No gelo atípico deste início da primavera europeia, participaram do encontro cerca de 90 pessoas, oriundas de vários países. Durante dois dias especialistas em certificação, pesquisadores universitários, operadores de mercado, ambientalistas, agricultores e diretores de empresas, de diversos ramos da agroindústria e do comércio de alimentos, trocaram suas figurinhas carimbadas. Todos sacramentaram os conceitos básicos da sustentabilidade.
Ressaltar o óbvio, às vezes, é necessário. Por mais que alguns políticos, ou organizações civis, queiram assenhorear-se da problemática ecológica, tomando como seu privilégio decifrá-la, formou-se certo consenso na sociedade mundial em favor da sustentabilidade. Sente-se, com maior ou menor idealismo, que a pegada ecológica sobre os recursos naturais periga romper os limites do planeta. Vislumbram-se, em decorrência, modificações na produção material, no consumo e no comportamento da civilização humana. Ninguém defende a destruição ambiental.
Existe também boa concordância quanto à necessidade de mensurar a sustentabilidade. No início do movimento ambientalista, gritar era fundamental para fazer avançar a consciência sobre os problemas ecológicos. Predominavam os discursos inflamados. Agora, mais que falar, é preciso fazer. E a ação prática somente poderá ter seus resultados aquilatados por meio da metodologia científica. Medir para manejar.
Inúmeros protocolos se definem, mundo afora, estabelecendo critérios, mais ou menos rígidos e abrangentes, para verificar a sustentabilidade. Muitos deles, seus prós e contras, foram discutidos nessa reunião em Berlim. A empresa alemã Basf, promotora do evento, apresentou seu método, chamado AgBalance, pelo qual quantifica, com 69 indicadores distribuídos em 16 categorias, o "balanço energético" de uma empresa rural, incluindo todos os elos da cadeia produtiva. Muito interessante.
O enfoque do measure and management domina a agenda mundial da sustentabilidade. Presente na Alemanha, o representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) enfatizou a importância das "métricas" ao falar sobre o Global Livestock Environmental (GLE), patrocinado pelo órgão da ONU. Susanne Stalder, por sua vez, seguiu na mesma linha com o Response Inducing Sustainability Evaluation (Rise), um protocolo seguido por 1.350 produtores rurais, localizados em 37 países. Caminho sem volta.
Comandado pela Stanford University (Califórnia), com a participação das importantes entidades ambientalistas WWF e TNC, o Natural Capital Project (NatCap) detalhou seu sistema integrado de avaliação de serviços ambientais. Grandes redes de varejo, como a norte-americana Walmart, e as multinacionais de alimentos Nestlé e PepsiCo deixaram clara a força da mudança que chega pelo lado dos consumidores. Rigorosos critérios, como os do Sustentability Consortium, começam a impor-se aos fornecedores de matérias-primas, especialmente alimentos.
Fica claro que os requisitos da produção sustentável exercem, progressivamente, forte pressão sobre os agricultores. E aqui reside a grande questão. A modificação tecnológica nas práticas agrícolas, tornando-as mais amigáveis da natureza, nem sempre operam a favor da rentabilidade dos negócios rurais. Os processos sustentáveis geram, muitas vezes, custos que comprometem a sobrevivência econômica do produtor rural. São os trade-offs.
Esse viés, o da economia, normalmente tem sido minimizado nas discussões sobre o desenvolvimento sustentável. Carrega-se no ecologicamente correto, destaca-se o socialmente justo, mas se esquece do economicamente viável, deformando o famoso tripé da sustentabilidade. Por isso os agricultores começam, eles também, a definir seus protocolos de conduta. Richard Wilkins, presidente da poderosa American Soybean Association (ASA), que representa 275 mil produtores norte-americanos, com 30 milhões de hectares de cultivo, deixou claro em Berlim que eles não aceitam os ditames que lhes querem impor. Articulada com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a ASA está definindo um protocolo próprio, no qual o requisito da produção sustentável mantenha, e não roube, a terra herdada dos antepassados.
No Brasil, ninguém melhor que a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) se dedica ao tema. Sua proposta Soja Plus segue a linha da produção sustentável, com respeito às leis trabalhistas e ao Código Florestal. Presente em Berlim, seu representante questionou: estariam os mercados consumidores, na Europa ou alhures, dispostos a pagar um "prêmio" à sustentabilidade? Não, responderam.
Sinuca de bico. Todos defendem o desenvolvimento sustentável, mas cada qual o define, e o mensura, conforme lhe convém. Nesse jogo de interesses, estoura a corrente produtiva no elo mais fraco: os agricultores. Assim não dá. Na busca da sustentabilidade, as empresas, os consumidores ou os governos, em nome da sociedade, precisam auxiliar, e não sufocar os produtores rurais. Há uma agravante: as regras da sustentabilidade precisam levar em conta as dificuldades inerentes aos agricultores familiares dos países em desenvolvimento. Não funcionará na Ásia, nem na África ou no Brasil um protocolo refinado, elaborado pela elite dos países ricos.
Desenvolvimento sustentável exige parcerias, não se enfia na goela do agricultor. Senão, azeda a comida.
José Luiz Bellini Leite
Juiz de Fora - Minas Gerais - Pesquisa/ensino
postado em 18/04/2013
Este é um tema muito importante e Graziano abordou de forma magnifica o assunto. Ressaltou, sem os sentimentalismos que tem caracterizado o tema e de forma destacada, o tripé da sustentabilidade (ambiental, social e econômica) sua relevancia e colocou os "pés no chão" ao posicionar o produtor e as tecnologias conservacionistas no centro do processo.
Ou se gera tecnologias sustentáveis, ou alguém paga a conta pelo uso de tecnologias ambientalmente corretas mas não competitivas ou vamos ficar nos discursos.