Informalidade (clandestinidade é o termo exato embora politicamente incorreto)
Combater a informalidade/clandestinidade é sinônimo de acabar com a, arrisco dizer, "única cadeia produtiva" completamente estabelecida na ovinocultura, o clandestino é (seja ele atravessador, açougueiro ou barraqueiro de lã e couros), e sempre foi, o canal de escoamento para todos os produtos ovinos. Ele não faz exigências (do tipo carga fechada, peso ou idade) tem preços coerentes a qualquer tempo e carrega tudo que o produtor tiver para vender, normalmente, pagando à vista e em dinheiro.
Ao atravessador não interessa espremer a "galinha dos ovos de ouro" até a morte, a ele, por uma questão de sobrevivência empresarial, interessa a fidelização e só é fiel o cliente vivo, para os outros agentes não faz diferença, uma galinha morre outra vem. Se atravessador não fosse bom, os frigoríficos já teriam acabado com a figura do "comprador", que nada mais é do que um atravessador, que "advoga" os interesses da indústria diante do poderio do produtor individual, numa ilusória relação interpessoal. Como disse nosso colega Marcelo da Green Lamb, sobre carne importada e informalidade - temos que dar graças pela manutenção do nosso mercado e pela popularidade da iguaria que produzimos, ao atravessador e ao Uruguai.
Combate a informalidade é problema de governo, que sempre quer aumentar a arrecadação, e conversa de frigorífico para acabar com a concorrência pela matéria-prima. Àqueles que se preocupam com saúde pública e padronização do produto, digo que regulamentação não falta e fiscalização não é problema de produtor, "que cada um 'faça o seu".
Escala de produção (quantidade e qualidade)
Como ainda há gente que insiste na comparação, sempre me repito quanto à isto, cordeiro não é frango e nunca será. Uma galinha, matriz de frango de corte, deixa mais de 100 pintinhos (viáveis) em pouco mais de um ano de vida; 6 vezes por ano (ou mais, uma vez que vazio sanitário deixou de existir), em um ambiente controlado, alojam-se 14000 frangos em 1200 m2; um frango comeu apenas duas vezes seu peso vivo ao atingir a idade de abate (que já tem dia e hora marcados antes do ovo ser incubado); e por aí vai, índices biologicamente impossíveis para um mamífero.
Assim sendo, o preço da carne ovina nunca poderá ser próximo ao da carne de frango, sem esquecer que, em alguns casos, o produtor nem recebe pelo lote de frangos e só não quebra por não ter comprometido seu orçamento na aquisição de insumos. A quantidade e regularidade da produção de cordeiros de qualidade não é difícil de atingir, basta que a indústria estabeleça o produto desejado e remunere adequadamente o produtor. Porém, ao contrário, a contrapartida da disponibilidade de produtos será a redução de preços ao produtor, diante da oferta contínua e da procura estável (é norma de mercado conhecida de todos).
Os produtores do Sul, sabem que os cordeiros do tarde sofrem mais com os problemas sanitários (o "spring rise" das verminoses) do que os do cedo, e que aqueles do cedo chegarão à safra com muito mais peso e menor custo, é só providenciar potreiros com bom pasto para as ovelhas em lactação, e potreiros de parição abrigados do vento e chuva (sob pena de perder toda vantagem competitiva diante da mortalidade perinatal elevada). Quem tem ovelha da raça Ideal sabe - Isto sim é sistema de produção de cordeiros! - cordeiro do tarde acaba ficando para o ano seguinte e virando borregão, com todo custo de manutenção por mais de um ano e perigando perder a condição de 'dente de leite' até a venda.
Vejam o caso do Chile - em reportagem recente do FarmPoint - os cordeiros valem bem até setembro, quando ninguém tem, depois de outubro, todo mundo tem cordeiro e os preços baixam - fato que não ocorreu em 2010 em consequência da crise climática Australiana, Neozelandesa e Argentina (ver matéria sobre o milhão de cordeiros mortos na Província de Chubut neste ano). Observem outras questões importantes na tal reportagem, o descompasso da cadeia produtiva e a preocupação com a informalidade, lá como cá..., e a tentativa de abertura de mercado na Comunidade Europeia, uma vez que o Chile já é forte parceiro comercial do NAFTA. Lembrem que as terras agrícolas estão supervalorizadas novamente nos USA, e ovelha não ocupa 'terra boa', uma vez que não pode competir com a lavoura em termos de rentabilidade. Repassam estas atividades de segunda classe para os pobres, pois ainda resta equilibrar a balança comercial com o México, grande cliente dos USA em carne de segunda (paleta e costela), de vísceras e de cabeças. Sobre exportação de cordeiros para a CE, ver depoimento do Ex-Ministro Roberto Rodrigues tratando de acordos comerciais (vale lembrar que a clientela com 'dinheiro e hábito de consumo' vive lá). Que ninguém pense que frango entra na Zona do Euro de qualquer jeito, há uma série de exigências para cumprir inclusive relacionadas a quotas de importação/exportação, o resto é que fica no Brasil (ou o refugo volta) e concorre pelo mercado interno.
