Apresentei também dados que, largamente aceitos no meio científico, corroboram a noção que nosso planeta está se aquecendo, e de forma exponencial, devido inclusive às sinergias entre as causas do próprio aquecimento. Embora mudanças radicais de clima em nosso pequeno planeta tenham ocorrido desde sua gênese, esta é a primeira vez que uma mudança radical de clima está ocorrendo pela intervenção humana.
O "efeito estufa", que causa o aquecimento global, é fruto de emissão de gases como o CO2 (dióxido de carbono), e mais outros trinta gases, originados, em sua grande maioria de queima de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão.
Hoje quero apresentar alguns conceitos, que, embora muito comentados, nem sempre são bem compreendidos.
- Se geleiras derreterem, os mares e oceanos subirão de nível?
Não e sim. A maior parte do gelo no Pólo Norte é composta de água do mar. Seu eventual degelo não causaria grande efeito no nível dos oceanos.
Porém, o gelo na Groenlândia e na Antártica está sobre solo. No muito improvável evento que todo o gelo (3 km de espessura) da Groenlândia se derretesse, aí sim, haveria um efeito devastador, e os oceanos em média, teriam seus níveis elevados em sete metros.
O mesmo ocorrendo com a Antártica Ocidental (4,2 km de espessura de gelo), acrescente-se mais seis metros ao nível dos mares. Mas a verdadeira catástrofe seria o derretimento da capa de gelo da Antártica Oriental: os mares subiriam cerca de setenta metros.
Uma outra possibilidade aterradora, e aí está um bom exemplo das "sinergias" a que me referi no início deste artigo, atende por um simpático nome: "tundra". Se o degelo na Antártica e na Groenlândia se acentuar, haverá liberação de metano em grandes quantidades para a atmosfera, elevando consideravelmente o aquecimento do planeta.
Embora não impossível a longuíssimo prazo, hoje nada confirma que tal possa vir a ocorrer. Além do mais, os mares não são como uma banheira, onde ao entrar água, o nível sobe por igual. E mares onde a água esfria, baixam de nível, o contrário acontecendo com mares que se aquecem.
No último século os mares tinham seus níveis elevados em cerca de 3 mm por ano. A partir de 1980, este acréscimo passou para 4 mm por ano. Fato é que, se os oceanos subissem apenas um metro, várias ilhas do Pacífico ficariam submersas, assim como vastas áreas de alguns países (exemplo: 17% de Bangladesh) seriam inundadas. E cidades à beira mar como Nova York e Rio de Janeiro, teriam sérios problemas. Para um habitante de Ipanema como eu, esta é uma noção assustadora.
- Qual o efeito do aquecimento global em humanos e animais?
O ser humano é altamente adaptável a variações de meio. Por essa razão, mesmo sendo animais "fracos" prosperamos e sobrevivemos a espécies muito mais poderosas. Mas esta capacidade de adaptação não é generalizada. Em trabalho da Universidade do Texas, de 677 espécies de animais estudadas, quase 2/3 haviam mudado algum tipo de comportamento: período de acasalamento, período de hibernação, mudança de habitat, entre outros. E dessas 434 espécies que mudaram seus hábitos, 80% caminharam para locais mais frios, e para terrenos mais altos. Mas as espécies que já vivem em locais muito altos, ou no extremo norte do planeta, como o urso polar, simplesmente "não têm para onde ir", e poderão desaparecer.
- Há alguma relação entre o aquecimento global, e o aumento da quantidade de furacões?
Sim. Os grupos de cientistas comandados por Peter Webster e Kerry Emanuel, em pesquisas separadas, chegaram a conclusões similares. Na medida em que a temperatura marítima sobe, aumenta a freqüência de tempestades tropicais e furacões.
No Atlântico Norte, esta correlação pode ser traduzida na tabela abaixo, onde se observa uma nítida relação de causa e efeito, a partir de 1980:
O grau de violência dos furacões, não foi computada nesta tabela. Nas últimas duas décadas, as tempestades tropicais tornaram-se não apenas mais freqüentes, como também muito mais violentas.
- O que significa, e o que pretende o Protocolo de Kyoto?
A cada cinco anos a ONU patrocina um simpósio internacional sobre clima. Em 1997, o encontro foi em Kyoto, no Japão. O protocolo não foi assinado por todos os países-membros da ONU (como EUA e Austrália), e nem está sendo obedecido pela maioria dos que o firmaram (como Brasil, Rússia, China e Índia, entre outros). O objetivo do Protocolo de Kyoto era simples: criar um mercado mundial para carbono. Assim dito, parece tarefa fácil. Não é. Trata-se de criar um mecanismo aplicável em todo o mundo, com regras claras e confiáveis, para tentar resolver ou amenizar um problema de longuíssimo prazo, e usando ferramentas de "mercado" para angariar adesões.
