Alguns estudiosos da área ambiental afirmam que o problema da crescente escassez no abastecimento de água na região começa nas serras, que funcionam como uma grande “esponja” para captação de água das chuvas e alimentação dos lençóis subterrâneos que, por sua vez, alimentam as nascentes. A Serra da Mantiqueira, nesse sentido, é considerada uma enorme “caixa de água”. O continuo processo de desmatamento nos topos e nas áreas mais íngremes das serras, substituindo as matas por pastagens e lavouras, reduz drasticamente esta capacidade de absorção das águas das chuvas. Resultado: além de diminuir a alimentação dos lençóis subterrâneos, nas chuvas mais fortes a água escorre com violência, provocando enxurradas, erosões e inundações. Outros fatores apontados são a falta de consciência e de planejamento na utilização das terras, com eliminação das matas ciliares que cumprem a função de proteger e evitar o assoreamento dos cursos d’água, e a falta de proteção das áreas das nascentes, que se esgotam pelo pisoteio do gado e também pelo desmatamento à sua volta.
Como se vê, boa parte dos produtores rurais tem sua parcela de participação neste processo de degradação da natureza. Outros, porém, já adquiriram consciência a respeito da importância de tomarem atitudes práticas para mudar este quadro. Aureliano Chaves Correa de Figueiredo é um deles.
“Quem observa a natureza repara que os recursos hídricos estão diminuindo. E o agricultor mais que ninguém pode perceber melhor. Eu constatei, em um momento, que as nascentes e a vazão de água na fazenda estavam se reduzindo. Resolvi então fazer um trabalho de colaboração com a natureza para que pudesse ter na propriedade a garantia de água pura e abundante. A Fazenda das Areias se localiza numa região alta, possuindo treze nascentes que participam de formação de cursos d’água importantes e, a meu ver, a atitude de proteger as nascentes é uma questão de consciência, de espírito público”, justifica Aureliano.
A primeira providência foi cercar uma área de 14 hectares em torno da nascente principal da fazenda, impedindo a invasão de animais da propriedade. Ali foi iniciada a recomposição da mata ciliar, com o plantio de 1140 mudas de árvores de diversas espécies, priorizando as nativas e frutíferas, a maior parte formada aproveitando a estrutura do viveiro de café. Foram adotadas práticas agrícolas de terraceamento, bacias de contenção, subsolagem e adubação de solo, e implantação de bosques, em áreas de recarga, grotas e fundos de vales, com o objetivo de evitar a compactação do terreno pela ação das chuvas e recarregar os lençóis subterrâneos. Barragens foram construídas para oferecer água ao rebanho e ajudar na captação das chuvas. Para acompanhar os resultados do empreendimento, Aureliano construiu um vertedouro próximo à sede da fazenda e, ao longo dos anos, verificou o expressivo aumento da vazão de água. O projeto de recuperação das nascentes contou com o apoio técnico do IEF e da EMATER de Coqueiral e, aos poucos, foi implantado nas outras nascentes da fazenda, perfazendo uma área de mais de 30 hectares cercados e protegidos.
O sucesso do empreendimento chamou a atenção de outros produtores da região, que passaram a visitar para conhecer o trabalho e aplicá-lo em suas propriedades. Aureliano costuma receber também grupos de alunos de diversas escolas da região e transmite a eles noções de Educação Ambiental, mostrando a importância da preservação para as gerações futuras.
“A água gosta de caminhar na sombra”
Para a formação desta consciência ecológica de Aureliano, uma pessoa foi fundamental: seu pai Clotário Correa de Figueiredo. Aureliano conta que tinha apenas cinco anos de idade quando seu pai adquiriu a Fazenda das Areias, em 1940. Já havia no local uma boa estrutura, com máquina de café e gerador próprio de energia elétrica, coisa rara naquela época. A propriedade tinha fartura de água. Seu Clotário era um homem de temperamento sereno e conciliador. Em sua simplicidade, guardava grande sabedoria e era um observador sagaz da natureza. “Desde criança, aprendi a admirar meu pai. Ele era um protetor da natureza e, em uma simples frase, conseguia transmitir profundos ensinamentos. Para ressaltar a necessidade de conservação das matas ciliares, costumava dizer que a água gosta de caminhar na sombra”.
A visão de desenvolvimento sustentável colocada em prática na Fazenda das areias é um exemplo a ser seguido por outros produtores rurais. “É fundamental que o agricultor tenha consciência do que representa para ele os seus bens maiores, que são o solo e a água. Em última análise, são os fatores principais da atividade agrícola. O solo deve ser trabalhado de modo a evitar a erosão, impedindo que ele se escoe e que seja depositado ao longo dos cursos d’água, empobrecendo os campos de cultura e assoreando esses cursos d’água. A água farta e límpida melhora e muito a qualidade de vida do homem. Ao longo de nossas nascentes e cursos d’água precisamos ajudar a natureza na recuperação das matas ciliares. Basta que cada agricultor deixe, nesses locais, faixas de terra sem cultivo, que a própria natureza se incumbe de recuperá-las, com o tempo.
Mas o agricultor consciente coopera com a natureza, plantando árvores onde é necessário, e isto, além de beneficiar o meio ambiente, irá elevar a qualidade de vida de nossas gerações futuras”, finaliza Aureliano, com sabedoria de seu pai Clotário.
O texto é de outubro de 2002, por Eduardo Pio Chaves.
celmo alves
Itamarandiba - Minas Gerais - Produção de leite
postado em 11/02/2015
Muito bom! Precisamos ter essa consciência, água e um bem precioso que e indispensável para sobrevivência humana e para agropecuária.