É com muita honra que venho através deste artigo fazer alguns comentários a respeito das perspectivas e caminhos que daremos à ovinocultura em nosso país. Após seis meses de convivência entre os mais diferentes níveis da cadeia de produção ovina da Nova Zelândia, é possível perceber o quão diferentes e ao mesmo tempo quão semelhantes são os dois países. Mas, sobretudo, é possível compreender os motivos que nos impedem transformar a indústria ovina no Brasil (me refiro à toda a cadeia produtiva) em uma atividade estruturada e forte, que possibilite a obtenção de retorno econômico e social para a atividade.
Estou em Dunedin - Otago, sul da Ilha Sul da Nova Zelândia, onde está concentrada a maior parte da população ovina do país. Fui contratado pela AbacusBio Limited, empresa que atua na área de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de produção animal, biotecnologia, agribusiness e serviços avançados em genética aplicada. Estamos em um prédio de grandes empresas, um grande escritório com mais de 15 pessoas voltadas para o desenvolvimento de tecnologia de produção, programas de melhoramento genético, estratégias de marketing e outros, incrivelmente, quase todas as atividades voltadas para ovinocultura. A empresa atua em quase todos os seguimentos da cadeia de produção incluindo, propriedades, frigoríficos e abatedouros, centros de pesquisa, órgãos governamentais e etc., possibilitando o contato com os mais diferentes tipos de pessoas e nos diferentes papéis exercidos por cada um dos segmentos.
No início dos trabalhos a grande quantidade de material, fornecido para que eu me interasse da atual situação da atividade ovina neste país, foi fundamental para me situar a respeito dos índices de produtividade e da realidade de preços e custos vivenciados pelos produtores. Além disso, foi então que consegui compreender como uma empresa totalmente voltada para prestação de serviços em produção animal pode estar localizada em um local nobre, remunerando muito bem seus técnicos e cientistas e obtendo lucro. Quando se iniciaram as atividades no campo as surpresas aumentaram, pois foi possível observar o quanto os produtores estavam satisfeitos com seus rebanhos, suas propriedades e com a possibilidade de viver bem, criar os filhos e atender às expectativas de um estilo de vida o qual os neozelandeses se orgulham, o "farm life style". Para nós brasileiros, isto é possível em muitos casos, apesar dos pesares, porém difícil para um produtor que se dedique exclusivamente à ovinocultura.
Ao me aprofundar nos detalhes do dia a dia, foi possível entender que todos os produtores sabem exatamente o número de animais que possuem, as taxas de prenhez (90 - 98%, todos os criadores realizam ultra-som para diagnóstico de gestação) e prolificidade (100 - 220%), quantos cordeiros são desmamados por ano (média nacional 1,29/ovelha/ano), qual a taxa de ganho de peso dos cordeiros (250 - 400g/dia, exclusivamente em pastagem), qual a capacidade de produção de matéria seca da pastagem (5 a 15 ton. MS/ha/ano, dependendo da localidade) e etc. Também os índices de produtividade são bem entendidos, assim a maioria dos produtores está ciente de suas taxas de desmame, rendimento de carcaça de seus animais, receita bruta por unidade de área (hectare) e por animal (ovelha), e vários outros parâmetros zootécnicos tão importantes para compor a eficiência da empresa agropecuária, que é o modelo como as propriedades são encaradas na Nova Zelândia.
Nos últimos anos, a indústria ovina tem sofrido severas reduções no rebanho, devido a diversos fatores, como preço dos cordeiros de abate ($ 30,00 a 60,00 por cordeiro) e competição com a alta rentabilidade proporcionada pela atividade leiteira ($ 7,00 por kg de sólidos). Além disso, o elevado custo de mão de obra (no mínimo $ 30.000 por funcionário por ano) e as altas taxas de juros (10% por ano) tornam as margens muito pequenas, e é por isso que os aspectos de produtividade são tão importantes. Também as condições climáticas são um desafio constante para os criadores, que devido ao rigoroso inverno (3 a 6 meses de frio intenso e muita neve em alguns locais), são obrigados a produzir altas quantidades de volumoso durante a primavera e verão, para serem consumidos durante o inverno. E aí entram os custos de fertilizantes e combustíveis que nós brasileiros estamos tão habituados.
