1. Uma volta ao passado
Na década de 90 estourou a crise mundial da lã, com o aparecimento dos tecidos sintéticos e consequentemente queda na demanda por lã.
Durante a crise, que já começou na década de 80, todos os países reduziram o rebanho e com o Brasil não foi diferente. Reduzimos muito o rebanho, principalmente na região sul, maior produtora de carne e lã ovina.
Nos anos 80, observamos um aumento significativo da produção de carne ovina no país, crescendo 37% nesse período e atingindo 77,6 mil toneladas, segundo a FAO, reflexo do abate de matrizes.
Com o agravamento da crise da lã na década de 90, os produtores começaram a mudar o foco da criação, cruzando suas matrizes com animais especializados e passando da produção de lã para produção de carne. Foi nesse período que a carne ovina começou a ser explorada economicamente como atividade principal.
A partir do ano 2000, começamos a observar um aumento contínuo na produção de carne, atingindo 79,3 mil toneladas em 2008. Quanto à lã, a queda na produção segue até hoje, caindo 38% nos últimos 18 anos.
Gráfico 1 - Produção de lã e carne no Brasil
No gráfico 2, observamos a queda drástica no rebanho do Brasil a partir da década de 90 e recuperação a partir do ano 2000.
Gráfico 2 - Evolução do rebanho de ovinos no Brasil
Quando observamos a evolução do rebanho ovino por região, fica nítida a queda acentuada na região sul, mais afetada pela crise mundial da lã. De 1990 a 2008, a região sul teve uma variação negativa de 57,02%, enquanto as outras regiões cresceram, como observado na tabela 1.
As regiões que mais têm se destacado, com um ritmo alto de crescimento, são a Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Os estados de Goiás, São Paulo e Mato Grosso do Sul já estão abatendo quantidades significativas de animais, podendo a longo prazo se tornarem as principais regiões fornecedoras de carne de alta qualidade para o mercado dos grande centros urbanos.
Tabela 1 - Evolução do rebanho ovino por região
Avaliando um período menor, comparando 2007 em relação a 2008, temos um crescimento de 5,3% na região sul, o que pode ser um indicativo de recuperação do rebanho após anos de decréscimo.
2. Produção de carne ovina
Segundo estimativas da FAO, a cadeia produtiva da carne ovina brasileira tem alcançado uma produção média de 79 mil toneladas por ano, com o abate de 4,95 milhões de cabeças (FAO, 2008).
O gráfico 3 mostra a produção de carne ovina total, estimada pela FAO, e a produção inspecionada do Brasil, segundo dados de abates pelo SIE e SIF.
Gráfico 3 - Produção total x Produção inspecionada
Na tabela vemos uma grande diferença nos valores de produção total e produção inspecionada. Por que isso acontece?
Apenas 7,6% do total produzido no Brasil é de carne inspecionada. De acordo com esses dados é possível estimar que mais de 90% da carne consumida no país é oriunda de abate informal.
Porém, quando comparamos o crescimento da produção formal e da produção total nos últimos 8 anos, temos um crescimento de 56% na produção formal e de 15% na produção total, concluindo que a produção formal cresce em um ritmo mais elevado.
O gráfico 4 compara a produção total, produção informal, importações e produção formal do Brasil em 2009.
Gráfico 4 - Consumo (origem do produto)
Esse gráfico pode causar um certo espanto, porém, essa é a nossa realidade. O total consumido no país em 2009 (produção interna + importação) foi de aproximadamente 88,45 mil toneladas. Desse total, 74,45 mil toneladas é de origem informal.
A cadeia de ovinos é caracterizada pela exacerbada participação da informalidade, que está associada a uma rede de relações comerciais no interior dos estados. O tamanho do animal é outro fator que facilita seu abate e comércio informal.