O mercado de carbono funciona como qualquer outro mercado de "commodities", com uma singela diferença: a mercadoria que está sendo comprada e vendida não existe. O que existe é certificação de ausência de emissão de gás carbono. Graças à União Européia (CEE) e ao Japão, o mercado de carbono prosperou. Em 2006 deve movimentar cerca de 30 bilhões de dólares, cinco vezes mais que no ano anterior. Uma das vertentes do mercado de carbono lida com compra e venda de "permissões" para indústrias poluidoras. É como se estas pagassem uma multa por estar poluindo. A segunda vertente, é a que compra "créditos" de países em desenvolvimento, e esta é a que realmente reduz emissões de carbono. O Brasil tem tido presença marcante, mas lamentavelmente não ascendente neste segundo mercado.
Exemplo prático: a empresa Japan Carbon Finance (JCF) negociou a venda de créditos de carbono de dezenas de suinocultores catarinenses para empresas (poluidoras) japonesas. Como funciona? A JCF operacionaliza a instalação de biodigestores para tratamento de efluentes e dejetos suínos, que assim passarão a gerar "créditos de carbono", que é o que os suinocultores venderão, através da JCF, a empresas japonesas.
- Todos os países perdem com o aquecimento global?
Não. Aumento de temperatura de alguns graus no norte da Europa seria muito bem-vindo. Para a Rússia então, seria uma benção econômica. Estima-se que 25% das reservas de petróleo ainda não descobertas, estejam no Ártico. A Rússia não apenas recuperaria áreas inóspitas de seu território, tornando-as habitáveis, como também conseguiria prospectar petróleo de forma muito mais barata e eficiente.
A grosso modo, todas as regiões do planeta onde frio é agente de despesa, ou impedimento a lucro, se beneficiariam de moderado aquecimento global.
Para países pobres e dependentes de agricultura, como os da África, e alguns da Ásia e da América do Sul, seria um desastre. Já são países com temperaturas médias altas, por vezes sufocantes. Muitos são carentes de água, problema que se agravaria. E, se dependentes de agricultura, estariam em má situação, já que agricultura é a atividade econômica mais vulnerável ao clima.
Aproveito este tema para mostrar como o clima influencia a História. O início da Idade Média foi um período muito quente no norte da Europa. Devido a isso, muitos "vikings" migraram para a Groenlândia (até hoje uma possessão dinamarquesa, com 56.000 habitantes), onde o clima era mais ameno, e tornaram-se agricultores, principalmente de cevada. Décadas depois, houve um esfriamento intenso na Groenlândia, e a maioria retornou para a Escandinávia, enquanto outros se lançaram em aventuras marítimas, tendo sido provavelmente, os primeiros europeus a pisar na América.
Embora economistas e cientistas divirjam quanto ao custo de manter CO2 em nível de concentração abaixo de 550 ppm, todos concordam que o custo não será proibitivo, e também que já há tecnologia disponível para tal. Da mesma forma, todos parecem concordar que isso será programa de muito longo prazo. A verdadeira dificuldade é de ordem política. O aquecimento global, como o próprio nome diz, é um problema de todos os países. E sendo de todos, acaba não sendo de nenhum. Por ser programa de 10 a 50 anos de duração, leva uma geração a empurrar a solução do problema, para a geração seguinte. E assim, nada será realizado. E a Terra agonizará aos poucos.
Em um de seus mais belos e proféticos discursos, em 10 de junho de 1963, o presidente americano John Fitzgerald Kennedy, que seria assassinado poucos meses depois, em referência à necessidade de coexistência pacífica em nosso planeta, demonstrou esperança e apreensão, ao afirmar:
"So, let us not be blind to our differences - But let us also direct attention to our common interests and to the means by which those differences can be resolved. And if we cannot end now our differences, at least we can help make the world safe for diversity. For, in the final analysis, our most basic common link is that we all inhabit this small planet. We all breathe the same air. We all cherish our children's future. And we are all mortal."
"Então, não sejamos cegos às nossas diferenças, mas também dirijamos nossa atenção aos nossos interesses comuns, e às maneiras pelas quais essas diferenças podem ser resolvidas. E, se não formos capazes de encerrar agora nossas disputas, pelo menos podemos fazer com que o mundo seja um local seguro à diversidade (...de opinião). Porque, em análise final, nosso mais forte vínculo comum é que todos habitamos neste pequeno planeta. Nós todos respiramos o mesmo ar. Nós todos nos preocupamos com o futuro de nossos filhos. E nós todos somos mortais."
Isso foi dito há 43 anos atrás. Não se fazem mais estadistas como antigamente.
Desejo a todos um feliz final de ano, e um 2007 melhor que este ano que se finda. Em janeiro estarei no exterior (se os controladores de vôo e o eficiente governo Lula permitirem), de forma que meus prezados leitores estarão livres de mim. Mas em fevereiro prometo voltar, tratando de uma "commodity" que todos os empresários rurais produzem, e consomem. E, que para mim, será a "commodity" mais escassa e valorizada dentro de duas a três décadas.
Alcindo Lorenzi
Iporã - Paraná - Produção de leite
postado em 12/12/2006
Muito bom! Continuou o primeiro e fechou bem. E eu continuo preocupado...