A convivência entre produtores, técnicos, pesquisa e iniciativa privada é muito integrada. Na Nova Zelândia a pesquisa em ovinocultura é desenvolvida pelas empresas de pesquisa financiadas em parte pelo governo e principalmente pelos fundos obtidos dos diversos segmentos envolvidos. Por exemplo, para todos os cordeiros abatidos e para cada quilo de lã vendido, uma pequena porcentagem é destinada à pesquisa e ao desenvolvimento da atividade. Assim, empresas como Meat & Wool New Zealand, AgResearch e outras, podem desenvolver suas atividades ligadas à capacitação de mão de obra, grupos de discussão, treinamentos e orientação comercial, marketing e pesquisas de todos os tipos e em todos os níveis. Todas as atividades são solicitadas pelos criadores e os resultados são avaliados de tempos em tempos de acordo com o planejamento inicial. Todo o trabalho é coordenado por representantes escolhidos entre os próprios criadores, executado por profissionais de cada área e com participação de representantes de diferentes setores da sociedade, uma vez que o que acontece no campo reflete diretamente nas cidades. Os órgãos que representam os criadores não são os responsáveis pela assistência técnica ou consultoria, papel exercido pelos profissionais da área, e neste aspecto a responsabilidade é dos técnicos, sendo que os mais competentes e que podem oferecer melhores serviços a preços que justifiquem a implantação de novas tecnologias de uma maneira geral, são os que mais contribuem para a eficiência produtiva no setor.
Outro aspecto muito interessante relaciona-se aos frigoríficos. Devido à estrutura do país, à importância histórica da agropecuária na vida da população e uma série de outros fatores, os frigoríficos e abatedouros são em geral cooperativas de produtores, ou seja, os produtores são os proprietários das indústrias, sendo que a administração e condução são totalmente delegadas a administradores profissionais. Os preços pagos são os mesmos ao redor do país, com variações normais durante a safra e entre safra, e de acordo com a oferta do dia, porém, uma diferença importante quando comparamos à situação no Brasil, é que o cordeiro é pago pelo rendimento. Existe um sistema nacional de classificação e tipificação de carcaças, sendo o tipo de maior valorização aquele com peso de carcaça entre 16 e 17 kg e cobertura de gordura (GR) em torno de 3 mm. As carcaças mais leves ou pesadas, insuficiente ou excessiva cobertura de gordura, danos causados por problemas sanitários, manejo inadequado e etc., são severamente penalizadas e os preços por kg são reduzidos. Assim, todos os criadores procuram produzir animais padronizados e que proporcionem bons rendimentos. Alguns frigoríficos iniciam seus trabalhos com o EyeScan®, aparelho de última geração que avalia todas as carcaças na linha de produção, determinando as proporções de músculo e gordura, além do rendimento total. Neste caso, os produtores que fornecem animais com maiores rendimentos cárneos são bonificados e podem atingir preços de $70,00 ou mais por carcaça. Ao final do ano fiscal Neozelandês, os lucros dos frigoríficos são enviados para cada um dos criadores, após serem descontadas taxas e investimentos.
Após descrever uma perspectiva geral da atividade na Nova Zelândia, gostaria de fazer algumas colocações com relação ao nosso Brasil. Primeiramente, deixar muito claro que não tenho nenhuma intenção de responsabilizar este ou aquele outro pela atual situação da ovinocultura. Em minha opinião, se hoje nos encontramos em uma posição onde não podemos contar com a atividade para abastecer nosso consumo interno, proporcionar rentabilidade suficiente, ou mesmo se não conseguimos complementar a receita de nossas propriedades com a ovinocultura, a responsabilidade é nossa. Sim de todos nós, criadores, técnicos, governo, associações, empresas privadas, instituições de pesquisa e etc. Os ovinos foram domesticados há milhares de anos, há centenas de anos temos carneiros e ovelhas em nosso país, e até hoje estamos parados no tempo.
