Por Germano Vidal1
Estamos verificando junto aos consumidores no Brasil uma corrida sem precedentes em busca de produtos classificados como orgânicos, biologicamente corretos, naturais, incluindo nesta lista, os de origem animal. É o denominado boi orgânico, cordeiro orgânico, frango caipira, etc. Facilmente observamos nas "gôndolas" em mercados, nas delicatessens, nas casas especiais de carne em geral, e até em restaurantes finos, a excessiva mensagem de que usam ou vendem produtos naturais, orgânicos, ecológicos, e outras mais, chamando a atenção do consumidor do valor agregado dos produtos oferecidos.
Estamos visualizando um processo interessante, tanto para o produtor como para o consumidor, portanto é o momento de avaliarmos o que já existe de bom em outros países e aproveitar tais experiências visando queimar etapas e criarmos uma cultura brasileira, organizada, bem divulgada, legislada e respeitada.
Os organismos emissores de certificações para tais produtos igualmente multiplicam-se e surgem em todas as áreas, a maioria deles formados por empresas privadas, porém, mesmo com a interferência do poder público em legislar sobre tais padrões, existem diversas interpretações formando um enorme rol de culturas.
A União Européia, liderando um processo de classificação de produtos denominados orgânicos ou ecologicamente corretos, partiu na frente e criou um rígido controle baseado em padrões seletivos e qualitativos. A exemplo da Comunidade Européia, o Brasil poderá aproveitar tudo que há de bom nestas regras e implantar um processo coeso, simples, regulatório, padronizado e bem divulgado, para que tanto os produtores rurais possam distinguir e avaliar o que produzir como produzir, quando produzir, como os consumidores o que comprar, quando comprar, como comprar, enfim, um verdadeiro processo de interpretação dos produtos envolvidos. É o que podemos chamar de total interação produtor-produto-consumidor.
Podemos imaginar o quanto de vantagem tais regras trouxeram para a Comunidade onde convivem com várias culturas, origens diversas, idiomas diferentes, alguns países com tradição agrícola e rural enfim passaram a conviver com um só modelo de classificação e avaliação para todos os componentes do bloco econômico.
A criação de um selo padrão brasileiro de produtos organicamente produzidos faz-se necessário para estampar claramente o que é reconhecidamente classificado. O respeito a este selo dará credibilidade, tanto no Brasil quanto no exterior para os produtos eventualmente exportados. Iremos assim conviver com um mesmo padrão de qualidade para qualquer produto dentro de referenciais igualmente avaliados pelas entidades e organismos classificatórios.
Os empresários deste segmento atuando no mercado que nos lêem irão dizer: "...mas a minha empresa classifica mediante estudos e avaliações com experiências diversas e segundo regras internacionalmente aceitas...". Porém, não há uma credibilidade única, taxativa, irrevogável, irrestrita, incondicional, porque a falta de um selo brasileiro sempre nos levará a essas situações de questionamentos.
Não defendo a criação de um selo emitido ou comprado do Ministério da Agricultura ou de outro organismo como Inmetro, mas de um Centro de Emissão de Certificações atuando como uma agência reguladora privada. Sendo assim, os produtores e consumidores estarão livres de interferências políticas ou ingerências governamentais nas quais eventuais regras são criadas para benefícios ou favorecimentos eventuais.
Algumas sugestões
As regras consistentes a serem criadas deverão abranger itens como produção animal representando uma parte integrante de explorações agrícolas que praticam a agricultura biológica. A atividade deve contribuir para o equilíbrio que deve existir nos sistemas de produção agrícola, satisfazer as exigências das plantas em matéria de nutrientes, enriquecer o solo com matéria orgânica e ajudar a estabelecer e a manter a circulação dos nutrientes solo-planta, planta-animal e animal-solo.
De acordo com este conceito, a produção sem terra, característica de alguns sistemas de produção animal intensivos não satisfaz as regras de um futuro padrão regulatório. Mais uma vez, os produtores de animais criados em sistema intensivo estarão condenando tais sugestões.
Em linhas gerais, a forma de produção biológica de animais deve constituir uma atividade ligada à terra. Sendo assim, os animais devem dispor de uma área de movimentação livre, onde o número de animais por espaço físico permite uma gestão integrada de produção animal e vegetal naquela fazenda, chácara ou sítio, minimizando-se assim todas as formas de poluição, especialmente do solo, das águas superficiais e dos lençois freáticos.
Deve ser mantido o respeito ao meio ambiente, à biodiversidade, à origem dos animais selecionados, ao controle rígido da população do rebanho por local, à alimentação dos animais sem qualquer interferência forçada, premiando os alimentos oriundos da própria área de produção, à utilização máxima de pastagens para os herbívoros, à utilização de conservantes para silagem somente de insumos naturais ou aditivos auxiliares orgânicos, à prevenção de doenças e profilaxia com recursos naturais e orgânicos, como extratos ou fitoterápicos, à desinfecção de ambientes e instalações com produtos não agressivos, à identificação individual dos animais, ao transporte sem agressões, ao abate humanizado, etc.
