Vamos tentar fazer uma análise o mais técnica possível desta tecnologia, procurando nos isentar das paixões que normalmente envolvem o tema, e ao final que os leitores decidam se é uma solução a ser usada ou uma "boa intenção" que acaba por enganar aos animais e aos produtores que se valem desta tecnologia.
Vale lembrar que tal tecnologia encontra amparo inclusive junto a órgãos de acreditação pública como a FAO (sigla da Food and Agriculture Organization of the United Nations, ou Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e instituições de pesquisa e ensino no Brasil e mundo à fora.
Eu mesmo comprei o chamado "kit hidroponia" para FVH, no caso milho, para testá-lo (há anos atrás), e parte dos resultados aqui apresentados são oriundos desta literal experiência.
A técnica pressupõe o cultivo "sem solo" de cereais em bandejas, canteiros lonados ou algo que o valha e com soluções nutritivas para regar, com finalidade de produção intensiva de forragem para ser fornecida aos animais. No caso foi utilizado o milho (Zea maiz), mas poderia ser aveia, cevada, trigo, milheto, etc.
Todos os dados informados serão baseados em MS (matéria seca), ou seja, ao eliminar-se a água, é o que sobra (carboidratos, minerais, proteína bruta e extrato etéreo).
Um site conhecido que faz apologia ao uso da FVH baseado em substrato de bagacilho/palha de cana, reporta rendimento de 25 kg/m2/massa verde com 20% de MS com 20 dias de cultivo, a partir de uma semeadura de 1 ou 2 kg de sementes de milho sobre 5 kg/palha de cana/MS/m2. O site informa uma PB média de 14,5% e apenas diz ter boa digestibilidade, mas não informa a DIVMS ou o NDT.
Vamos nos basear nestes dados para fazermos uma análise:
Atentem que a recomendação é de 5kg de MS de palhada de cana por m2, e não simplesmente 5kg de palhada de cana. Há diferença nisto? Claro que há; vejamos no exemplo: 1kg de sementes de milho tem apenas 88% de MS, ou seja, 1kg de MS de sementes de milho correspondem na verdade a 1,136kg de sementes in natura (um quilo e cento e trinta e seis gramas). Portanto, a não ser que esta palha de cana esteja 100% desidratada, o que é pouco provável, deveria ser colocado por m2 mais de 5kg de palha de cana in natura. E a esta palha de cana ainda será adicionado 1 ou 2 quilos de sementes de milho.
Então estaríamos partindo de uma "base" de no mínimo 6kg de MS (5kg da palha mais 1kg de semente). Ora, se o rendimento é de 25kg de massa total de forragem verde (contado o substrato de palha junto) com 20% de MS (em realidade não chega a isto!), teríamos apenas como resultado final 5kg/MS, então houve uma perda no processo de 1kg/MS.
Agora a coisa começa a ficar ainda mais séria, pois 1kg/MS representa uma perda de cerca de 15%. Eu pergunto aos leitores, os senhores acham que o processo de germinação de uma semente é apenas uma maravilha da natureza ou é na verdade um processo bioquímico de reprodução e transformação celular? E como todo processo bioquímico ele demanda energia para se efetuar e de onde os senhores acham que vem esta energia para dar a "arrancada inicial" no processo germinativo? Exatamente daquilo que a semente de milho tem de mais nobre que é seu NDT (nutrientes digestíveis totais) e basicamente de seus carboidratos não estruturais, que são energia prontamente disponível para o processo germinativo como também são energia prontamente disponível tanto para o organismo animal como para os microorganismos ruminais.
Vejam que 1kg de MS de sementes de milho tem aproximadamente 85% de NDT. Já 1kg de MS de FVH oriunda de puras sementes de milho, sem nenhum sustrato (palha de cana, capim, casca de café, etc) tem menos de 50% de NDT!
Alguém poderia tentar argumentar afirmando que o grão de milho tem apenas cerca de 9% de PB na MS enquanto a FVH teria cerca de 14,5%. Ora isso é muito simples, e se deve apenas e tão somente a adição de solução nutritiva nitrogenada ao "cultivo", que faz a mesma coisa que a uréia mais sulfato de amônia faz quando adicionado à cana para ser fornecida aos animais, aumentando o teor de NNP (nitrogênio não protéico) que "aumenta" a PB.
Outra questão que poderia ser levantada seria o fato de se aproveitar na alimentação animal um material como bagacilho ou palhada de cana, capim, casca de arroz/café, etc que de outra forma teria como destinação o lixo ou a fornalha ( produzindo o injustamente temido CO2 ).
