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A carne ovina e o abate clandestino: é possível calcular o tamanho da informalidade?

Por Andre Sorio e Lucas Rasi Cunha Leite
postado em 16/02/2011

27 comentários
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No Brasil, a informalidade na produção de carne ovina está presente em todos os elos da cadeia produtiva - na produção primária, no abate, no processamento da carcaça e no comércio varejista.

No varejo, significa sonegação ao fisco e aquisição de produtos sem inspeção sanitária. Na indústria, ela implica vários agravantes: aquisição de animais doentes, ausência de inspeção sanitária durante o abate, transporte inadequado quanto aos padrões de embalagem e de refrigeração do produto, e, por fim, sonegação ao fisco. Já nas propriedades rurais, a informalidade ocorre na ausência de inspeção sanitária no momento do abate, sonegação ao fisco e falta de comunicação da movimentação de animais aos órgãos de defesa sanitária.

A fiscalização do abate clandestino foi apontada por especialistas, empresários e formadores de opinião como o fator sistêmico mais relevante para a cadeia da ovinocultura em pesquisa nacional realizada por Costa (2007). No entanto, o abate clandestino tornou-se um hábito arraigado, que acaba prejudicando a expansão e a competitividade da cadeia produtiva brasileira.

Segundo Holanda Junior et al (2003), a má qualidade da carne ovina consumida no Brasil é decorrente do baixo nível de higiene nas operações de abate. Além disso, a precariedade da inspeção sanitária estende-se ao local de venda, colocando em risco a saúde da população.

Silva (2002), afirma que o abate clandestino é um fator limitante à melhoria das relações contratuais entre a indústria e o varejo, já que ainda não resulta em marcas consolidadas nem em garantia sanitária ao consumidor. A principal consequência desse fato é uma pressão baixista dos preços e uma redução na margem de lucro dos frigoríficos.

Este artigo tem o objetivo de trazer informações a respeito da dimensão da informalidade nos abates de ovinos do Brasil, comparando os dados do Serviço de Inspeção Sanitária Federal (SIF) com outras informações oficiais disponíveis.

Dimensão do abate clandestino

É preciso registrar que, em algumas regiões do País, o abate clandestino está diretamente ligado ao roubo de animais nas propriedades, principalmente no Rio Grande do Sul. Silveira (2005) estima que 60% do abate de ovinos do Rio Grande do Sul ocorre de forma ilegal. Sorio et al. (2008b) chegaram à conclusão de que cerca de 70% do rebanho de Mato Grosso do Sul é abatido e comercializado sem inspeção sanitária. No Distrito Federal, Araújo e Medeiros (2003) estimam que 90% dos abatedouros de ovinos não são legalizados.

Em pesquisa com ovinocultores do Estado de São Paulo, Souza et al. (2008) encontraram 55% dos produtores realizando abate clandestino como forma de escoamento da produção. Carvalho e Souza (2007) afirmam que 100% do abate da cidade de Garanhuns (PE) é clandestino e que as autoridades de vigilância do município atuantes no varejo não se preocupam com a procedência dos animais. Em Minas Gerais, 46% dos produtores abatem ovinos nas propriedades, sem inspeção sanitária, conforme Sebrae (2004).

Em Campo Grande (MS), Sorio et al. (2008b) encontraram 22,2% dos estabelecimentos varejistas da área central da cidade vendendo carne ovina oriunda do abate clandestino. Os cortes são vendidos cerca de 14% mais baratos do que nos locais onde a carne provém de locais com inspeção sanitária no abate.

Silveira (2005) afirma que um dos maiores gargalos que atravancam o desenvolvimento da cadeia produtiva da ovinocultura de corte é a falta de fiscalização nos locais de abate. O grande número de abates clandestinos realizados e a consequente venda de carcaças de modo informal diminuem a competitividade da cadeia.

