A matéria-prima de todo nosso sistema é a água. Praticamente, todos os demais recursos naturais podem ser substituídos, menos a água. Ela é sinônima de sobrevivência, ou do desaparecimento da vida neste pequeno planeta chamado Terra, tributário de uma estrela de 5ª grandeza, conhecida como Sol. Água é vida, ou morte.
Ao escolher este apaixonante tema, fui juntando uma quantidade de material que, por uma questão de espaço, e de diversidade, vou dividir em três artigos. O de hoje tratará "água" genericamente como recurso natural e matéria prima no mundo. O segundo deverá tratar especificamente dos recursos hídricos brasileiros. E o terceiro, abordará temas relativos à agricultura.
Dentro de poucas décadas, água vai ser a "commodity" (não creio mais correto que possa ser considerada como mero "recurso natural") mais escassa de nosso planeta, mais até do que petróleo, que será substituído paulatinamente por outras fontes de energia e por outros insumos, na indústria química. Aliás, água é o petróleo do século XXI, em razão do seu insubstituível valor, e de sua crescente escassez.
Embora a superfície da Terra seja constituída em 70% por água, destes, apenas cerca de 2,75 % é de água doce, que pode ser consumida pelo ser humano, em qualquer de suas atividades: industriais, agrícolas e pessoais. Atualmente, 60 países já possuem densidades demográficas superiores à sua capacidade de produzir alimentos.
Quando "commodities" escasseiam, seu preço sobe. E com secas em boa parte do planeta, o potencial econômico da exploração da mais básica das 'commodities' - água - aumenta. Os investimentos privados em exploração e tratamento de água têm crescido a uma taxa constante de 6% nos países desenvolvidos, e entre 10 e 15% nos em desenvolvimento. O setor privado "água" gira cerca de US$ 400 bilhões por ano. Mas nem tudo é róseo no setor. Por exemplo, a diretriz de água da União Européia, a entrar em vigor até 2015, forçará todas as empresas que utilizam água, a melhorar sua qualidade, e a tratar mais, e de forma mais eficiente, os efluentes (esgotos). Isso trará enorme componente de custo adicional. Foi exatamente o alto custo de efluentes que inviabilizou a suinocultura na pátria do porco Landrace, a Dinamarca. Água é um recurso natural renovável, mas não infinito.
E é exatamente no setor público que se encontra a solução, e o problema, do abastecimento hídrico mundial nas próximas décadas. O setor privado será, quando muito, suplementar. Por que? Porque através de políticas míopes de preços subsidiados de um lado, e do desperdício típico daquilo que pouco custa, de outro, o retorno financeiro a investimentos em "água" é muito pequeno, como demonstra o gráfico abaixo. E ninguém investe naquilo que apresenta baixa taxa interna de retorno (amortização lenta e baixas taxas de lucro).
Alocando preço vil a um recurso natural cada vez mais escasso é um erro que poucos países poderiam cometer, sob pena de sérias conseqüências futuras. No mundo, apenas Rússia, Canadá, Noruega, Áustria, Irlanda e mais uns 2 ou 3 países podem ostentar genuína despreocupação com a questão - a maior parte deles por ter bons recursos hídricos e população diminuta, caso dos países escandinavos e do Canadá. Nos últimos 100 anos, reservas de água doce têm sido exauridas sem qualquer preocupação com sustentabilidade, ou em relação a conseqüências ambientais. E nenhuma normativa econômica, política de preços, e relação de custo e benefício coerentes tem sido levada adiante, de maneira ampla e organizada.
Além disso, a ineficiência é disseminada. Empresas privadas têm, em média, 2 a 3 funcionários para cada 1.000 conexões de água, número que sobe para 10 a 20, quando a empresa é estatal. E, nestas últimas, a perda por vazamentos e simples "gatos", chegam até à metade da água produzida. Com pequenas exceções, consumidores ao redor do mundo são cobrados valores muito menores que os custos de produção. "Água" é encarada mais como um "direito", do que uma matéria prima que tem custo. A diferença entre custo e valor é tratada como subsídio, ou através do abandono da infra-estrutura. E, como tudo o que é barato "não tem valor", esta atitude estimula a população e os agentes econômicos (principalmente na agricultura), ao desperdício, instalando-se um permanente círculo vicioso.
Água é literalmente vital. Sem ela, nenhum tipo de vida seria possível. Mas, ainda assim, dos 2,75% existentes de água doce (sobre os 70% de água total), menos da metade seria suficiente para todos, se bem utilizada. No ciclo natural da água, a chuva cai das nuvens no solo, renovando a vida, e retorna, através da evaporação, às nuvens, após ter reconstituído os níveis dos rios e das represas. Exceto por uma pequena porção fossilizada, água não é como petróleo ou carvão. Água é indefinidamente renovável.
Existem, porém, dois grandes obstáculos para que água suficiente, e de boa qualidade, chegue às populações. O primeiro é sua má alocação (distribuição). Países como Canadá, Áustria e Noruega têm mais água do que possivelmente possam vir a precisar. Outros como Austrália, norte da China e o Oriente Médio, têm muito pouco. Além disso, em alguns países, como Índia e Bangladesh, as chuvas são abundantes, mas concentradas em pequeno período de tempo. E água é matéria prima pesada, cara demais para ser transportada por grandes distâncias, além do alto índice de perda por evapo-transpiração.
