Preocupações com agricultura e comida "éticas", principalmente nos países ricos do Hemisfério Norte, têm levado a algumas práticas, que, embora bem intencionadas, nem sempre dão o resultado esperado. Ao contrário, por vezes apresentam resultados opostos aos desejados. Essas "práticas fashion" são:
• Agricultura Orgânica, que traduziria uma forte preocupação com o Meio Ambiente.
• Buy Local ("Compre no local", onde é produzido), que seria a atitude típica das pessoas que não gostam de empresas transnacionais, menos ainda da globalização, e também são ligadas a temas ambientais.
• Fair Trade (que passou a ser grafado como Fairtrade, e poderia ser traduzido como "troca justa" ou "comércio justo"), que pretende ajudar agricultores pobres, de países pobres - através de subsídios oferecidos pelos próprios consumidores.
Hoje vou falar sobre Agricultura Orgânica. Naturalmente, meus poucos (mas fiéis) leitores sabem que não sou, e nem pretendo ser, técnico neste assunto. Aliás, em nenhum outro, exceto talvez em economia e geopolítica. Minha qualificação, portanto, resume-se à de uma pessoa que tem curiosidade intelectual, e que (ainda) não perdeu a capacidade de raciocinar por conta própria.
Em uma palestra na New York University, que li há meses atrás, a professora e nutricionista Marion Nestle [1] afirmou: "Quando você consome alimentos orgânicos (produzidos organicamente), você está votando para que a Terra seja menos agredida por pesticidas, para que se preserve solos mais ricos, e mananciais de água mais puros". Será?
Como já estou afastado há quase dois anos dessa atividade, consultei antigas e confiáveis fontes para saber se houve alguma revolução de produtividade em Agricultura Orgânica, e eu é que estaria defasado. Que pena. Não, não houve nada nesta dimensão. Mas, por outro lado, e isso é uma boa notícia, sou informado que os "agrotóxicos" mais modernos são cada vez menos agressivos ao meio ambiente.
Bem, mas afinal, o que é "Agricultura Orgânica"?
Há diversas definições, que creio poderem ser resumidas, de forma simples, em: reduzir drasticamente o uso de fertilizantes e defensivos sintéticos, banir organismos geneticamente modificados (OGM), e alterar práticas culturais. Métodos "orgânicos" utilizam esterco, adotam tratos culturais que "mexeriam" menos com o solo (mas nem sempre), e promovem constante rotação de culturas. Isso é considerado como sendo mais saudável para o meio ambiente, e também para os consumidores. Será?
Um fato irretorquível é que qualquer agricultura é ruim para o meio ambiente. Isso é inerente à própria atividade. Não é possível fazer omelete sem quebrar os ovos. O que se pode (e deve) fazer é minorar este efeito negativo. Desde que agricultura, como atividade regular, teve seu início há mais de 10.000 anos, a derrubada de florestas aconteceu no mundo todo, e em escala maciça. Mas também, desde que a "Revolução Verde" da década de 60, precursora da agricultura de precisão foi implantada, com uso mais racional do solo, e utilização de fertilizantes e defensivos agrícolas mais eficientes, a produção de alimentos no mundo triplicou, com pequeno acréscimo de área plantada.
O cientista Norman Borlaug, laureado com o prêmio Nobel, exatamente por suas atividades pioneiras no desenvolvimento da "Revolução Verde", considera como "ridícula" a noção de que agricultura orgânica é melhor para o meio ambiente, e mais saudável para os consumidores. De fato, não há qualquer estudo sério que comprove que produtos orgânicos são melhores para a saúde, do que os oriundos da agricultura tradicional, se bem conduzida.
Também não há evidência que Agricultura Orgânica seja mais eficiente quanto ao uso de energia. Ao contrário. Estudo da Universidade de Edinburgh afirma o inverso, que o uso de energia por tonelada de produto é maior na agricultura orgânica que na tradicional, por causa de sua menor produtividade, e a necessidade de constantes arações ou gradeações para controle de pragas. Além do mais, apenas 20% da energia gasta na "cadeia alimentar" é despendida no campo.
