Recentemente uma reportagem mostrou um "programa de melhoramento genético" promovido por uma fazenda, onde os proprietários introduziram a raça Dorper. A alegação para esta introdução é a de sempre, como o Dorper vem da África, está adaptado às condições do Nordeste brasileiro. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Parece que ninguém assistiu à copa do mundo de futebol deste ano de 2010. Se alguém assistiu, deve se lembrar dos torcedores e dos jogadores reservas usando cobertores para se aquecer durante os jogos. Depois ninguém consegue explicar o porquê dos insucessos de muitos reprodutores Dorper em regiões quentes. Muitos deles, assim como reprodutores bovinos da raça Holandesa e de outras raças originárias de climas frios irão apresentar degeneração testicular, uma vez que as temperaturas altas se mantêm ao longo do ano nos países tropicais. Alguns não apresentarão problemas desse tipo e assim poderão se estabelecer, mas é necessário selecioná-los objetivamente.
O maior problema, no entanto, é de outra ordem. Estamos sempre procurando soluções prontas e nunca nos prontificamos a produzir nossas próprias soluções. Porque ninguém gosta de recorrer aos cientistas quando se trata de selecionar rebanhos? O cientista que trabalha com melhoramento genético é chamado de "melhorista" e estuda de três a nove anos, depois da graduação, só para começar a compreender a dinâmica do melhoramento genético animal. Criadores experientes e mesmo técnicos bem treinados estão habilitados a selecionar os animais quando se trata de padrão racial. Para além disso o risco é grande.
Voltando à tal reportagem, pequenos pecuaristas vizinhos da fazenda dos Dorpers, passaram a utilizar reprodutores dessa raça e sob a supervisão de técnicos passaram a alimentar melhor seus rebanhos de animais cruzados. Agora, segundo eles, o resultado estava aparecendo. Ninguém ainda ganhou dinheiro, apesar de alguns terem até feito empréstimo no banco para adquirir reprodutores, mas agora acreditam que estão melhorando seus rebanhos e terão bons animais para vender para o abate. Tudo bem, vale a intenção, mas será que vale a pena? Esse "vale a pena" é uma forma de dizer, será que houve aumento do lucro? O valor que se gasta a mais com a alimentação dos animais é traduzido em aumento compensador na receita com sua venda? Alguém fez esse cálculo?
As ovelhas "pé duro"que desaparecerão serão substituídas por fêmeas meio sangue e posteriormente essas por ovelhas três quartos e assim por diante até que os rebanhos sejam Dorper. É bem provável que a partir dos sete oitavos os pequenos pecuaristas comecem a se arrepender da troca. Isto é clássico quando se utilizam os cruzamentos de maneira indiscriminada. Os criadores creditam para a raça absorvente todos os benefícios observados no meio sangue. O fato é que o meio sangue é que mostra os maiores efeitos benéficos do cruzamento, isto é, é o que apresenta maior "vigor híbrido", daí em diante estamos voltando para uma das raças e suas vantagens, mas também seus defeitos, voltam a ficar evidentes.
Outra coisa que me chamou atenção na reportagem foi a forma como era feita a seleção dos animais na fazenda. Os borregos e borregas eram observados por avaliadores que atribuíam uma nota de acordo com o "conjunto do animal", ou seja, sua harmonia física. O velho papo aplaudido por criadores, técnicos de registro, veterinários e zootecnistas: bom arqueamento de costelas, aprumos corretos, boa inserção de pescoço e cabeça leve, porém forte. Orelhas bem implantadas e olhos demonstrando vivacidade. Ora façam-me o favor! Aí, aprendem o jargão dos melhoristas e começam a falar de coisas das quais não entendem, como herdabilidade, repetibilidade, acurácia, DEPs. Ninguém faz o cálculo de ganho de peso, ou tem o acompanhamento do rendimento de carcaça dos animais no frigorífico? Quantos animais nasceram, quantos sobreviveram?
O que me anima, apesar de tudo, é pensar que essas pessoas, técnicos, criadores, produtores e jornalistas, fazem tudo isso por boa vontade, por isso continuamos firmes. Pena é que não procuramos fazer as coisas com embasamento técnico, trabalhando no sentido de atingir com rapidez e segurança nossos objetivos, por isso continuamos no caminho errado.
Érique Costa
Porto Velho - Rondônia - Produção de ovinos
postado em 20/09/2010
Prezado Octávio,
eu também assisti a reportagem no site (Inclusive, o título era algo como "melhoramento de CABRAS" rrss).
Mas achei muito pertinente sua reportagem, parabéns.
Também dou meus parabéns aos produtores, que apesar de como explicitado por você, faltaram na técnica, estão tentando!! Talvez o que realmente falta são mais técnicos (profissionais).
Mas eles não estão utilizando reprodutores puros, são apenas 1/2 sangue. Talvez seja uma "mistureba" ainda adaptada à região... espero...rrrss !
Abraço