O rebanho norte-americano atual é inferior a 6 milhões de cabeças, sendo formado predominantemente por raças e cruzamentos com aptidão para carne. Na tabela 1 apresentamos o ranking das 10 principais raças, cabendo especial destaque às raças Katahdin e Dorper, ambas deslanadas, que entraram mais recentemente no país e vêm crescendo fortemente e a Rambouillet, única exceção da lista, com aptidão para lã. O número de raças existentes é superior a 70, se somada a grande quantidade de compostos e cruzamentos industriais.
Tabela 1 - Ranking das 10 raças mais criadas nos EUA (Fonte: USDA/ASI Survey 2009).
A carne de cordeiro, principal produto, é bastante apreciada na culinária local e está presente no cardápio de muitos restaurantes franceses, mexicanos, árabes e orientais, inclusive redes de fast food. Porém, assim como no Brasil, é difícil encontrar carne de cordeiro nas casas de carnes e supermercados e quando ela existe, normalmente é de origem neozelandeza ou uruguaia e o preço igualmente elevado. A lã, predominante de raças com aptidão de carne, possui pouco valor para a indústria, porém, move um grande mercado de artesanato, extremamente valorizado naquele país, com grande destaque às lãs naturalmente coloridas. O mercado de leite ovino vem crescendo no país, com a produção de queijos especiais, iogurtes e outros produtos, a partir de raças tradicionais para produção de leite e cruzamentos para este fim.
Um interessante nicho de mercado americano são os chamados "Club Lambs", que são propriedades especializadas na produção e comercialização de cordeiros em aleitamento para estudantes, que devem cuidar destes por um período que varia de 6 meses a 1 ano, como parte de um projeto pedagógico que envolve as regiões com economia predominantemente agropecuária.
Os rebanhos de elite, para produção de matrizes e reprodutores, se utilizam de conceitos modernos de melhoramento animal e técnicas de avaliação como as DEPs (Diferença Esperada de Progênie), como armas de marketing e numa constante busca pelo aumento da produtividade do rebanho, com aumento de prolificidade, redução de mortes neonatais e aumento das taxas de desmame. Atualmente os EUA importam 43% da carne ovina consumida no país, sendo que somente da Austrália, importam 23% da carne produzida anualmente.
Isto se traduz em uma grande preocupação com um futuro desabastecimento, por conta da grande concorrência do Oriente Médio, que aumentou suas importações em 41% desde 2005, elevando também os preços internacionais. Além da Austrália, a Nova Zelândia, o Uruguai, o Chile e a Argentina são os principais fornecedores de carne ovina do país.
As projeções para 2010 são um aumento de 10% nas importações em relação a 2009. As exportações do país para México, Canadá e outros países, representaram em 2009, 1,5 mil toneladas de carne de cordeiro e 5,9 mil toneladas de carne de ovelha, crescimentos de 9% e 39% respectivamente em comparação a 2008. A exportação de animais vivos teve uma redução de 8% no mesmo ano.
O preço da carne de cordeiro começou 2010 em baixa, mas já mostra sinais de recuperação com preços médios de US$ 2,9/kg vivo para animais até 35kg e US$ 3,22 para animais em torno de 45 kg em junho (USDA - Market Summary 25jun2010). Estes valores, embora superiores aos preços praticados no Brasil, são motivo de reclamação dos produtores norte-americanos, devido ao elevado custo de produção. Cabe ressaltar ainda, que em muitos estados são mais valorizadas as carcaças com peso acima de 18kg.
Os valores de um reprodutor ou matriz ficam em patamares bastante semelhantes aos registrados no Brasil, com animais de excelente qualidade vendidos a US$ 600 e média geral de US$ 300,00 para machos e US$ 200,00 para fêmeas, preços em conformidade com a realidade do mercado, para a produção de cordeiros. Não existe um claro mercado de animais de pista, como aqui.
A lã segue o mercado internacional, porém os valores variam entre si pela micronagem (finura) da mesma. Para este ano, os valores praticados para lãs acima de 28 micras não ultrapassaram US$ 1,6, enquanto lãs de 21 micras chegaram a US$ 3 (base limpa). O mercado de peles, devido ao clima frio em boa parte do país, abastece o mercado interno para roupas de inverno (casacos e calçados), com preço médio de US$ 6,5 em fevereiro de 2010.
Contudo, é a existência de uma cadeia produtiva bastante organizada o que realmente faz a grande diferença naquele país. A Associação Americana da Indústria Ovina (ASI - American Sheep Industry Associaton - www.sheepusa.org), conta com a participação e colaboração de todos os elos envolvidos da cadeia, em todos os estados norte-americanos. A ASI, além de incentivar todas as iniciativas em relação a cadeia, promove ainda importantes programas marketing e de incentivo a produção de carne de cordeiro (Fresh American Lamb) e lã (American Wool), entre outros. Assim como ocorre em outros países, a ASI disponibiliza um programa de aumento de produtividade (LAMBPLAN), que auxilia o produtor nas tomadas de decisão quanto ao manejo reprodutivo do rebanho.
