Fechar
Receba nossa newsletter

É só se cadastrar! Você recebe em primeira mão os links para todo o conteúdo publicado, além de outras novidades, diretamente em seu e-mail. E é de graça.

Você está em: Cadeia Produtiva > Espaço Aberto

A "velha" e a nova bioeconomia - Desafios para o desenvolvimento sustentável

Por Raul Machado Neto e Geraldo Sant´Ana de Camargo Barros
postado em 06/03/2007

2 comentários
Aumentar tamanho do texto Diminuir tamanho do texto Imprimir conteúdo da página

 

Bioeconomia

Após causar impacto entre os cientistas na década de 1970, o conceito de bioeconomia refluiu para ressurgir nestes últimos anos - sob o nome de "nova bioconomia" - em razão do impacto econômico já observado e das expectativas de impacto futuro das tecnologias produzidas pela biociência. O quê há de comum entre essas duas bioeconomias: a "nova" e a "velha"? Será que esta deve ser arquivada em benefício da primeira?

O século XXI tem sido apontado como o século da biotecnologia, cujas atividades avançam num ritmo impressionante. No mesmo ritmo, métodos apropriados deverão ser desenvolvidos e aplicados na avaliação de custos e benefícios econômicos da biotecnologia - aliada à tecnologia da informação, à nanotecnologia entre outras - voltada para a saúde, para a produção de alimentos e fibras de maior valor agregado, para produção de biocombustíveis mais limpos e eficientes do ponto de vista ambiental, para processos que economizem energia e água, que minimizem a geração de resíduos tóxicos, etc.

Parece que seja essa atual convergência explosiva entre tantos campos das ciências - de que tem resultado tantas inovações - pode explicar a diferença entre as duas biotecnologias, principalmente o pessimismo de uma e o otimismo da outra.

O pessimismo da "velha" bioeconomia de Georgescu

O economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), que atuou em Harvard e Vanderbilt, tendo-se projetado dentro da corrente neoclássica de economia, numa segunda etapa de sua vida acadêmica desenvolveu uma combinação dessa economia com biofísica (biologia evolucionária e termodinâmica) numa disciplina que, em seu artigo de 1977, cunhou de bioeconomia (bioeconomics)3, também chamada de economia ecológica.

Sua contribuição maior nesse sentido aparece em The Entropy Law and the Economic Process, de 19714. A entropia - definida pelo físico alemão Clausius em 1850 - tem um papel central na bioeconomia de Georgescu: a energia precisa ser explicitamente incluída na análise dos processos econômicos; a energia total do universo (sistema fechado) é constante e a entropia total está em contínuo aumento, ou seja, dispõe-se cada vez menos de energia utilizável num processo irreversível. Recursos naturais (baixa entropia) de alto valor são transformados em resíduos (alta entropia) sem valor.

Na linha de Schumpeter, de quem foi aluno, Georgescu via biologia e economia como sistemas complexos em constante evolução, que se baseiam na auto-organização acoplada a um processo de seleção natural5. Em ambas, a aquisição, o armazenamento e o processamento de informação permitem adaptar o comportamento aos estímulos ambientais para sobreviver e se desenvolver: genes e competências desempenham papéis similares em uma e outra ciência.

As conclusões deixadas por Georgescu têm sido vistas até agora como demasiadamente radicais, o que praticamente o alijou da "mainstream" acadêmica, à qual pertencera até os anos 1960. Para ele, uma tecnologia não é viável a menos que ela se mantenha sem reduzir o estoque de recursos não-renováveis. A economia de Georgescu reforça a procedência do rótulo de "dismal science" atribuído ao historiador Carlyle em 1849 face a predições pessimistas de Malthus.

Para Georgescu, os países desenvolvidos precisam aceitar um padrão de vida mais baixo caso se pretenda que os países menos desenvolvidos escapem da pobreza. Ele mesmo, porém, era cético com relação à disposição da espécie humana em aceitar qualquer programa que levasse a uma redução do conforto material6.

O otimismo da nova bioeconomia

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2006)7 define bioeconomia como "aquela parte das atividades econômicas que capturam valor a partir de processos biológicos e biorrecursos para produzir saúde, crescimento e desenvolvimento sustentável". Resta saber o grau em que o conhecimento biológico pode ser difundido na forma de aplicações biotecnológicas bem como que políticas serão eficientes para promover o uso dessa nova onda de inovações.

O otimismo da nova bioeconomia contrasta marcantemente com o pessimismo da bioeconomia original: "a biotecnologia em associação com outras tecnologias transformará a maneira pela qual os produtos são concebidos, manufaturados e utilizados. Essa transformação nos ciclos de produção e consumo com certeza gerará crescimento sustentável nos países desenvolvidos e em desenvolvimento" (UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, 2002)8. Microorganismos, enzimas ou seus produtos substituem processos altamente dependentes de produtos químicos danosos ao ambiente.