O sacrifício de fêmeas chega a 58% do total abatido em alguns frigorífico inspecionados, segundo Sorio et al. (2008a). Afirmam os autores que parece ser o abate clandestino de cordeiros a principal causa disso, pois os produtores vendem os melhores animais diretamente ao consumidor e entregam ao frigorífico os animais geralmente rejeitados pelo comércio. Para comparação, segundo Bianchi (2007), no Uruguai, o abate de fêmeas em frigoríficos mal alcança 17%.

Apesar de algumas diminuições, o abate inspecionado de ovinos no Brasil vem apresentando tendência de aumento nos últimos anos, como pode ser visto na Tabela 1.

O abate com inspeção federal passou de 79 mil cabeças em 2003 para 320 mil cabeças em 2010. O Rio Grande do Sul representa mais de 80% deste total. Os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, apesar de seu pequeno rebanho relativo, são os outros locais onde existe maior abate inspecionado.

Chama a atenção o fato de o Nordeste do Brasil apresentar baixíssima participação no abate com inspeção federal. A Bahia - 2º maior rebanho do país, por exemplo, depois de anos avançando na oficialização do abate, desde 2009 vem apresentando resultados cada vez menores.

Tabela 1 - Evolução dos abates de ovinos com inspeção federal, no período de 2003 a 2010 (em milhares de cabeças).



Pelos dados da Tabela 1, o abate com inspeção federal alcançou em 2009 algo em torno de 4,8 mil toneladas anuais. Mas informações divulgadas pela FAO (2011) e pelo IBGE (2011a) mostram que, no período de 1990 a 2009, a produção de carne ovina brasileira oscilou em torno de 80 mil toneladas, apesar de o rebanho brasileiro ter diminuído 40% neste período, em virtude da redução do efetivo no Rio Grande do Sul, que, ainda assim, continua ostentando o maior rebanho nacional.

Ao mesmo tempo, dados do censo agropecuário de 2006 (IBGE, 2011b), registraram 3,42 milhões de ovinos abatidos, entre os destinados ao consumo nas propriedades e à venda. A Tabela 2 especifica o abate declarado em cada estado.

Tabela 2 - Estimativa de abate de ovinos e sua relação com o abate com inspeção federal no Brasil, em 2006 (em milhares de cabeças).



Sendo assim, apesar do avanço nos últimos anos, o abate com inspeção federal em 2006 foi de somente 6,7% do total declarado pelos produtores, com maior significância nos rebanhos de Goiás, do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso do Sul, como pode ser visto na Tabela 2.

Não existem dados consolidados a respeito de abate de ovinos com inspeção estadual e municipal, já que os órgãos responsáveis por essas informações nos estados não costumam divulgá-las, apesar da exigência de emissão de Guia de Trânsito de Animais (GTA), determinada por legislação nacional, desde 2004. A cadeia produtiva da ovinocultura não pode contar, pois, com dados estaduais oficiais confiáveis sobre a atividade, o que acaba por favorecer o abate clandestino.

Para deixar bem claro, nos Estados que mais recorrem à inspeção federal, os órgãos públicos responsáveis pela emissão de GTAs e pela fiscalização do abate clandestino são os seguintes: no Rio Grande do Sul, a Divisão de Fiscalização e Defesa Sanitária Animal (DFDSA); na Bahia, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab); em Mato Grosso do Sul, a Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro); em São Paulo, a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo (CDA); e em Goiás, a Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa). Em nenhum desses órgãos é possível conseguir informações a respeito de emissão de GTAs e de abate de ovinos, o que demonstra o desinteresse oficial, generalizado, pelo tema, mesmo nos Estados onde a ovinocultura tem maior peso econômico, como o Rio Grande do Sul e a Bahia.

De qualquer forma, a quantidade de abate com inspeção estadual e municipal não deve superar o abate com inspeção federal. Sendo assim, pode-se afirmar que a informalidade atinge cerca de 90% do mercado nacional de carne ovina, contribuindo para que os índices de capacidade ociosa das empresas legalizadas se mantenham elevados e para a manutenção da baixa arrecadação do setor.

