo para a agricultura brasileira. Ter-se bandeado para o lado de China e Índia, sob o pretexto de pressionar os americanos, ter-nos-ia obrigado a aceitar salvaguardas agrícolas altamente protecionistas. Não estamos em situação confortável sem a rodada. Talvez estivéssemos se tivéssemos investido mais nos acordos bilaterais.
Jose Eduardo Ferreira da Silva
Belo Horizonte - Minas Gerais - Analista de Desenvolvimento
postado em 25/08/2008
Delfim Netto citou na semana passada na Folha de São Paulo uma entrevista do Pedro de Camargo Netto na Veja. Eles falavam do exagero com que estão tratando Doha.
Com a diferença que Pedro de Camargo Netto alertou naquela entrevista sobre a miopia das políticas públicas, sobre a propaganda enganosa do governo Lula, sobre a necessidade de os dirigentes que aí estão e que "nuncaantesnestepaís" trabalharam com a economia real, que nunca correram riscos e que precisam deixar de andar sobre 4 patas e começar a caminhar com a coluna ereta e sobre dois pés.
Delfim, por outro lado deixou transparecer a sua habitual bajulação e escondeu o "custo PT" que pesa sobre quem quer produzir e trabalhar honestamente neste país.
O erro está no faz de conta da política bananeira, digo, brasileira, que prefere o discurso bossal e anacrônico ao enfrentamento de uma miríade de fatores que prejudicam a competitividade e a renda dos produtores brasileiros. Além de sofrerem com as chuvas ou secas, geadas ou granizo, com as pragas e doenças, ainda têm de suportar uma logística (sistema logístico) tenebrosa, problemas sanitários diversos (não é só aftosa), a tensão com as invasões e depredações do MST & congêneres (com a complacência e patrocínio do governo federal), sem falar na trinca ultrajante de juros-câmbio-impostos.
Não se trata de esquecer Doha, ou achar que não se deve negociar tratados comerciais como ALCA, MercoEuro, bilaterais, ou mesmo outra rodada multilateral. Isso é importante sim.
São inúmeras as barreiras e salvaguardas que protegem os incompetentes produtores mundo afora e prejudicam quem investe em tecnologia, e que faz tudo para se tornar eficiente. As negociações têm que continuar, mas não com a incompetência com que se tem realizado, como "nuncaantesnestepaís".