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Utilização de dejetos na geração de energia e preservação ambiental

Por Danilo Gusmão de Quadros , Renato Valladares e Ueliton Regis
postado em 11/06/2007

24 comentários
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Para os agricultores familiares são escassas as fontes energéticas para fins produtivos, cocção, resfriamento, aquecimento e iluminação. A lenha é fonte de calor comum para uso na cozinha, mas é um recurso natural que deve ser preservado. O desmatamento agrava a seca, a perda de solo por erosão e coloca em perigo a flora e a fauna do ecossistema. Além desses impactos negativos sobre o meio ambiente, a queima de lenha para uso doméstico causa graves problemas de saúde, principalmente em mulheres e crianças, que ficam expostas diariamente à fumaça.

Nesse sentido, o querosene como combustível de candeeiros, também agrava a poluição interna. A compra de gás de cozinha (GLP - Gás Liquefeito de Petróleo) representa um custo significativo no orçamento familiar e as pilhas são poluentes quando descartadas negligentemente. O manejo inadequado dos dejetos é grave problema, freqüentemente atuando como vetor de doenças, contaminando a água e o solo.

Já no cenário mundial, comunidade científica e população têm discutido a mudança do modelo energético mundial, de energia fóssil e nuclear para um sistema que inclua as energias renováveis, alternativas e limpas, pois o modelo político-energético balizado na interação entre crescimento e desenvolvimento insustentável desgastou-se devido às evidencias relacionadas às ações antrópicas, promovendo mudanças climáticas e o aquecimento global. O debate internacional está pautado pela necessidade de práticas sustentáveis de aproveitamento dos serviços da natureza e de medidas para conter as mudanças climáticas globais.

A utilização de biodigestores contribui para integração das atividades agropecuárias, aproveitando o esterco, o qual normalmente recebe pouco, ou nenhum, valor comercial, convertendo-o em duas bases para o desenvolvimento sustentável: energia renovável e adubo orgânico. Com isso, proporciona aumentos na produção agrícola e energia à transformação dos produtos, agregando valor, organizando a produção, aumentando a conservação e melhorando a logística de comercialização.

Biodigestor (Foto 1) é o local onde ocorre à fermentação dos dejetos, que pode ser um tanque revestido e coberto por manta impermeável de PVC, o qual, com exceção dos tubos de entrada e saída, é totalmente vedado, criando um ambiente anaeróbio (sem a presença de oxigênio).


Foto 1. Biodigestor contínuo com gasômetro em manta impermeável de baixo custo. Estação Experimental de Caraíbas - EBDA (Jaguarari - BA).

O processo de biodigestão anaeróbia é dependente da ação de bactérias, ocorrendo em três fases: hidrólise ou redução do tamanho das moléculas; produção de ácidos orgânicos e a produção de metano. O metano é o principal componente do biogás e não tem cheiro, cor, ou sabor, mas os outros gases presentes conferem-lhe ligeiro odor de ovo podre ou alho. O peso do metano é pouco mais que a metade do peso do ar. O poder calorífico do biogás é de 5000 a 6500 kcal/m3, equivalente a: 0,55 L de óleo diesel, 0,45 L de gás de cozinha, ou 1,5 kg de lenha.

O manejo do biodigestor é bem simples:

1. Os animais dormem presos. Diariamente, pela manhã, coleta-se o esterco das instalações, evitando trazer terra, pedra, palhas, paus e caroços;

2. Adicionar água na proporção de 100 kg esterco de caprino/ovino para 400-500 L água. Comparativamente a bovinos (100 L) e suínos (130 L), a quantidade de água adicionada para o esterco caprino/ovino é maior, devido ao teor mais alto de matéria seca.

3. Pré-tratamento: Após permanência por 24 h na água, agitação e esmagamento das cíbalas sobrenadantes;

3. Permitir entrada para o biodigestor;

4. Retirar e aplicar o biofertilizante diariamente nas áreas de produção de forragem, ou nas áreas de produção de alimentos, como hortas e pomares;

5. Utilizar o biogás diariamente para cozinhar, ligar motores geradores de energia elétrica, beneficiar alimentos como em casas de farinha, mini-usinas de pasteurização de leite, mini-fábricas de doces caseiros, na conservação de produtos lácteos e cárneos, secagem de frutas, entre outros.

