Aprende-se na história econômica elementar que, em todo o mundo, as cidades somente puderam crescer quando a produtividade do trabalho no campo se elevou. Antes disso, nos primórdios nômades da civilização, as famílias, suas tribos e seus grupos produziam o próprio alimento que comiam. Fase ancestral da agricultura de subsistência.
O maior estímulo à produção agrícola sempre derivou, desde a Antiguidade, das inúmeras e longevas guerras. Afinal, exércitos precisam ser abastecidos em campanha, longe dos campos de cultivo de cereais, da carne e do leite. Ninguém vence uma batalha com a fome batendo na sua legião. Os militares guerreiros, sem querer, impulsionavam a roça.
Nos fortificados burgos medievais, nos palácios da nobreza europeia e na Igreja, comerciantes, religiosos, filósofos, artistas, meretrizes, toda uma população desconectada da lide rural exigia comida e roupas para manter suas atividades essencialmente urbanas. Nesse período da Idade Média cresceu o mercantilismo, demandando alimentos e matérias-primas. A formação de excedentes no campo fortalece as nascentes cidades.
Jamais vingaria a Revolução Industrial se, antes, não tivesse ocorrido uma enorme modificação na área agrícola. A forja de novos instrumentos de lavra, o cercamento das terras, a dragagem dos pântanos, a regulamentação do trabalho camponês, tudo isso possibilitou o início do capitalismo europeu. Mais gente na cidade, maior produtividade no campo. Essa é a história da civilização.
São Paulo vingou tardiamente, comparada aos grandes centros urbanos da Europa. Porém, de modo semelhante, dependeu do campo para evoluir, passando por fases distintas em seu crescimento. Enquanto o eixo econômico da colônia brasileira pertencia ao açúcar do Nordeste e, depois, à mineração das Minas Gerais, desde a criação do colégio jesuíta em 1554 ela permaneceu sem maior expressão. Durante dois séculos, a vila de difícil acesso erguida nos campos de Piratininga esteve quieta e isolada, abastecida pelas roças locais de subsistência. Depois, ao evoluir para uma espécie de quartel-general dos bandeirantes, ganhou maior movimento. Mesmo assim, apresentava em 1872 apenas 31 mil habitantes. Pouca gente para comer.
Tudo começou a se alterar, de verdade, com a chegada do ciclo do café, a partir de 1860. A onda verde dos cafezais tomou conta do Vale do Paraíba, expandindo-se depois na direção de São Paulo, passando por Campinas e se firmando em Ribeirão Preto no início dos anos 1900. Para se localizar nesse período de desenvolvimento basta saber que a Ferrovia Santos-Jundiaí começou a operar em 1867. Trilhos do progresso.
Fugidos da guerra de unificação e atraídos pelos negócios da economia cafeeira, muitos italianos por aqui desembarcam, dirigindo-se ao interior, onde constituíram o colonato. Outras nacionalidades, entretanto, chegaram para se dedicar ao comércio da nova riqueza na capital. Em 1895 a cidade de São Paulo contava 130 mil habitantes, metade dos quais, estrangeiros. Em 1920 já ostentava São Paulo 580 mil habitantes. Não parou mais de prosperar.
Um período de esplendor e glória vingou na grande cidade. Mas a situação começou a mudar em meados da década de 1960. A partir desse momento, a força do êxodo rural iria determinar nova dinâmica na crescente metrópole paulistana. Expulsa pela modernização do campo e atraída pela esperança do emprego, a pobreza rapidamente migrou para São Paulo. Surgia, então, o drama do abastecimento popular.
Milhões de bocas para comer, a desgraça rondando a cidade. Nada se passou fácil naquelas décadas de 1970 e 1980, período em que as políticas públicas cumpriram papel fundamental ao enfrentar o enorme desafio da alimentação familiar. Podia-se morar debaixo da ponte, mas de onde viria comida para saciar tanta necessidade? Qual o preço do arroz com feijão?
Centros de comercialização e distribuição, como a Ceagesp, tornaram-se essenciais. Impulsionados foram os mercados regionais e as tradicionais feiras livres, surgiram as novidades dos sacolões e varejões. Cresceu o cinturão verde, lavraram-se as fantásticas hortas de Mogi das Cruzes, Ibiúna e alhures. Mais de longe vinham os cereais, a carne, ovos, leite, mandioca, laranja, cultivados por todo o interior. No começo, quase tudo dependia do estímulo governamental. Depois, progressivamente, a iniciativa privada assumiu seu papel. Ainda bem.