Ora, é muito mais econômico do ponto de vista financeiro, nutricional e de trabalho despendido, o processo de amonização destes resíduos de forma a aumentar sua digestibilidade e seus níveis de PB para a alimentação animal.
Pelo visto, é muito mais racional fornecer 1kg de grãos de milho diretamente ao animal do que cultiva-lo na forma de FVH para fornecimento a este mesmo animal. E deve-se atentar para o fato que o milho tipo grão é mais barato no caso de ter que ser adquirido no mercado que o milho tipo semente.
E como argumento final, proponho que os senhores ainda descrentes de tudo que foi escrito acima executem até em suas residências mesmo uma pequena experiência de cultivo de FVH, mas sem utilizar o substrato de material orgânico (palha de cana, cascas, etc). Na verdade não há necessidade de se utilizar substratos, já que os mesmos apenas "aumentam" a MS final obtida. As sementes podem ser colocadas diretamente em uma bandeja para o cultivo teste ou se acharem que fará diferença, usem areia mais grossa como substrato, já que é fácil "lavar" a mesma da forragem obtida ao fim do processo para se aferir a MS real obtida.
Para obtenção desta MS nem é necessário usar por exemplo o método do microondas. Basta por o material já "lavado da areia" para secar a pleno sol até virar um 'feno". Como um feno de qualidade tem mais ou menos a mesma umidade de uma semente de milho que é cerca de 12%, basta ver o peso inicial das sementes usadas e o peso final da FVH "fenada" obtida. Simples assim!
Para que os senhores não sejam explorados pagando valores absurdos por "kits" de soluções nutritivas, vai abaixo a receita da solução usada para o cultivo do milho hidropônico:
Solução concentrada A (gramas/10L)
Fosfato monoamônio - 350
Sulfato de magnésio - 500
Nitrato de potássio - 1100
Solução concentrada B (gramas/10L)
Nitrato de cálcio - 2080
Sulfato de cobre - 0,5
Sulfato de manganês - 2,5
Sulfato de zinco - 1
Ácido bórico - 6
Molibdato de amônio ou de sódio - 0,5
Quelato de ferro* (Dissolvine-13%Fe 25g ou Ferrilene-6%Fe 50g ou TensoFe-6%Fe 50g)
*Utilizar apenas uma das 3 opções
Procedimento para a preparação das soluções concentradas A e B
1.Pesar, separadamente cada componente de cada solução concentrada
2.Num balde com capacidade de 15-20 L de plástico, acrescentar 6 litros de água
3.Colocar os sais já pesados seguindo-se a ordem listada para cada solução
4.Após a dissolução completa do primeiro sal, acrescentar o segundo e assim sucessivamente até a dissolução de todos os sais
5.Completar o volume com água até obter 10 litros e homogeneizar
6.Efetuar estes procedimentos separadamente para as soluções A e B
7.Transferir cada solução A e B obtidas para recipientes de plástico separados, etiquetar e guardar em lugar arejado e protegido da luz.
Preparo da solução nutritiva de uso para regar o cultivo de FVH:
Exemplo - para 50 litros de solução nutritiva:
1.Medir a quantidade de água necessária
2.Adicionar 250mL de solução concentrada A e homogeneizar
3.Adicionar 250mL de solução concentrada B e homogeneizar
Talvez os senhores tenham alguma dificuldade apenas em conseguir o molibdato; como dica, procurem em regiões produtoras de feijão, já que faz parte das boas técnicas de produção utilizá-lo na adubação.
Claudio do Carmo Lopes
Londrina - Paraná - Empresário
postado em 05/11/2008
Caro Helio jr
Muito bom seu artigo, alias foi bom ver alguma coisa de Governador Valadares, esta é minha cidade natal, e como estou a muitos anos fora daí, foi bom matar as saudades. Atualmente sou pecuarista em S. Paulo, Paraná e MS.
Mas eu quero parabeniza-lo, pela qualidade do artigo, voce mostrou numeros e valores convincentes.
Eu sou muito adepto de novas tecnologias, desprovidas de paixões e soluções milgrosas. Esta tecnológia, como qualquer outra, poderá ser muito eficiente quando aplicada dentro de um programa de decisões e práticas compatíveis com os processos a serem desenvolvido, e que formem um conjunto de soluções lucrativas.
Isoladamente, esta, como qualquer outra tecnologia, não trara soluções, mas sim, muito custo a ser adicionado ao já pesado custo agrícola.