Considerações finais

Um costume, já bastante arraigado nas cidades brasileiras, é o consumo de carne oriunda do abate clandestino. O hábito de presentear amigos com carne ovina da fazenda e de consumir esse tipo de carne em eventos festivos, o domínio da técnica de abate pelas populações rurais e a crença, entre os consumidores, de que a carne vinda diretamente do produtor é de melhor qualidade, têm favorecido o mercado informal e afetado a competitividade da cadeia produtiva da carne ovina no Brasil.

Mas é bom lembrar que o abate clandestino é, muitas vezes, a única forma que os produtores têm para garantir o escoamento da produção e o abastecimento das cidades. No entanto, para dar o salto de competitividade que irá permitir que a carne ovina se torne efetivamente parte da dieta da população brasileira é fundamental que sejam encontradas formas de diminuir a informalidade no abate, alavancando o surgimento e/ou a manutenção de indústrias frigoríficas em todo o País.

Sem a legalização do abate e o consequente recolhimento de impostos, o setor nunca conseguirá demonstrar sua importância para a economia nacional, ficando sempre à margem do planejamento de políticas públicas e dos benefícios de verbas oficiais de fomento.

Referências bibliográficas

BANKUTI, F. I.; SOUZA FILHO, H. M. S. A informalidade em sistemas agroindustriais: os casos dos sistemas agroindustriais da carne bovina e do leite. In: ZUIN, L. F. S.; QUEIROZ, T. R. (Org.). Agronegócios: gestão e inovação. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 58-90.

BIANCHI, G. Alternativas tecnológicas para la producción de carne ovina de calidad en sistemas pastoriles. Montevideo, UY: Hemisfério Sur, 2007. 283 p.

CARVALHO, D. M.; SOUZA, J. P. Análise da cadeia produtiva da caprino-ovinocultura em Garanhuns. In: CONGRESSO BRASILEIRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
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COSTA, N. G. A cadeia produtiva da carne ovina no Brasil rumo às novas formas de organização da produção. 2007. 182 f. Dissertação (Mestrado em Agronegócios) - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília.

FAO. Food and Agriculture Organization of the United Nations Livestock primary. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2011.

HOLANDA JUNIOR, E. V.; SÁ, J. L.; ARAÚJO, G. G. L. Articulação dos segmentos da cadeia produtiva de caprinos e ovinos: os fluxos alternativos de comercialização In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE OVINOS E CAPRINOS, 2003, João Pessoa. Anais... João Pessoa: Emepa, 2003. p. 83-94.

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SILVA, R. R. O agronegócio brasileiro da carne caprina e ovina. Salvador: Edição do Autor, 2002. 111 p.

SILVEIRA, H. S. Coordenação na cadeia produtiva da ovinocultura: o caso do conselho regulador Herval Premium. 2005. 104 p. Dissertação (Mestrado em Agronegócios) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

SORIO, A.; ALBUQUERQUE, G. S.; BAKARJI, E. W. B.; PEIXOTO, F. L.; NOGUEIRA, L. M. L.; MARTINS, C. F.; MONREAL, A. C. D. Perfil das categorias ovinas abatidas
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SORIO, A.; FAGUNDES, M. B. B.; RASI, L. Oferta de carne ovina no varejo de Campo Grande (MS): uma abordagem de marketing. Revista Agrarian, Dourados, v. 1, n. 1, p. 145-456, 2008b.

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SOUZA, F. A. A.; LOPES, M. A.; DEMEU, F. A. Panorama da ovinocultura no estado de São Paulo. Revista Ceres, Viçosa, v. 55, n. 5, 2008.