Durante o ano de 2006 e início de 2007 foi realizado o monitoramento de um biodigestor contínuo com gasômetro em manta impermeável, instalado na Estação Experimental de Caraíbas, da EBDA, em Pilar, Município de Jaguararí, no semi-árido baiano. Com o tratamento adequado, constatou-se que o poder poluente dos dejetos foi reduzido significativamente.

Microbiologicamente, a eficiência de remoção de coliformes totais e fecais foi acima de 98%. Os ovos dos principais endoparasitos, maior problema sanitário do rebanho, foram eliminados com o tratamento. A produção de biogás foi de 6,1 m3 de biogás/100 kg de esterco. O biogás apresentou em sua composição: metano (58%), gás carbônico (34%) e, em menor proporção, outros gases (8%), com bom poder calorífico.

O biofertilizante (pH 7,5) foi boa fonte de nutrientes, principalmente de nitrogênio (64g/100L, 80% na forma amoniacal) e potássio (214 g/100L), proporcionando aumentos na produção do capim-elefante, com pequenas alterações na composição bromatológica, digestibilidade e teor de minerais.

Com base nos resultados obtidos, considerando a produção diária de esterco de 50 kg (100 animais presos à noite), resultaria em 3,0 m3 de biogás/dia, ou 91,9 m3/mês, equivalente a 2,8 botijões de GLP por mês (33m3 biogás = 1 botijão de 13 kg de GLP) ou 33,9 botijões/ano. Caso a produção de biogás fosse convertida em eletricidade (5,5 kWh/m3 biogás), resultaria em 505 kWh/mês, correspondente a R$ 267 (R$ 0,53/kWh), ou 6.151 kWh/ano, R$ 3.260.

Se o valor de cada botijão de GLP é R$ 33, a produção anual de biogás corresponderia a R$ 1.118. A produção diária de 250L de biofertilizante forneceria anualmente quantidades de nutrientes equivalentes a 291 kg a sulfato de amônio, 35 kg de superfosfato simples e 404 kg de cloreto de potássio.

Para se ter uma idéia do benefício que o aproveitamento dos dejetos de animais pode trazer, observando o efetivo de 17.139.734 de caprinos e ovinos do nordeste brasileiro, produzindo individualmente 0,5 kg esterco, somente preso à noite, geraria 3.128.002 toneladas/ano. Se adequadamente manejado, produziria enorme quantidade de biogás, equivalente a 1032 GWh, suficiente para abastecer 430.100 residências anualmente, consumindo média de 200 kWh/mês.

No mesmo sentido, a produção de biofertilizante seria equivalente a 18, 2,0 e 25 mil toneladas/ano de sulfato de amônio, superfosfato simples e cloreto de potássio, respectivamente, englobando o N, P e K.

Em novembro de 2006, um biodigestor contínuo com gasômetro em manta impermeável de PVC, dimensionado para 50 animais, foi instalado em Cacimba do Silva (Juazeiro-BA) para validação da tecnologia na agricultura familiar do semi-árido, servindo de modelo para outras comunidades rurais (Foto 2), fruto da parceria da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Instituto Winrock International (ONG), Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e United States Agency for International Development (USAID).

Essa iniciativa foi parte do projeto "Biodigestão de dejetos da caprino-ovinocultura na agricultura familiar", ação direcionada do Provicapri-Programa de Ovino-caprinocultura da Bahia e do Programa Renova Bahia - Programa de Energia Renovável da Bahia, que têm estudado e divulgado os benefícios do biodigestor como mecanismo de desenvolvimento limpo e inovação tecnológica no sertão nordestino, para combate a pobreza e a fome.