Com o uso crescente de recursos renováveis, abrem-se as oportunidades de participação dos países em desenvolvimento na bioeconomia. A biologia dos indivíduos isoladamente passa a ser pensada em relação ao ambiente e não só ao mais próximo, mas ao conjunto global, pois o homem entendeu que está inserido em um contexto inteiramente inter-relacionado e definitivamente interdependente.

A Agenda 21, o programa estabelecido em 1992 pela Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, asseverava que a biotecnologia "promete fazer uma contribuição significante em possibilitar o desenvolvimento de, por exemplo, melhor cuidado da saúde, melhor segurança alimentar através de práticas agrícolas sustentáveis, melhor oferta de água potável, processos de desenvolvimento industrial mais eficientes para transformação de matérias-primas, apoio a métodos sustentáveis de aflorestamento e reflorestamento e também de destoxificação de resíduos".

Distribuindo os benefícios da bioeconomia

Para a UNCTAD (2002), à primeira vista, a biotecnologia não teria correspondido às promessas originais; por outro lado, um exame cuidadoso mostra que a biotecnologia abriu caminho em praticamente todos os principais campos da atividade humana. Preocupa, porém, se os países em desenvolvimento terão capacidade de desempenhar papel significante na geração e na aplicação de biotecnologias na agricultura, medicina e indústria.

De acordo com a UNCTAD (2002), um regime de governança global para a biotecnologia - incluindo melhor acesso a mercados e à tecnologia, capacitação de recursos humanos, regulação nacional da biotecnologia e administração de riscos e benefícios associados ao seu uso - seria a condição para que se evite um "fosso genético ou exclusão tecnológica" entre países. Parece, assim, que permanece a preocupação central de Georgescu: um desenvolvimento menos diferenciado entre países é uma meta extremamente difícil de ser alcançada.

Certos instrumentos de regulação, como o Acordo TRIPS (Agreement on Trade Related Intelectual Property Rights), adotados pela Organização Mundial do Comércio (OMC/ONU) podem prejudicar uma das principais formas de difusão tecnológica que é o comércio. Os chamados technological spillovers - transmissão internacional de tecnologia através do comércio - têm sido associados ao crescimento de 200% na produtividade total no século passado e contribuíram para a convergência tecnológica entre países (Madsen, 2005)9.

É controvertida a inclusão no acordo TRIPS de direitos de propriedade envolvendo organismos vivos, os quais, como norma, vinham ficando fora dos sistemas de proteção de propriedade intelectual (UNCTAD, 2002). O desafio parece ser conseguir ao mesmo tempo proteger os direitos até o ponto que assegurem a rentabilidade dos investimentos, mas que as restrições não sejam tão amplas a ponto de sacrificar o interesse público. Por outro lado, a questão de biossegurança ainda demanda regras que compatibilizem segurança e comércio. O Protocolo de Cartagena prescreve o princípio da precaução como instrumento de administração de risco. Tal critério tem sido contestado, porém, por poder constituir instrumento de proteção de mercado (UNCTAD, 2002).

Bioeconomia no Brasil

Até agora, aparentemente apenas um punhado de países em desenvolvimento foram capazes de ter uma participação relevante na corrida bioeconômica.

No Brasil não é freqüente ainda o emprego do termo bioeconomia nos documentos oficiais relacionados à política industrial e de comércio exterior. A OCDE, por exemplo, estabeleceu em seu projeto para a bioeconomia as metas de: (a) analisar os gargalos e obstáculos (técnicos, de regulação, financeiros e sociais) ao desenvolvimento dessa área de conhecimento e (b) colher e analisar informações para orientar os formuladores de políticas. O Brasil deveria estabelecer uma agenda semelhante.

A competência estabelecida na biotecnologia, o domínio dos processos agroindustriais relacionados com a bioenergia, aliados às aptidões agrícolas do País, em função da extensão territorial e da tecnologia desenvolvida para os trópicos, qualificam o Brasil como um ator de liderança neste novo cenário com visão bioeconômica. Porém, as empresas como Alellyx Apllied Genomics e CanaVialis, assim como outras tantas empresas, que trabalham em parceria na modificação genética da cana, vêem na CTNBio um obstáculo que retarda e inibe o investimentos no setor10.

No campo da propriedade intelectual, fica a questão de o País ter o direito moral de distribuir remédios patenteados de grande valor mesmo violando compromissos assumidos na Organização Mundial do Comércio? Até que ponto essa estratégia está inibindo investimentos no País e o bem-estar da população nos anos que virão?

Particularmente no caso da agropecuária, "A intensificação dos estresses térmicos, hídricos e nutricionais, além do aumento da pressão de pragas e doenças, são problemas inevitáveis para o agronegócio nos trópicos, na medida em que se realizam as previsões de aumento das temperaturas globais... As tecnologias para agricultura tropical desenvolvidas pelo Brasil se tornarão cada vez mais atrativas para os países de clima temperado, na medida em que suas atividades agrícolas tiverem que se adaptar a climas mais quentes" (Lopes & Carneiro, 2005)11. Configura-se, pois, um cenário positivo para a bioeconomia aplicada ao agronegócio no Brasil.