Muito se ouve que o Brasil importa muito, e é verdade. Se considerarmos a carne formalmente consumida, o Brasil importa 56% do que consome de carne inspecionada. Porém, considerando a produção total, importamos apenas 10% do que é consumido.
3. Uruguai
Praticamente tudo o que importamos vem do Uruguai. O volume importado deste país em 2009 foi de 6,71 mil toneladas, sendo 72,9% de cortes com osso, com um valor médio de R$ 4,30/Kg. A carne importada do Uruguai chega a competir em valor com a carne brasileira, considerando que, em 2009, o preço médio da carcaça de cordeiro fechou em R$ 7,11/Kg (praça Feira de Santana, Bahia).
Segundo o El País Digital, o Uruguai tinha um rebanho estimado de 22 milhões de cabeças há mais de uma década, e agora esse rebanho não chega a 10 milhões de cabeças. A cada ano, o rebanho vem caindo em 1 milhão de cabeças.
Assim como ocorreu em anos anteriores, os altos abates de ovinos lanares adultos, devido às fortes exportações de carne à União Europeia (UE), Rússia e países do Oriente Médio, soma-se a uma forte demanda de animais vivos aos países árabes; tudo leva a se prever que o rebanho voltará a cair.
Esses dados representam um alerta para a sustentabilidade do negócio, à medida que continua a redução do rebanho total e aumentam os abates de animais.
Porém, o abastecimento do mercado pelos produtos oriundos do Uruguai pode ser comprometido pela baixa oferta de cordeiros. Os produtores uruguaios tomam suas decisões baseados no preço da lã, e como a lã está em baixa - ao mesmo tempo que o preço pago pela carne do cordeiro se mantem em bons níveis - tem-se observado uma alta taxa de abate, mas podendo ter queda significativa já a partir desse ano.
No primeiro trimestre de 2010, o Brasil importou 710 toneladas de cortes com osso com um valor médio de R$ 4,92/kg, frente a 1.810 toneladas em 2009, a R$ 3,45/kg, no mesmo período. Esse fato já pode ser um reflexo da queda do rebanho e também pela preferência do Uruguai em exportar para países com mercado de maior valor, como os EUA.
4. Conclusão
O Brasil tem um enorme potencial de crescimento. Precisamos diminuir os índices de clandestinidade, e isso pode ser feito com mais investimentos em plantas frigorificas, para que seja viável ao produtor investir na atividade.
Os frigoríficos, por sua vez, precisam ter escala para o abate, o que pode ser conseguido através de parcerias com os produtores.
Precisamos parar de agir como um pêndulo, jogando a culpa sempre para o outro lado. Os produtores dizem que não produzem porque não têm para quem vender, e a indústria diz que não investe em planta frigorifica porque não consegue escala para viabilização. Os elos da cadeia precisam se unir com um único objetivo: produzir carne de cordeiro com a qualidade demandada pelos consumidores.
A demanda por carne de cordeiro tem um potencial ainda maior de crescimento, visto o aumento da população nos grandes centros urbanos e o aumento de renda das classes C, D e E.
Há muito espaço para crescermos, a atividade ainda é muito recente e o Brasil possui todas as condições para se tornar referência mundial na ovinocultura.
Thales dos Anjos de Faria Vechiato
São Bernardo do Campo - São Paulo - Consultoria/extensão rural
postado em 20/04/2010
Bom dia,
Parabenizo as autoras pelas brilhantes informações, com nível e qualidade do artigo e pela iniciativa frente a este assunto muitas vezes carentes de informações de mercado.
Realmente temos que nos posicionar como um todo para obter os mesmos sucessos com carne ovina em relação ao extrondoso sucesso da carne bovina, já que temos espaço territorial para expansão das criações, condições edafoclimáticas, tecnologia e profissionais de ponta no mercado...mas a única coisa que falta é muito simples: uma boa conversa entre todos!
Mais uma vez parabéns pela qualidade do artigo,
Abraços,
Thales dos Anjos de Faria Vechiato