Muito bem: o nosso assunto é a carne ovina. Sendo assim, vamos defini-la primeiro: "Carne ovina é um produto obtido a partir de carcaças ovinas". Alguém discorda? Agora, na sequência, vamos especificá-la definindo o que é uma carcaça ovina: "Entenda-se, biologicamente, por carcaça ovina (conforme Marcílio Fontes Cezar e Wandrick Hauss de Souza) o corpo de um ovino abatido, sangrado, esfolado, eviscerado, decapitado e amputado das patas, da cauda, do pênis e testículos nos machos e da glândula mamária nas fêmeas."
Bem, parece que o nosso produto, carne ovina, continua indefinido, pois, pelas definições, tanto uma ovelha gorda como uma ovelha magra são ovinos; tanto um macho reprodutor de 5 anos como um macho capão, também de 5 anos, são ovinos; tanto um cordeiro Santa Inês como um cordeiro Texel são ovinos. Logo, pode-se concluir que qualquer categoria ovina produz o produto em questão. E agora?
Podemos considerar que a carne de carcaças ovinas, simplesmente e de forma genérica, tem o mesmo perfil quanto às características organolépticas que interessam ao consumidor? Parece existir uma forte evidência de que carne ovina NÃO tem uma especificação definida.
Agora, então, não resta outra alternativa senão voltarmos à pergunta inicial e responder que:
"Considerar que existe uma demanda reprimida de carne ovina é uma utopia, pois, se o produto não tem uma caracterização específica, o consumidor jamais vai aceita-la."
Verdadeiramente, a demanda que existe é por "carne produzida por ovinos". Mas, afinal, isso não é demanda por carne ovina? Parece que sim. Porém, o consumidor quer um produto que atenda as suas expectativas quanto à confiabilidade na segurança alimentar, quanto à constância do sabor e cheiro agradável, da maciez e da caracterização estética quanto à cor, forma e tamanho dos cortes. Portanto, fica evidente que essa demanda (por carne ovina) jamais será atendida pelo modelo operacional atual da ovinocultura nacional. Portanto, existe uma demanda reprimida. E isso, incontestavelmente, é uma realidade.
Mas que palhaçada de artigo é esta? Não é palhaçada. Essa que é a realidade maior. O mercado consumidor demanda um produto que ele próprio, o consumidor, denomina de: "Carne de Carneiro"-"Carne Ovina"-"Carne de Cordeiro"-"Carne de Ovelha"-"Carne de Borrego", e outros nomes. Só que, para o consumidor decidir sair para comprar, ele precisa ter a tranquilidade de saber que o produto desejado existe rotineiramente em pontos de venda conhecidos e que, certamente, vai agradar aos seus olhos e ao seu paladar. Mas, ainda, pode estar parecendo que este artigo é meio idiota. Então vamos aos esclarecimentos:
1 - Existe, sim, uma demanda reprimida por carne ovina;
2 - O consumidor quer comprar carne ovina na forma de um produto definido por padrões conhecidos de qualidade e confiabilidade, além da previsibilidade quanto à quantidade e regularidade de fornecimento. Como este cenário, genericamente, ainda não existe, a demanda pode ser considerada, genericamente, como reprimida;
3 - O cenário não existe porque o produtor teima em querer que o consumidor esteja disposto a comprar exatamente aquele produto que ele, produtor, oferece de forma ocasional e oportunistamente ao mercado no momento determinado, também, por ele. Em outras palavras, a ovinocultura nacional sofre com a falta de profissionalismo do produtor. Ou, ainda, pode-se considerar que a acomodação generalizada (com numerosas exceções) no empirismo se deve à falta de conhecimento e à vaidade dos produtores, além das atitudes negligentes e/ou oportunistas de certos técnicos, certas empresas e certas instituições públicas e privadas;
4 - O produtor não consegue desenvolver comportamentos profissionais por falta de esclarecimentos pontuais. Ou seja, grande parte das instituições públicas e privadas, além de muitos auto-intitulados técnicos e especialistas do setor, que se propõe a fomentar a produção de carne ovina querem que o consumidor esteja disposto a consumir carne "caprinovina", que não existe e nunca vai existir. Estabeleceu-se o modismo, hora por conveniências econômicas e hora por conveniências políticas, de chamar a atividade de ovinocaprinocultura ou caprinovinocutura. Bem, dentro de uma honestidade técnica-científica, é preciso que se diga claramente que ovinocultura e caprinocultura são processos produtivos diferentes que originam produtos extremamente diferentes;