É de vital importância a participação ativa das entidades de ecologistas contra a agressão que se faz ao solo, no uso excessivo de produtos químicos como fertilizantes, defensivos e pesticidas. São organismos incentivadores da terminologia como bio, biológico, orgânico, ecológico, natural e produto de criação bio-dinâmica, tendo participação fundamental na fiscalização em prol da sociedade de agressões eventualmente cometidas.
Um item de importância vital é a limitação da carga de estrume animal por área devendo para isso até mesmo limitar-se a quantidade de cabeças para evitar o excesso de infecção do solo, evitando a contaminação da superfície. Alguns grandes criadores de sistema intensivo estão tentando dar uso ao enorme volume de estrume existente com a implantação de biodigestores para produção de gás e energia para uso próprio. Estas ações ainda são pontuais e não representam resultados significativos. Não se resolve a situação do excesso de estrume colocando-o simplesmente de volta na natureza em forma de adubo.
As áreas de alojamento do rebanho e movimentação devem ser generosas permitindo livre e espaçoso o uso e exercícios físicos normais e vitais para a saúde plena.
Avaliamos a possibilidade das propriedades serem mais um atrativo para desenvolvimento do turismo rural, ofertando aos visitantes as experiências das diversas especialidades.
Na formação de mão-de-obra criaremos uma farta fatia de profissionais especializados em classificação, treinados e adestrados dentro das origens dos respectivos produtos, exercitando o respeito integral às regras e padrões estabelecidos num Regulamento Geral de Produtos Orgânicos - RGPO.
Como converter as propriedades e o plantel existentes
Para as propriedades interessadas em se agregar ao processo de certificação e classificação, deve ser estipulado um prazo de adaptação às condições exigidas baseado no tipo de criação e produção. Igualmente, as lavouras existentes deverão enquadrar-se dentro de um prazo respeitando o período necessário de carência para as reconstituições naturais da terra.
Para as adaptações e migrações das culturas agrícolas das propriedades a serem classificadas, deve-se respeitar os prazos das culturas perenes (pastagens, frutíferas, arbóreos, etc.) até então existentes para a total imunização dos efeitos anteriormente aplicados.
O selo brasileiro
Quanto às classificações adicionais poderíamos criar certificados de "Indicação de Origem Geográfica - IOG", "Especialidade Regional Tradicional - ERT" e "Qualidade em Região Protegida - QRP". Essas qualificações irão ajudar não só a firmar as gerações nas áreas de campo onde subsistem as famílias, como irá criar uma cultura local de produtos reconhecidamente orgânicos.
O "IOG" caracteriza produtos oriundos de uma região significativamente diferente das demais, superando as demais produtoras eventualmente existentes com características marcantes. O "ERT" traria o "glamour" da tradição de um lugar, de uma região ou um conjunto de produtos inigualáveis. E finalmente, o "QRP" indicará que uma região especifica é produtora de qualidade excepcional e superior, dentro de padrões regionais específicos sendo todos os produtores afiliados e seguidores do conceito.
Os beneficiários diretos serão, num primeiro momento, o pequeno produtor, os assentados de programas de colonização rural, as pequenas e médias propriedades e, consequentemente, os consumidores dos produtos certificados.
Poderemos então afirmar que a produção orgânica é o resultado da interação entre os animais, a terra, as plantas e os homens. Com isso deixaremos em segundo plano os investimentos puramente convertidos em traços genéticos, com a proteção indiscutível do solo, das águas, da biodiversidade e respeitando os ciclos biológicos envolvidos na produção.
Chegaremos a um produto de real valor agregado, de alto poder nutritivo, natural, com responsabilidade social e correta sob a ótica plena da ecologia. Queremos uma rotulagem acompanhada de uma apresentação diferenciada e substancialmente objetiva visando chamar a atenção do consumidor.
Vale pensar no assunto? Com todas estas novidades, será que chegaremos lá? Afinal, queremos produzir qualidade com sabor e não quantidade sem teor.
Exemplos sugeridos de selos brasileiros de classificação
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1 Germano Vidal, produtor rural, criador de ovinos, e defensor de uma regulação para produtos orgânicos.
Fabio Ramos
Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - consultoria em agronegocios
postado em 04/06/2006
O artigo vem de encontro a necessidade de uma nova visão em relação ao modelo de produção de alimentos de origem animal. A Agroecologia é uma realidade no Brasil inteiro e as tendências na demanda de consumo são por um alimento seguro, saudavel e ético.
O Brasil vem desenvolvendo de forma significativa o setor de alimentos orgânicos e naturais. A Lei número 10.831 publicada em dezembro de 2003 está em processo de regulamentação. Nela se define quais são as normas e diretrizes da agropecuária organica, além de definir normas para todos os demais segmentos da cadeia, até a ponta final de consumo. Além é claro da obrigatoriedade de cumprir toda a legislação ambiental e social (trabalhista).
Enfim, o que é importante é que cada vez mais tenhamos profissionais com uma visão ampla. Os modelos de produção animal necessitam de reavaliações permanentes. Ë fundamental acompanhar a tendencia de consumo e saber desenvolver cadeias produtivas com bases sustentáveis.