Fonte:

3Em português, tanto a ciência como o objeto (atividades sociais voltadas para a satisfação dos desejos e necessidades humanas) são referidos como "economia". Em inglês, porém, a ciência é referida como economics, enquanto o objeto por economy. Essa distinção é interessante, pois Georgescu referia-se à ciência, enquanto seu ressurgimento atual refere-se às atividades.

4Georgescu-Roegen,N.1971. The Entropy Law and the Economic Process. Cambridge, Harvard University Press.

5Corazza, R.I., Fracalanza, P.S. 2004."Caminhos do pensamento Neo-Schumpeteriano: para além das analogias biológicas".Nova Economia 14(2): 127-155

6Gowdy, J., Mesner S.1998."The Evolution of Georgescu-Roegen's Bioeconomics".Review of Social Economy. LVI(2):136-156.

7OCDE.2006. The Bioeconomy to 2030: Designing a Policy Agenda. http://www.oecd.org/dataoecd/dataoecd

8UNCTAD, 2002. The New Bioeconomy. Industrial and Environmental Biotechnology in Developing Countries. Harvard University (http://r0.unctad.org/trade_env/test1/publications/newbioeconomy.pdf).

9Madsen, J.B.2005. "Technology Spillover through Trade and TFP Convergence: 135 Years of Evidence for the OECD Countries", Journal of International Economics (forthcoming)

10Ver http:// www.mail-archive.com/pg-net@iqm.unicamp.br/msg00180.html

11Lopes, M A , Carneiro, M.2005. Impactos da Biotecnologia e da Bioeconomia http://www.embrapa.br/noticias/artigos/

Saiba mais sobre os autores desse conteúdo

Raul Machado Neto    Barão de Antonina - São Paulo

Pesquisa/ensino

Geraldo Sant´Ana de Camargo Barros    Piracicaba - São Paulo

Pesquisa/ensino

Avalie esse conteúdo: (e seja o primeiro a avaliar!)

Comentários

Josmar Almeida Junior

Maringá - Paraná - Assessoria e Consultoria em Pecuária
postado em 07/03/2007

Parabéns pelo interessante e complexo artigo.

Sem dúvida também, apropriadíssimo ao momento da visita do presidente Bush.

Fica a minha dúvida se o interesse em nossas tecnologias tropicais tornará a bioeconomia positiva a diminuição de nossa desigualdade em relação aos países temperados.

Será que nossos governantes possuem gabarito para negociar nossas tecnologias?

Particularmente analiso que as negociações bilateriais internacionais não foram positivas à nação, como por exemplo, a "nossa" Petrobrás nas terras bolivianas.

Abraços e Boas Vindas Presidente Bush.

Ruy Vasconcellos

Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul - Produção de ovinos
postado em 02/05/2007

Srs. Autores do Artigo - Prof. Geraldo e Prof. Raul,

Tenho tido várias experiências domésticas quanto ao uso de recursos naturais para a nossa criação, tanto de ovinos quanto de gado, como alimentação natural, medicamentos fitoterápicos, adubos exclusivamente orgânicos, consorciamento de pastos com espécies brasileiras (ou tropicais), silagem de insumos produzidos na propriedade para uso específico (no inverno, na seca, no calor, etc) e finalmente, a conscientização dos empregados e agregados familiares quanto a alimentação plantada ou criada organicamente (ou biológica).

Chegaremos proximamente no "cordeiro orgânico" e no "boi orgânico", com o uso de 100% de recursos naturais.

Como temos visto e acompanhado a evolução destes produtos em mercados mais exigentes, também verificamos que os preços são melhores (ou bem melhores...), e o consumidor está se acostumando a "comprar" melhor ( a nosso ver).

Tudo isto para uma mesma área plantada, uma mesma área para criação, com o mesmo numero de empregados, enfim, com os mesmo recursos.

Por que não difundirmos mais e melhor o uso biodinâmico para plantações e criações? Por que o Brasil é tão afastado destas regras mínimas de produção? (são poucos os exemplos que se vê).

Por que o homem simples do campo é pouco instruído para produzir com estes recursos? (não há incentivo tanto dos proprietários quanto dos governos) Por que o governo federal, os estaduais e até mesmo as prefeituras se afastam de programas intensos nestas áreas? (não existem programas específicos).

Gostaria de obter respostas dos Srs., pois estou acumulando conhecimento de diversas opiniões no Brasil e no exterior.

Muito bom o vosso artigo de bioeconomia. Que tal incentivarmos a "biológica" também, que certamente irá ajudar na bioeconomia?

Quer receber os próximos comentários desse artigo em seu e-mail?

Receber os próximos comentários em meu e-mail

Envie seu comentário:

3000 caracteres restantes


Enviar comentário
Todos os comentários são moderados pela equipe FarmPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

Copyright © 2000 - 2024 AgriPoint - Serviços de Informação para o Agronegócio. - Todos os direitos reservados

O conteúdo deste site não pode ser copiado, reproduzido ou transmitido sem o consentimento expresso da AgriPoint.

Consulte nossa Política de privacidade