Foto 2. Instalação do biodigestor em Cacimba do Silva (Juazeiro - BA)

O biodigestor tem beneficiado a comunidade de diversas formas, nos aspectos econômicos, sociais e ambientais, como as que seguem (Fotos 3 a 7):

• Diminuição da exclusão energética, pela geração de biogás, energia renovável e limpa, reduzindo a dependência de programas sociais. O biogás está sendo utilizado no processamento do leite de cabra e doces de frutas, mas também pode ser utilizado como combustível em motores geradores de eletricidade;
Atenuação da exclusão alimentar, pelo aumento da produção de alimentos para as pessoas e os animais, com a aplicação de biofertilizante, adubo de alta qualidade resultante da biodigestão dos dejetos, nas hortas e pomares comunitários, bem como na área de palma forrageira, leucena e capim-Tifton-85, com contribuição marcante para segurança alimentar, nos aspectos quantitativos e qualitativos;

Diminuição na emissão dos gases promotores do efeito estufa (GEE), visando o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono no estado da Bahia (base da proposta do Programa Renova Bahia, para atrair o capital de empresas privadas para financiar ampla replicação dessa tecnologia limpa), promovendo pioneiramente o selo socio-ambiental. O metano é 23 vezes mais potente para o aquecimento global do que o gás carbônico. A queima do metano reduz os danos, gerando crédito de carbono. Contudo, numa visão mais ampla, deve ser considerado, por exemplo, os benefícios na redução do uso de lenha, queima de querosene, ou na produção e transporte do GLP;

Capacitação técnica dos agricultores familiares, com conceitos agroecológicos e sustentáveis da produção agrícola;

Agregação de valor, diversificação, melhoria da logística e conservação dos produtos tradicionais da agricultura familiar, pela pasteurização e processamento do leite de cabra para manufatura de queijo, doces pastoso e tipo "cocada", iogurte sabor morango, licor sabores morango e chocolate, doces de frutas nativas (umbu) e exóticas (goiaba, mamão), que antes eram desperdiçadas, agora contribuem para renda, somando a média mensal de 1 salário mínimo por família beneficiada;

Promoção do desenvolvimento rural sustentável, com a redução das despesas domésticas. A utilização do biogás reduziu o custo de aquisição de GLP, incluídos produto, transporte e armazenagem. Não houve mais necessidade de corte e queima de lenha, portanto contribuiu para conservação da biodiversidade O biofertilizante tem sido utilizado no controle pragas e doenças das culturas agrícolas;

Melhoria das condições de higiene para os animais e as pessoas: a limpeza diária das instalações para recolher o esterco diminuiu a mortalidade dos animais, a contaminação do ambiente por microrganismos nocivos e a proliferação de moscas, conseqüentemente aumentou a produção do leite, o ganho de peso e melhorou a qualidade dos produtos. O aproveitamento dos dejetos reduziu a contaminação de águas subterrâneas e superficiais.


Foto 3. Capim-Tifton-85 adubado com biofertilizante


Foto 4. Uso do biofertilizante na horta comunitária


Foto 5. Biogás utilizado no processamento do leite de cabra, diversificando os produtos, agregando valor, melhorando logística


Foto 6. Biogás como combustível de motor gerador de eletricidade, na EBDA, em Jaguarari - BA.

O biodigestor, como ferramenta tecnológica de desenvolvimento sustentável, apresentou alto potencial de replicação na agricultura familiar, pois tem alta relação benefício/custo com a geração de biogás, contribuindo diretamente para melhoria da qualidade de vida das pessoas, que, com maior renda, ficam menos dependentes de programas sociais. Além disso, indubitavelmente, resulta na produção de adubo orgânico com alta qualidade intrínseca, fornecendo o suporte para a segurança alimentar da população mais carente que vive no campo, introduzindo na dieta alimentos diversificados, com alto valor biológico, tanto de origem vegetal, quanto animal.

Sendo assim, somam-se esforços no intuito de difundir a tecnologia, por meios de financiamento, sejam reembolsáveis, ou fundo perdido em condições de extrema pobreza, podendo se constituir na revolução energética no campo. Mais pesquisas devem ser realizadas, fornecendo suporte técnico-científico à montagem de novas unidades demonstrativas em comunidades rurais, diversificando o uso do biogás e biofertilizante conforme as necessidades.

Saiba mais sobre os autores desse conteúdo

Danilo Gusmão de Quadros    Salvador - Bahia

Pesquisa/ensino

Renato Valladares    Castelo do Piauí - Piauí

Instituições governamentais

Ueliton Regis    Cachoeira Alta - Goiás

Produção de caprinos de corte

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Comentários

Walter Pinheiro Granja

Fortaleza - Ceará - Produção de leite
postado em 11/06/2007

Excelente matéria. Bastante esclarecedor e estimulante. Não sei o porque dos biodigestores serem tão pouco utilizados. Tenho uma fazenda no Ceará, onde dormem presos em torno de 800 ovinos. Tenho a pretenção de construir biodigestores para um melhor aproveitamento do esterco, com produção de biogás e biofertilizantes. No entanto, como não tenho muito conhecimento sobre o assunto e ainda ser novo no ramo, gostaria de um projeto detalhado e bem dimensionado, com acompanhamento técnico.