Estudioso da matéria, o economista rural Eliseu Alves, da Embrapa, mostra que entre 1950 e 1990 a demanda de alimentos no Brasil cresceu 6% ao ano, exigindo e estimulando o crescimento da produção agrícola. Em excelente trabalho, intitulado Transformação da Agricultura Brasileira e a Pesquisa Agropecuária, comprova que o setor rural, como resultado dos investimentos tecnológicos, se capacitou para superar o crescimento populacional. Felizmente.
Resumo da história: se a produção rural não tivesse correspondido, aprimorando-se para gerar os excedentes capazes de alimentar milhões, São Paulo estaria mais triste no seu 456º aniversário. Este é o presente que a metrópole ganha, de forma quase anônima, dos agricultores paulistas e brasileiros.
Benjamin Franklin disse certa vez que, "se as cidades forem destruídas e os campos forem conservados, as cidades ressurgirão, mas se queimarem os campos e conservarem as cidades, estas não sobreviverão".
Belo ensinamento.
Clemente da Silva
Campinas - São Paulo - OUTRA
postado em 28/01/2010
Prezado Sr. Xico Graziano, tenho lindo vários de seus relatos, assim como acompanhado algumas de suas entrevistas em vários canais de tv, já há algum tempo. Parabéns por mais este quadro de retrospectiva da agropecuária e desenvolvimento humano não só no Brasil, como no mundo. Desde muito anos e posso dizer, durante minha vida toda, insisti em que não há grande potência mundial, sem uma agropecuária muito bem estruturada e forte, exemplo disso, é ainda hoje os EUA da América, que mesmo durante a 2ª grande guerra manteve-se e supriu grande parte das necessidades da Europa aliada. Os países do Leste europeu enquanto URSS, eram a segunda grande potência porém, com o fim da "guerra fria" entraram em fria e desmantelaran-se, levando a europa toda a um processo de desintegração lenta que hoje, é nítido. Vemos atraves de seu relato que a história continua a mesma: o homem da roça, produzindo para alimentar seus semelhantes na cidade e a cidade pagando muito mal pelo que lhes é oferecido a duras penas para que não pereçam, como bem frisou o grande Benjamin Franklin.
Mas porquê, essas coisas acontecem? Porquê não há reciprocidade entre o campo e as cidades? ATRAVESSADORES! É isso! É sim, mas, também sempre houve muito comodismo no campo, na fonte de produçaõ, já que produzir sempre foi muito fácil e a cada dia , com tecnologias criadas nas cidades, a vida no campo fica mais fácil. Mas fica a cada dia mais cara também. Está chegando a um ponto que as contas não vão bater mais e vai ficar difícil produzir. A história nos diz que o produtor rural sempre foi um trabalhador solitário que começou a produzir para seu sustento e de suas famílias e com o passar dos tempos foram aparecendo compradores para eventuais sobras do que ele produzia e com isso foi criado o comercio, com o comercio os expertinhos, aproveitadores do trabalho do homem do campo e com isso é que se criaram as cidades e sua facilidades, sempre sobre o sacrifício do homem lá do campo e o pobre coitado nunca se deu conta disso, e, até hoje não se dá. O homem do campo continua hoje, a ser um produtor de commodities para alguem manufaturar, industrializar, agregar valores e ganhar muito sobre sua materia prima. uma das formas do produtor quebrar esse ciclo vicioso, seria oque chamamos de cooperativas, que no Brasil, tem um significado muito diferente, daquelas que foram criadas na Inglatera no início da chamada primeira onda ou, revolução industrial. Aqui no Brasil a maioria das cooperativas não fazem outra coisa que não tomar do produtor e repassar a um industrial, um produto limpo lapidado, selecionado, para que esse, ganhe tudo sobre pouquissimo trabalho e oprodutor fica a ver navios e as vezes com parte das dívidas de uma cooperativa mal administrada. Com o leite é ainda muito pior, já que não há tradiçao, apesar dos anos de se industrializar o produto a nível de cooperativa; no máximo, oque sempre se fez foi empacotar mal um produto sem qualidade e vender mal vendido. Darei seqüência adiante