Ainda no âmbito deste primeiro obstáculo: em alguns países com cadeias de montanhas como os Alpes e Andes, o aquecimento global está causando involuntário desperdício de água. O ciclo normal era: durante o inverno formavam-se camadas de neve e gelo, que, na primavera eram parcialmente derretidos renovando os níveis dos rios e lagos. Com o efeito estufa em grau crescente, há duplo efeito perverso: a renovação de neve e gelo nos picos das montanhas é menor, e, quando há o degelo, este vem mais violento, causando inundações, e desperdício de água, que não se recompõe mais nos níveis das décadas anteriores.
O segundo grande obstáculo da boa distribuição de água não é físico, nem geográfico: é o extravagante desperdício do ser humano a este recurso natural. Como acima mencionado, a gênese desta atitude é o fato de se tratar a abundância de água como um direito divino, e não como um bem econômico, sujeito às leis de mercado, e de oferta e procura. Água, deveria ser tratada como o mais precioso bem.
No entanto, e principalmente nos últimos cem anos, tem sido mal administrada, e, acima de tudo, excepcionalmente sub valorizada. Esta atitude não apenas despreza os imensos custos de captação, limpeza, armazenamento e distribuição, como também o custo do tratamento de esgotos e águas servidas. Isso conduz a uma má utilização da água, em especial em agricultura de aspersão (lâmina de água), que consome de 70% a 90% da água utilizada em países agrícolas desenvolvidos, e, de forma crescente, também naqueles em desenvolvimento.
Ao contrário do imaginário popular, consumidores domésticos praticamente não têm culpa quanto à escassez de água, até porque metade da água consumida em cidades é perdida através de vazamentos e má conservação de redes públicas. Mas, ainda assim, me incomoda um pouco ver pessoas tomando banhos de 30 minutos, lavando calçadas, e deixando torneira aberta enquanto escovam os dentes. Mesmo que isso não seja um fator expressivo quanto ao desperdício, denota, sem dúvida, uma perigosa alienação em relação ao problema.
A mensagem mais clara que recentes estudos sobre oferta e consumo de água tem deixado evidente, é que existe grande necessidade de mudança nos hábitos de consumo. E também que água deve passar a ser tratada como bem econômico precioso, e insubstituível.
Neste artigo, dei uma pincelada genérica no tema. No próximo, pretendo dedicar-me especificamente ao Brasil, onde há uma arraigada consciência de que água boa, barata e abundante, é algo que nunca nos faltará. Antes fosse.
Fontes e bibliografia
1. "Água no século XXI - Enfrentando a Escassez" - José Galizia Tundisi
2. Banco Mundial 2004-2005
3. "Cadillac Desert" - Marc Reisner
4. Consultative Group on International Agricultural Research (2006)
5. "Grito das Águas" - Leonardo Morelli.
6. International Water Management Institute Report (2002/2004)
7. Levantamento do IBGE sobre condições ambientais de 5.560 Municípios brasileiros - 2005
8. Pacific Institute - Oakland, Califórnia - Peter Gleick
9. "Poluição - A Morte dos Nossos Rios" - Samuel Murgel Branco
10. "Pillar of Sand" - S. Postel
11. Professor Carlos Gabaglia Penna (Engenharia Ambiental - PUC/RJ)
12. The Economist (03/1998; 07/2003; 08/2006; 09/2006)
13. Unesco / OMS (ONU) 2003-2004-2005
14. "Water Wars" - Marq de Villiers
Milton Minoru Ogsuko Chui
Vilhena - Rondônia - Instituições governamentais
postado em 06/02/2007
Muito bem colocada as palavras do Sr. Carlos Arthur Ortenblad; moro em um município cuja a sua potencialidade de água parece ser infinita, porém esta água localizado no lençol freático não está sendo protegida, ou melhor dizendo, não possui uma estação de tratamento de esgoto no município, o que quer dizer que, cada residencia joga tudo para uma fossa, o que ainda mais me preocupa é o tipo de solo que possuímos que é de constituição areno-argiloso, então a infiltração é rápida, podemos nos tornar, futuramente, uma Dinamarca quanto a sua água contaminada pela criação de suínos......e nós pelos dejetos de humanos.
Como estamos localizado a uma altitude de aproximadamente 700 metros acima do nível do mar, e possuímos várias nascentes de água cristalina que dão origem a vários rios, porém com o desmatamento crescente seja para a plantação e para fornecimento de madeira para as indústrias, acredito que a tendência é ir diminuindo a infiltração de água de chuva para os lençóis freáticos existentes e consequentemente, o que é infinita poderá tornar-se escassa, então...precisamos começar a pensar o que deixar para a nova geração, nossos filhos e netos.
Resposta do autor:
Caro Milton,
É, sua experiência me lembrou algo que me aconteceu há décadas.
Adolescente rebelde e estudante relapso, fui remetido para colégio interno, em ato de puro desespero de meus pais.
Era colégio em local ermo e distante de tudo, e de padres (a imensa maioria estrangeiros). O paraíso, enfim.
No ato da matrícula, perguntavam quantos banhos semanais eu tomava, e se eram quentes ou frios. Freqüência e temperaturas maiores pagavam mais caro.
Ante a surpresa de minha mãe, explicaram que freqüência maior demandava maior dispêndio de água. E água quente, consumia mais energia. Ambos componentes de custo.
Nem me pergunte como era a comida...
Abraço,
Carlos Arthur