Resposta do autor:
Prezado Walter,
Agradeço suas considerações. A resposta da pequena utilização de biodigestores pode estar na pequena difusão de informação sobre o assunto. É isso que estamos fazendo, gerando tecnologia, validando-a com base em estudos científicos, quantificando e divulgando os benefícios econômicos, sociais e ambientais. Com esse propósito, está em fase final de preparo um livro + DVD sobre o tema, que estaremos divulgando ao lançamento, ainda sem data definida, que tratará da instalação e manejo de biodigestores tipo canadense(conhecido também como da marinha), utilização do biogás e aplicação do biofertilizante.

Creio que o Sr. está no caminho certo para adoção dessa tecnologia,ou seja, buscando informação e assistência técnica qualificada, com antecedência, para realização do projeto, planejamento, capacitação e monitoramento. Levando em consideração a quantidade de animais, creio na possibilidade de grande resultado econômico. Posso indicar equipe qualificada para atender e superar suas expectativas.

Luís Roberto Villela Santos

Ituiutaba - Minas Gerais - odontólogo/produtor de leite
postado em 14/06/2007

Na verdade, gostaria de algumas informaçoes:

- Existe alguma ONG que instale o Biodigestor em troca do crédito de carbono por um período de tempo?

- Para 3.000 ovelhas, quanto de energia elétrica seria produzindo e em termos práticos o que significa? daria para que? iluminação? mais o que?

- Com quantos dias depois que abastecemos o biodigestor podemos fazer a fértil irrigação?

Obrigado

Resposta do autor
Sr. Luís Roberto, podem participar de uma atividade de projeto do MDL as chamadas Partes
Anexo I, Partes Não Anexo I ou entidades públicas e privadas dessas Partes, desde que por elas devidamente autorizadas. Atividades de projeto do MDL podem ser implementadas por meio de parcerias com o setor público ou privado. O setor privado tem grande oportunidade de participação, pois o potencial para reduzir emissões nesse setor é significativo. Além disso, é receptor de fluxos crescentes de investimentos que podem ser destinados a atividades de projeto do MDL, que é um mecanismo de mercado concebido para ter sua ativa participação. As quantidades relativas a reduções de emissão de gases de efeito estufa e/ou remoções de CO2 atribuídas a uma atividade de projeto resultam em Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), medidas em tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente.

Em relação ao potencial de 3000 ovelhas, objetivando a produção de biogás para geração de eletricidade, será necessário maiores informações a respeito componentes zootécnicos do seu sistema de produção e quantificações de ordem práticas. Contudo, com base nos nossos etudos poderia gerar de 400-500 kWh/dia. A energia elétrica gerada pelo conjunto motor-gerador pode ser utilizada para os mesmos fins que a eletricidade da sua residência. O biogpas pode ser utilizado como combustível de conjunto moto-bomba, facilitando a irrigação. A capacidade de geração depende da potência desses conjuntos. A respeito do tempo de retenção do material, o biodigestor que estamos trabalhando é do modelo canadense, também conhecido como da marinha, de alimentação contínua, ou seja, diariamente recebe a carga.

O tempo de retenção estimado é em 45 dias para caprinos e ovinos. O biofertilizante pode ser utilizado logo após a saída (que ocorre simultaneamente à carga), ou armazenado sem problemas, pois não há mal cheiro ou proliferação de moscas.

Rui Barbosa Ferrão

Paineiras - Minas Gerais - Pesquisa/ensino
postado em 14/06/2007

Excelente matéria! Nossa escola está tentando desenvolver um projeto, para difundir o uso do bio digestor na região.

Resposta do autor
Prezado Sr. Rui, excelente a iniciativa de divulgação de energias renováveis na escola! Creio que o público jovem, no trabalho com educação, é significativo para formação de mentalidades que favoreçam o desenvolvimento sustentável, nos âmbitos: humano, cultural, ambiental e econômico.

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