5 - Na ovinocultura nacional para a produção de carne, assim como já é tradição na maior parte do mundo desenvolvido, é necessário que se defina uma categoria específica dentro do ciclo de desenvolvimento dos ovinos para dar origem a carcaças aptas ao fornecimento de carnes com perfil padronizado;
6 - Em qualquer espécie animal explorada para a produção de carne, são as categorias mais jovens que possibilitam predefinir as carcaças quanto à padronização das características de interesse comercial. Recorrendo ao velho exemplo da avicultura, carne de galinha nunca seria produto de exportação para o Brasil, porque é negativa a relação de custo/benefício da produção de carcaças de galinha padronizadas. Portanto, só existe uma conclusão obvia, racional, técnica e profissional: A ovinocultura de corte precisa focar a atividade na produção específica de carne de cordeiro, produto originado por carcaças de ovinos abatidos com idades entre 90 e 180 dias, aproveitando uma condição de conversão alimentar mais eficiente e a ausência da ação de hormônios que deterioram as características organolépticas da carne;
7 - Como última manifestação de sensatez, deve-se enfatizar que existem empresas usando a designação carne de cordeiro como apelo comercial para, apenas, atrair consumidores, mas não perenizam um mercado para os seus produtos porque as carcaças que utilizam não tem um padrão de qualidade e nem uma regularidade definidos. Além disso, e o que é pior, esta situação vem maculando o conceito do produto nobre da ovinocultura perante os clientes dos grandes centros de consumo. Por desinformação ou por opções oportunistas, não consideram que as características organolépticas da carne de carcaças de cordeiros de grupos genéticos diferentes também serão diferentes.
O mesmo acontece quando, mesmo que os grupos genéticos sejam semelhantes, os cordeiros tenham sido produzidos por rebanhos com condições de manejo nutricional, sanitário e/ou reprodutivo diferentes. Sendo assim, não basta, para satisfazer a expectativa do mercado consumidor, que sejam abatidos lotes de cordeiros que atendam pré-requisitos voltados, apenas, à idade, peso e acabamento de gordura.
Combinações genéticas e manejos diferentes geram carcaças variantes quanto aos rendimentos, tamanhos, ossaturas, musculosidade, aparência dos cortes, cobertura de gordura, cor, maciez e sabor. Portanto, para que hajam consumidores regulares de carne ovina é necessário, antes de tudo, que hajam ovinocultores profissionais (não oportunistas) organizados dentro de um programa específico para produzir carcaças de cordeiro com características, também, específicas. Isso, certamente, não é fácil, mas, também, não é impossível, pois a atividade ovinocultura (não ovinocaprinocultura), devido a sua simplicidade, permite a implantação de modelos produtivos sistematizados e, ao mesmo tempo, adequados às condições edafoclimáticas do local onde forem implantados.
Quando os ovinocultores brasileiros produtores de carne existirem de forma profissional e em número suficiente para, através do somatório dos seus rebanhos, produzir carne de cordeiro com a quantidade, a qualidade e a regularidade que satisfaçam as expectativas do consumidor, certamente a demanda interna por carne ovina não mais será considerada reprimida.
E assim fica evidenciado o grande mérito deste artigo que, diante das argumentações apresentadas, mostra com clareza que é o produtor, e não frigoríficos ou distribuidores, o único responsável direto pelo sucesso ou fracasso da produção brasileira de carne ovina. Claro que existem responsáveis indiretos como a pesquisa, as instituições de ensino técnico e fomento, a assistência técnica especializada, as indústrias de transformação e processamento, os distribuidores, além de todos os órgãos governamentais que tenham afinidade com o setor produtivo de carnes. Ou seja, dizendo a mesma coisa com outras poucas palavras:
"A formação de uma cadeia produtiva para carne ovina depende única e exclusivamente da profissionalização do produtor de carne ovina."
Paulo Ricardo Massarelli Targa
São Manuel - São Paulo - Produção de ovinos
postado em 08/04/2010
Caro Giorgi Kuyumtzief. Gostaria de parabeniza-lo pelo artigo: além de extremamente técnico, é muito corajoso, pois relata o que todos sabem mas poucas pessoas têm a corajem de comentar, que é o fato da ovinocultura estar totalmente nas mãos dos produtores, e que na grande maioria das vEzes são pessoas leigas e não têm a grandeza de espírito de aceitar o que os técnicos na área preconizam.
Enquanto esse elo da corrente produtiva de carne de cordeiros não se reforçar, a corrente inteira estará comprometida.