Associado a isto, existe um programa sanitário oficial bastante rigoroso, coordenado pelo USDA (Departamento Federal de Agricultura), que mantém o país livre de muitas doenças e atua no controle e erradicação de outras, com principal preocupação no controle do Scrapie, doença semelhante a vaca louca, que além de um programa federal obrigatório de controle e certificação das propriedades, conta com programas próprios em vários estados e é alvo de campanhas em exposições e feiras, jornais e programas de TV locais. Por trás de tudo isso, ainda existe uma eficiente rede de diagnóstico e troca de informações, formada por veterinários credenciados e laboratórios especializados, que realizam necropsias e todos os tipos de exames diagnósticos, com excelente estrutura e muito bem equipados. Todo animal que morre na propriedade deve ser comunicado e, quando necessário, encaminhado a necropsia e exames laboratoriais. Toda a movimentação de animais ou rebanhos também é rigorosamente acompanhada e todas as informações são transmitidas em tempo real através uma rede interligada diretamente ao USDA. A verminose, o foot rot (podridão dos cascos) e o ectima, são outras doenças comuns aos rebanhos e que apresentam as mesmas limitações existentes aqui no Brasil.
Para o escoamento da produção, centenas de pequenos abatedouros estão distribuídos por todo o país. Estes seguem todas as normas da legislação sanitária vigente e funcionam como prestadores de serviços ou comercializam regionalmente suas produções. Muitos produtores optam por terceirizar o abate nestes locais e comercializam diretamente na fazenda ou para restaurantes e supermercados. O abate para consumo próprio é permitido sem a necessidade de encaminhar ao frigorífico, porém também possui limitações e devem ser comunicados.
Existe ainda uma grande preocupação do governo federal na manutenção do homem no campo, de forma que o governo cobra menos impostos de quem produz e vive na propriedade e investe em programas de incentivo ao setor. Ao contrário do que muitos pensam, não existe um subsídio direto, como nos países europeus, e as taxas e impostos oneram bastante o setor primário norte-americano. Em 2009, a ASI realizou um grande censo nacional, publicado em abril de 2010, que é um raio X da ovinocultura americana. Os dados coletados mostram a importância desta na cultura e na economia do país e vão permitir que sejam tomadas as atitudes necessárias para uma possível correção de rumo desta atividade, atualmente em expansão. Algumas informações relevantes constam da tabela 2.
Tabela 2 - Dados da produção ovina dos EUA coletados no Censo realizado em 2009 (Fonte: USDA/ASI Survey 2009).
Cabe salientar que normalmente nas estatísticas apresentadas, é considerado somente o número de matrizes em produção e de reposição, ou seja, se um criador diz que possui 200 animais, está se referindo exclusivamente a esta categoria animal, ficando de fora os cordeiros e carneiros do rebanho. A ovinocultura norte-americana não é um modelo perfeito, mas nos apresenta claramente algumas idéias que podem ser facilmente implementadas no Brasil, assim como alternativas e exemplos que podem e devem ser seguidos. Muitas dessas idéias já estão há muito tempo na cabeça dos envolvidos com a cadeia e muitas vezes já apareceram no papel e em constantes fóruns de discussão, faltando torná-las realidade.
É importante lembrar que todo esse trabalho só é possível por que é realizado por pessoas sérias e baseados na confiança mútua, envolvendo diretamente todos os membros da cadeia produtiva, com participação ativa.
A matéria é de Eduardo Amato Bernhard, publicada no jornal da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (ARCO), adaptada pela Equipe FarmPoint.
Ivan Saul
São José dos Pinhais - Paraná - Produção de ovinos
postado em 05/11/2010
Caro Dr. Bernhard e colegas de FarmPoint.
Parabéns, em primeiro lugar, por trazer este instrutivo levantamento ao nosso fórum!
Gostaria de perguntar sobre a Tabela 1, ela se refere ao número de exemplares de cada raça ou ao número de criadores da raça?
Devo ressaltar, que a lã das ovelhas de carne não tem pouco valor para a indústria e sim para o produtor, fato que deve ser lembrado pelos brasileiros que "dão" a lã para o esquilador. Esta "Lã Capacho" - "Carpet" - sempre foi muito valorizada para a fabricação de tapetes e forrações resistentes ao fogo (obrigatórias na indústria aeronáutica e na automobilística de alguns países desenvolvidos), o ovinocultor é que nunca recebeu o preço justo por ela.
Que este seu artigo nos sirva de exemplo e orientação sobre o que copiar e, principalmente, o que "não copiar" da ovinocultura do grande irmão do norte.
Saudações ovelheiras!
Ivan Saul D.V.M., M.Sc.Vet, - Granja Po´A Porã, 05/nov/2010.