É irônica essa possível necessidade de se "mexer" mais com o solo para controle de pragas na agricultura orgânica. Pois o único ponto de concordância entre as duas linhas de pensamento, é o de que "plantio direto", normalmente associado à agricultura orgânica, é realmente uma atividade "benigna" em relação ao meio ambiente.
Há outras aparentes inconsistências no rígido conceito geral de agricultura orgânica, um negócio de US$ 30 bilhões/ano em nível mundial, além do sistema de controle de pragas. Uma delas é a "permissão" de se usar cobre - um metal pesado - como fungicida "orgânico", com a alegação de que é um insumo "tradicional".
Como a agricultura orgânica, principalmente em larga escala, é muito menos eficiente que a moderna agricultura, o que aconteceria se a agricultura orgânica substituísse, como em um passe de mágica, a agricultura que praticamos hoje? Teríamos que optar entre:
• Derrubar mais florestas tropicais, e aumentar a área plantada, o que decididamente não seria bom para o meio ambiente.
• Diminuir compulsoriamente a população mundial, para adequá-la a uma menor produção de alimentos, o que talvez não fosse agradável para a humanidade. Eu, pelo menos, não tenho a menor intenção de entrar em jejum permanente, nem de abandonar este planeta antes da hora. E você?
O conceito de "comida ética" é admirável, e não deve ser motivo de chacota, mesmo quando deságua em conceitos extravagantes. Afinal, nada há de errado em tentativas para proteger o meio ambiente, estimular desenvolvimento sustentável, e procurar formas de comércio mundial mais justas.
Mas, por mais valentes que sejam esses modernos Dom Quixotes, a solução para estes problemas está na esfera dos governos. Enquanto não houver diminuição das colossais proteções que os países desenvolvidos - na Europa principalmente - dão a seus ricos, e nem sempre eficientes agricultores; enquanto não houver cobrança de taxa mundial punitiva para emissão de gases que causam efeito estufa; e enquanto não houver reforma séria no sistema de comércio internacional, os conceitos de "agricultura fashion" permanecerão sendo apenas isso: galantes iniciativas individuais, que podem aplacar consciências pessoais, mas não fazer o mundo melhor.
Por falar em comida, na firme intenção de perder alguns quilos acumulados durante as férias, quilos estes acrescentados durante a sempre frenética faina da declaração anual de Imposto de Renda, estou indo para um spa. Assim, caro leitor, você estará livre de mim durante algum tempo, enquanto luto contra os lipídeos, tri glicerídeos, e "gostosídeos" em geral. Mas tentarei concluir o segundo artigo sobre esse tema (que será Buy Local), antes do final do mês.
[1] Autora de "Food Politics" (2002) e "What to Eat" (2006).
José Eduardo Do Val
Ribeirão Preto - São Paulo - Pesquisa/ensino
postado em 08/05/2007
Artigo muito bom concordo plenamente com quase tudo exceto com o décimo primeiro parágrafo, onde se comenta que o plantio direto está associado a agricultura orgânica. Isso não é verdade pois no plantio direto ocorre uso maciço de agrotóxicos e isso é muito conhecido e divulgado no meio técnico.
O que não desmerece o conteúdo do artigo, que salvo essa falha, foi muito bem desenvolvido. Precisamos argumentar e esclarecer pessoas que dizem o que querem sem nenhuma responsabilidade, conhecimento e experiência de como se pratica agricultura que alimenta o povo.
Parabéns
Resposta do autor:
Prezado Dr. José Eduardo,
Realmente é estranho o conceito com o qual o senhor discorda (i.e. plantio direto ser "ligado" a agricultura orgânica), tanto que fiz uma espécie de ressalva quanto a isso em meu artigo. Ressalva esta, possivelmente pouco clara ou pouco contundente.
Contudo, os textos que li - de diversos autores - induziam a isso, de forma que reproduzi o conceito, o qual o senhor vem a esclarecer como inverídico.
Obrigado por haver enriquecido o meu texto.
Atenciosamente,
Carlos Arthur Ortenblad