Para um país como o Brasil, cada vez mais dependente, no bom sentido, do mercado internacional, a emergência desses novos temas deveria ser motivo de preocupação, sobretudo porque eles chegam na forma de novas exigências por parte dos países desenvolvidos e estão desacompanhados de disciplinas multilaterais.
A discussão sobre "velhos" e "novos" temas na OMC é antiga. O lançamento da Rodada de Doha, em 2001, só foi viabilizado quando os chamados novos temas, à época os relacionados a propriedade intelectual, investimentos e compras governamentais, foram retirados da negociação. Ficaram os velhos temas: tarifas e disciplinamento de subsídios dos produtos agrícolas e industriais. Os grandes interessados em incluir os novos temas na negociação eram os países desenvolvidos. Já os em desenvolvimento, com interesses voltados para reduzir as distorções do comércio agrícola, eram os maiores interessados em focar a negociação nos velhos temas.
Passados seis anos do lançamento da Rodada de Doha, assistimos à emergência de uma segunda geração de novos temas no comércio mundial. Os temas cobertos pela rodada, no entanto, continuam sendo os mesmos de 2001. O grande tema do momento são as crescentes preocupações com o meio ambiente. Mercados como os EUA e, mais intensamente, a União Européia (UE) estão adotando novas regulamentações ambientais que estão a um passo de afetar o comércio mundial.
Mudança climática é o primeiro tema. É válido perguntar: como a mudança climática pode afetar o comércio mundial? Basta olhar para as estratégias dos EUA e da UE para entender. Os EUA estão no meio da negociação de uma lei que estabelecerá limites para as emissões de gases geradores de efeito estufa. Assim como os europeus, os norte-americanos estão usando o sistema de teto e intercâmbio (em inglês chamado de "cap and trade system").
Nesse sistema, o governo estabelece limites globais para redução das emissões de gases de efeito estufa, mas disponibiliza permissões compráveis para empresas que optarem por situar suas emissões além dos limites estabelecidos. Sem entrar nos detalhes desse sistema, o importante é entender como ele pode afetar o comércio mundial. Ao serem obrigadas a reduzir as emissões desses gases na cadeia de produção de seus produtos, a reação natural das empresas é exigir o mesmo dos produtos importados, sobretudo dos concorrentes de países que não têm as mesmas exigências. Esse é o debate nos EUA e em diversos países europeus.
A pergunta central é: de que instrumentos a OMC dispõe para evitar esse problema? Praticamente nenhum.
Um segundo tema são os chamados pagamentos ambientais. Para americanos e europeus a adoção de práticas agrícolas ambientalmente amigáveis passa pela distribuição de subsídios aos produtores. A justificativa é que o meio ambiente é um bem público e a sociedade deve compensar aqueles que zelam por ele. Para se ter uma idéia do problema, até 2001 a ordem de grandeza dos gastos do governo dos EUA com os pagamentos ambientais não passava de US$ 250 milhões anuais. Atualmente, os gastos já bateram a casa dos US$ 3,5 bilhões.
As negociações para a nova Lei Agrícola dos EUA deixam claro que os produtores encontraram nos pagamentos ambientais uma maneira amigável e nobre de justificar a necessidade dos subsídios agrícolas. E como a OMC ataca esta situação? Apesar de o acordo agrícola obviamente ter regras que disciplinam o uso de subsídios, os ambientais estão no grupo dos subsídios que não estão sujeitos a compromissos porque são considerados pouco distorcivos ao comércio. Em outras palavras, a OMC autoriza esses subsídios sem impor disciplinas, mesmo que estes possam afetar o comércio.
O tema dos pagamentos verdes tem uma vertente ainda mais preocupante para o comércio internacional. Os subsídios ambientais existem para compensar os produtores pelo aumento dos custos associados à preservação do meio ambiente. O produtor norte-americano ou europeu, dessa forma, é indiferente às exigências ambientais, porque é compensado por ser obrigado a segui-las.
Já o produtor de um país em desenvolvimento que fornece produtos agrícolas para os EUA ou a UE é negativamente afetado, porque pode ser compelido a buscar práticas de produção ambientalmente mais amigáveis, mas não será compensado por isso, em equivalência ao produtor norte-americano ou europeu. A UE já está exigindo que alguns produtos agrícolas importados do Brasil sejam sustentáveis do ponto de vista do meio ambiente. Como a OMC trata esse tema? A resposta é sempre a mesma: não trata.
A constatação de que o comércio internacional evolui mais rapidamente que as rodadas de negociação da OMC põe duas questões centrais em discussão: as questões ambientais e de mudança climática que afetam o comércio devem ser incorporadas, no futuro, pela OMC? E a Rodada de Doha, que só trata dos velhos temas, perdeu sua relevância para disciplinar o comércio mundial? Minha conclusão é que a OMC vai incorporar os temas ambientais em sua estrutura de acordos e o Brasil será um dos defensores dessa idéia. No entanto, qualquer evolução futura da OMC tem como premissa o fechamento da Rodada de Doha. É disso que o comércio internacional precisa neste momento.
Túlio Ferreira Caetano
Goiânia - Goiás - Estudante
postado em 29/11/2007
Muito bom artigo! Coerente e inteligente.