Consideremos nossas justificativas: verminose, predadores, miíases, mortalidade, ausência de uma cadeia estruturada, falta de planejamento e etc. Consideremos nossas potencialidades: temos mais terra agricultável que qualquer outro país no mundo, temos água disponível, não temos neve, não temos frio absurdo, terremotos, guerras e secas que durem 3 ou 5 anos. Ao conseguirmos alcançar na ovinocultura parte dos avanços obtidos pela nossa agricultura, com certeza poderemos ser grandes produtores de ovinos, em um espaço relativamente curto de tempo.
Muitos dos entraves que hoje vivenciamos na atividade já foram superados por países onde a ovinocultura é atividade de grande importância. Porém, muitos dos entraves vivenciados por nós são frutos de nossa inabilidade em produzir. Tomemos por exemplo nossas taxas de fertilidade, nosso manejo nutricional, nosso modelo de melhoramento genético. Qual melhoramento?
O Sheep Improvement Limited, é o órgão (empresa dos produtores de todo o país) responsável pelo programa de melhoramento genético nacional da NZ. Por ano são avaliados milhões de animais e desde os anos 80 que a comercialização de reprodutores e matrizes é baseada nas avaliações genéticas. Hoje em dia, não se comercializam reprodutores que não estejam sendo avaliados, pois a evolução genética contribuiu para o incremento de produtividade em aproximadamente 50%. Em menos de 20 anos a população ovina foi reduzida em 40%, porém a produção e exportação de carne de cordeiro se mantiveram intocadas. É fundamental que conheçamos nosso rebanho, nossas matrizes e nossos reprodutores, e principalmente, o valor genético real de cada um deles. Em uma cadeia produtiva bem estruturada, o melhoramento real obtido pelos criadores de animais puros ou "elite", deve atingir os criadores comerciais de maneira que o aumento de produtividade seja percebido rapidamente. Desta maneira, os custos envolvidos passam a atuar como investimento e os resultados podem ser observados diretamente, sobretudo, com relação à satisfação do mercado consumidor. Animais comercializados por valores elevados e sem avaliação apropriada podem disseminar material genético inadequado, o que prejudica toda a cadeia.
Com o passar dos anos, especialmente em países onde a ovinocultura está bem estabelecida (como Austrália e Nova Zelândia, por exemplo), os rebanhos se tornam mais especializados, o criador se torna mais profissional e os resultados começam a surgir, então se percebe a real importância dos programas de seleção.
Gostaria de ressaltar mais uma vez que não acredito em um modelo perfeito, não acredito que em países como a NZ tudo seja perfeito, pois não é. Mas acredito que temos bons exemplos, acredito no nosso potencial, acredito que estamos iniciando um processo de transformação ou mudança de pensamento. Os preços de carne de cordeiro em nosso país são bons, o consumo tende a crescer (todas as previsões indicam forte crescimento), o criador precisa vender reprodutores e o produtor precisa comprar e assim por diante. Optemos inicialmente por fazer um bom planejamento, produzir com eficiência, obter bons rendimentos em termos de R$ por hectare ou R$ por ovelha por ano. Contenhamos a mortalidade de ovelhas em nossos rebanhos, maximizemos os índices reprodutivos, alimentemos bem (boas pastagens) nossas ovelhas e nossos cordeiros (com concentrado dependendo do sistema) para obter bons ganhos de peso e, sobretudo, devemos aprender a selecionar nossos animais, literalmente eliminar ovelhas ineficientes, problemáticas, reprodutores sem a menor capacidade de sequer sobreviver às condições impostas, e etc.
Espero um dia podermos dizer com satisfação e dinheiro nos bolsos: somos criadores de ovelhas! Espero um dia podermos atingir com a ovinocultura um patamar de importância social para nosso país, onde muitos possam se beneficiar de uma indústria forte e estruturada. Só depende de nós!
Daniel de Araújo Souza
Fortaleza - Ceará - Consultoria e ensino
postado em 28/04/2008
Caro Bruno,
Parabéns pelo artigo e obrigado por compartilhar suas experiências e informações conosco!! Estimulante, revigorante e inspirador!!
Abraços,
Daniel