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Comentários

Selym Leime Filho

São José dos Campos - São Paulo - OUTRA
postado em 16/02/2011

Será um dos maiores fomentos da Ovinocultura no Brasil o combate aos abates clandestinos bem como a sua comercialização. Sem contar o que será arrecadado de impostos e geração de empregos. Vale lembrar que nem sempre é possivel esta pratica, mas também não é aceitavel que no estado com a maior produção o abate clandestino é estimado em 60%. "Silveira (2005) estima que 60% do abate de ovinos do Rio Grande do Sul ocorre de forma ilegal".
Vamos trabalhar para mudar esta pratica e que as autoridades venham a fazer sua parte.

JOÃO LA FARINA

Brasília - Distrito Federal - Indústria frigorífica
postado em 16/02/2011

ANDRÉ SORIO.

Estabelecer a cadeia de comercialização é um desafio para qualquer atividade produtiva, e no caso dos ovinos o desafio é pelo menos ainda maior. Não basta apenas abrir mercados de consumo da carne, é preciso primeiro organizar um pouco mais a cadeia para produzir com quantidade e regularidade.

Porém, as dificuldades do mercado não se resumem ao que acontece dentro da propriedade. A carne ovina vem enfrentando grande concorrência com a carne uruguaia já ha algum tempo, sem contar os abatedouros clandestinos que proliferam junto as cidades onde o consumo da carne ovina tem um valor consideravel. Nossos vizinhos do MERCOSUL têm quantidade, preço extremamente competitivo e qualidade, sem falar dos clandestinos que disputam o mercado ofertando animais fracos, doentes, com preços bem menores das empresas devidamente legalizadas neste segmento.

É claro que aqui no Brasil se consegue produzir uma carne de qualidade superior, porém, ainda não conseguimos competir com os custos de produção de nossos vizinhos, seja pela alta carga tributária, pela falta de subsídio do governo brasileiro ou pelo nosso rebanho, ainda menor que o deles.

É preciso aumentar o índice de produção, diminuir os custos e criar uma cadeia produtiva forte, com todos os elos bem estabelecidos, desde a produção, passando pelo beneficiamento da carne, até o consumo. E nessa luta é importante que todos colaborem de alguma maneira.

A grande dificuldade dos criadores é conseguir que algum frigorífico faça o abate terceirizado. Alguns apenas compram os animais de outros criadores, sejam eles participantes de algum projeto de integração ou não. Portanto, tudo pode mudar para melhor com a terceirização dos abates

O mercado da carne ovina ainda está em fase de implantação, de estruturação logística e de produção.

PARA COMEÇAR A ACABAR COM OS ABATES CLANDESTINOS, BASTA QUE OS GOVERNOS ESTADUAIS, JUNTO COM ÓRGÃOS FISCALIZADORES, FISCALIZEM OS EMPREENDIMENTOS COMERCIAIS (RESTAURANTES, CASAS DE CARNES, DISTRIBUIDORES DE CARNES, FEIRAS ETC), E EXIJAM A NOTA FISCAL QUE COMPROVE A ORIGEM DO PRODUTO ESTOCADO!!!! PRODUTOS SEM NOTA É PRODUTO SUSPEITO. SENDO SUSPEITO DEVE SER APREENDIDO COM BASE NA LEI QUE REGULAMENTA O SETOR.

Conte conosco no que precisar!!!

Parabéns pela abordagem deste assunto tão polemico que é o abate clandestino.

João La Farina
FRIGORÍFICO CAMPESTRE
BRASÍLIA - DF

Andre Sorio

Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Consultoria/extensão rural
postado em 16/02/2011

Caros Selym e João

Não tenho dúvidas de que o combate EFETIVO ao abate clandestino é uma dos desafios mais importantes para a ovinocultura brasileira se fortalecer e ser competitiva. Com a palavra, os órgãos oficiais de defesa e vigilância sanitária de TODO o Brasil, que não dão a devida atenção a este grave problema fiscal e de saúde pública. Saudações a todos! André Sorio

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