O Brasil possui o maior rebanho bovino do mundo, é o maior exportador de carne bovina e o produtor ainda não sabe bem onde se insere na cadeia. Frigoríficos são construídos com dificuldade e "quebram" com grande facilidade, não sem antes consumirem grandes quantias em dinheiro privado ou público. Os preços ao consumidor são, aparentemente, desvinculados da realidade do restante da cadeia. Há uma constante queda-de-braço entre os elos produção, beneficiamento, comercialização e consumo.
Quem convive com pecuaristas está acostumado a vê-los telefonado, como loucos, para um sem número de frigoríficos, perguntando quanto é que estão pagando pelo boi. Se o próprio produtor não sabe o valor do seu produto, como é que ele quer reclamar de preços?
A organização de uma cadeia produtiva pode até ocorrer com o tempo, mas não é isso que temos observado no Brasil. Os componentes da cadeia, de um modo geral, desconhecem as dificuldades um do outro, sempre empurrando para os demais a culpa pelos descaminhos da atividade.
A experiência que temos vivido com a Cooperativa Mineira de Produtores de Cordeiro, a Procordeiro, tem nos ensinado muito sobre a cadeia produtiva. A Procordeiro reúne a produção de seus cooperados, transporta os cordeiros e ovelhas, paga pelo abate em frigorífico de terceiros, recebe de volta todos os produtos, faz e também terceiriza seu beneficiamento e os comercializa. Desta forma, a cooperativa se envolve em toda a cadeia e vivencia os problemas de cada elo.
Embora o frigorífico não pertença à cooperativa, nós nos envolvemos muito intensamente na sua liberação pelo Serviço de Inspeção Federal e também para a licença ambiental (o atual já é o terceiro frigorífico do qual acompanhamos o processo). É um trabalho hercúleo. Dentro dos próprios órgãos de defesa sanitária há uma imensa dificuldade na resolução de problemas: mesmo com boa vontade dos funcionários há desconhecimento, burocracia exagerada e legislação deficiente ou de difícil interpretação.
No comércio, aprendemos que produtos nobres muitas vezes têm que cobrir prejuízos dos produtos "não nobres". O custo de frigorificação e a perda de qualidade inviabilizam o estoque por longo tempo. Por outro lado, carne "não nobre" estocada diminui a capacidade de giro de produtos. Com tudo isso, faltam determinados produtos para venda e sobram outros tantos.
Uma saída é processar as carnes menos vendáveis, transformando-a em produtos de fácil comércio, mas isto também gera custos e novos caminhos a serem percorridos: contrato com uma indústria, capacidade de fornecimento para a mesma dentro das normas e prazos estabelecidos, abertura de novos mercados. Para isto, é preciso contar com o produto, e obviamente com o produtor.
A Procordeiro está lançando o quibe de cordeiro com a marca da indústria que processa a carne em parceria com ela, mas já se prevê dificuldades na regularidade caso não haja aumento na produção ou a entrada de novos cooperados. A carne que segue para processamento tem que custar muito mais barato que a carne nobre de venda in natura, isto quer dizer que não se pode aumentar ou regular o fornecimento para a indústria com este tipo de produto.
O que se pode concluir disso é que os custos de cada elo da corrente envolvem também os riscos que cada um é obrigado a correr. Como o produtor é o elo com menor capacidade de se proteger do risco, ele normalmente se sente vítima. Muitos encontram uma saída na informalidade, mas passam a ser "criadores de galinha", ou seja, têm uns carneirinhos para matar para os amigos e vizinhos e assim não contribuem para a perpetuação da atividade.
Organizados, os produtores tornam-se um elo forte, e, ao se envolverem na cadeia e participar dos processos decisórios, podem também entender e interferir na política de preços de seu próprio produto.
Não há vilões nem mocinhos: o produtor é descapitalizado e tem pouco apoio oficial, mas é individualista e imediatista. Os frigoríficos e a indústria impõem suas políticas com mão de ferro, mas passam por processos exaustivos na sua aprovação, têm altos custos de construção, manutenção e funcionamento, alta dependência de mão de obra qualificada e uma administração muito complicada.
O comércio, que é quem tem o contato direto com o consumidor sofre as pressões desse contato e fica à mercê dos fornecedores. Até o atravessador, essa figura tão mal falada, é um agente facilitador quando as peças da engrenagem não se encaixam direito. Ele apenas cobra o valor de seu trabalho e dos riscos aos quais se expõe.
Com nossa pequena experiência de quatro anos de cooperativa aprendemos que:
Organizar a cadeia produtiva exige envolvimento direto, conhecimento das questões específicas e vontade dos envolvidos em fazer a atividade evoluir como um todo. O equilíbrio de forças pode não ser a alternativa imediatamente mais rentável para alguns, mas é sem dúvida a que dá sustentabilidade à atividade.
Nei Antonio Kukla
União da Vitória - Paraná - Consultoria/extensão rural
postado em 22/03/2007
O aprendizado com a cooperativa, resumido em 4 itens é a síntese do que deve ocorrer com a cadeia produtiva ovina. Falo da ovinocultura porque é o assunto vertente, mas nem a cadeia do leite, nem da bovinocultura de corte e nem da suinocultura encontram-se organizadas.
Apesar do grande esforço da extensão rural, encontra-se muito individualismo e imediatismo entre os produtores, dificultando o processo de organização. Trata-se de um sistema de médio e longo prazos, onde nem técnico e nem criador podem querer resultados para amanhã, pois isso desestimula os envolvidos e o barco acaba afundando.
A união das forças, o conhecimento do caminho que se quer chegar são premissas para organizar uma cadeia produtiva, seja ela ovina, leite, carne.
Nei Antonio Kukla
Porto União - SC