De qualquer forma, compensados os custos de criação, para terminar com a sazonalidade não há mistério nem tanta ciência, a compra antecipada pode estimular o ovinocultor a promover a terminação em prazo estabelecido, é só uma questão de "contratar no papel" idade, peso, preço, prazo de entrega e pagamento. Não é assim que a indústria negocia com o comércio? Sem essas coisas de rendimento e acabamento de carcaça, condenações parciais ou totais, tudo que se pratica com os bovinos e só se presta à oportunizar a enganação. Assim, com as regras e condições bem claras, fica bom e bonito para os dois lados, que é a melhor, e deveria ser a única, forma de fazer negócios.
Papel do Governo
Também já esgotei a paciência alheia com este tema, esqueçam dos subsídios e incentivos, renúncia fiscal só acontece quando é conveniente. Os automóveis, os eletrodomésticos e afins (de alto valor agregado), só receberam a redução de IPI para acabar com a "poupança", dinheiro guardado (que não existe) não aquece a economia e gera desemprego, fugimos da crise mundial graças ao dinheiro do povo que se endividou (por que a poupança não era tão grande e ao sacar contra o banco para "dar a entrada" o cidadão deixou de ser credor e passou a devedor) mas comprou um carro novo, uma geladeira duplex, uma tela plana.
Em agropecuária se produzem coisas que custam barato e geram poucos empregos diretos, todavia o ICMS está embutido em todas as mercadorias (inclusive as que não circulam, como eletricidade e telefonia) e é, como todos sabem, o imposto mais injusto socialmente, uma vez que o Presidente da República, paga exatamente o mesmo valor de ICMS por quilograma de feijoada presidencial, que paga, pelo feijãozinho aguado de cada dia, o mais humilde trabalhador rural desempregado por conta da sua baixa qualificação profissional, da mecanização agrícola e das leis trabalhistas aquelas, que já comentamos em outro artigo.
Muito cuidado com as facilidades de crédito que virão à oferecer, esta festa não vai durar para sempre, o negócio do banqueiro é emprestar dinheiro, não é cobrar a dívida, o banco só precisa depositar no BC o correspondente a 60% do seu capital, os outros 40% não existem, nunca foram emitidos. É parte do jogo financeiro, é legal do ponto de vista jurídico. Se todos corrêssemos aos bancos e sacássemos nosso dinheirinho, quebraríamos o sistema financeiro e os últimos não receberiam, em contraponto, se todos os bancos executassem seus créditos à vista, quebrariam o sistema financeiro e os banqueiros poderiam ir viver em Paris, felizes, pelo resto dos seus dias. Não podemos esquecer que a ovinocultura se caracteriza pela instabilidade e não pela rentabilidade elevada. Quem quiser assumir compromissos financeiros, o faça para dois anos que é o prazo necessário para a Oceania e a Argentina voltarem agressivamente ao mercado, salvo novos golpes da falta de sorte. Os impactos da quebradeira se fizeram sentir por aqui, os da recuperação podem ser desastrosos se não nos prevenirmos. Aprecie com moderação.
Como recomendou nosso colega Fontoura, de Dom Pedrito, além de reter, vamos absorver matrizes de outros criadores que estejam desistindo (o que deve andar difícil agora), mas tenhamos consciência dos nossos limites, crescer exageradamente pode resultar antieconômico se a demanda não aumentar proporcionalmente. Há a possibilidade de que os competidores demorem um pouco mais em seu processo de recuperação, haja vista que para capitalizar seus empreendimentos, podem ter necessidade de desfrutar futuras matrizes ou descartar as sobreviventes, mantenhamos nossa atenção focada para os abates da concorrência nos próximos anos.
Minha opinião é que o grande papel do governo, neste prazo que a fortuna nos propiciou, aproveitando a brecha, é a celebração de vários e pequenos acordos comerciais (que possamos cumprir mesmo que às custas do mercado interno - se faz assim com a carne bovina), principalmente com os países árabes em que as exigências de qualidade são menores. Com a palavra o Itamaraty, o MAPA e os grandes industriais.
O Desafio
O grande desafio da ovinocultura é, romper paradigmas, como disseram os colegas Andrea Swiatovy e Giorgi Kuyumtzief em seus comentários, o principal deles é harmonizar os elos da cadeia produtiva (ainda o amigo Giorgi). Se uma corrente tem a força do mais fraco dos seus elos, para benefício comum, é hora dos elos mais fortes desta corrente dividirem um pouquinho de sua força. Antes que, na base, nada reste para a corrente transportar.
Saudações ovelheiras!
Cesar Augusto Bittencourt de Medeiros
Santa Maria - Rio Grande do Sul - Produção de ovinos de corte
postado em 08/01/2011
Ainda bem que temos em meio este tiroteio todo uma mente sensata capaz de escrever aquilo que realmente atormenta os ovinocultores. Parabéns Ivan, precisamos estar alerta para o que esta escrito nas entrelinhas destas conversas todas. Sempre demostramos que da porteira para dentro estamos apto a dar respostas imediatas e positivas.