Alexandre L. Mendonça de Barros é engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo - ESALQ/USP e Doutor em Economia Aplicada na mesma Instituição. Foi professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP, nas áreas de Macroeconomia, Desenvolvimento Econômico e Economia Agrícola, de 2000 a 2004. Atualmente, é professor de Economia Agrícola e Desenvolvimento Econômico na FGV - Fundação Getúlio Vargas desde 2005. Membro do Conselho de Administração do Grupo Schoenmaker, integrou-se ao corpo técnico da MB Agro em 1994 e hoje é um dos principais conhecedores do agronegócio brasileiro No evento Leite Competitivo, realizado pela AgriPoint em início de fevereiro, ele proferiu uma esclarecedora palestra sobre os impactos do crescimento da agroenergia na economia mundial e brasileira, os possíveis efeitos na produção animal no Brasil e como diminuir os riscos associados a essa questão. Confira abaixo o resumo da palestra, que poderá ser assistida online clicando-se aqui.
AgriPoint: Como o Sr. Analisa o impacto do crescimento da agroenergia na economia global?
Alexandre L. Mendonça de Barros: Acredito que estamos vivendo um momento de profunda transformação. A economia agrícola mundial está em mudança. Deverá existir o "antes" e o "depois" desse momento. Está mudando a relação de preços na agricultura e pelo menos neste ano e no próximo, será difícil a conta de oferta e demanda de grãos fechar.
Para se ter uma idéia, a demanda por biocombustíveis neste ano nos EUA vai consumir 54 milhões de toneladas de milho, volume significativo e que deverá pressionar a área de produção de grãos, visto que a área agrícola americana não pode expandir, pois está praticamente inteira ocupada.
Portanto, estamos verificando no mundo uma nova demanda, ainda desconhecida. Qual o tamanho disso, qual a soma de todos os projetos de biocombustíveis que está se formando no mundo, com impacto sobre a produção de alimentos?
AGP: Qual a consequência para o mercado mundial de milho?
ALMB: No caso dos Estados Unidos, vai cair fortemente a capacidade dos americanos de exportarem, porque uma grande parte da produção americana será absorvida pela demanda interna que estão introduzindo com a produção de etanol.
Em função da demanda de etanol anunciada nos Estados Unidos, o mercado de milho explodiu nos últimos três meses, e o que se ouve falar é que, dependendo das condições das lavouras e de colheita nos EUA, os preços podem subir ainda mais no mercado internacional. Já se fala em inviabilidade da produção de aves nos EUA em função do preço do milho, o que mostra que a agroenergia perturbou o sistema de produção americano.
Eles [EUA] irão produzir nesta safra o mesmo volume de etanol que o Brasil, praticamente 17 bilhões de litros. As projeções indicam que eles devem chegar na casa dos 34 bilhões de litros daqui a três anos. Para se ter uma noção, esses 17 bilhões de litros demandam 54 milhões de toneladas de milho. Se chegarem a 34 bilhões de litros, vão precisar de 100 milhões de toneladas de milho (1/3 da produção americana).
Se entendermos que a área americana está restrita, algum outro lugar do mundo vai produzir para abastecer essa nova demanda. Se há restrição de área nas principais regiões produtoras do mundo, sobra para quem tem capacidade de expansão.
AGP: O que o Brasil pode esperar como conseqüência?
ALMB: Primeiro, vai haver uma pressão sobre a demanda de grãos, o que já está acontecendo neste momento, e deve se acentuar nos anos que virão. O Brasil, entretanto, pode se tornar um exportador, não eventual, mas sim estrutural de milho, ou seja, ocupar um espaço que os americanos tinham no mercado.
O custo de produção de carnes tende a subir fortemente, e os Estados Unidos devem reduzir suas exportações de milho e de frango.
Como deve haver uma maior substituição da área de produção americana de soja e pecuária por milho - já se acompanha essa tendência através do mercado de fertilizantes -, para suprir a demanda daquele país, os EUA devem reduzir a área de soja e a oferta de carnes e leite. Isso abre espaço para o Brasil expandir a produção e exportação desses itens.
Questões de logística e questões sanitárias vão aumentar em relevância e isso vai ser definitivo para nos engajarmos nas oportunidades que o mercado internacional está dando.
AGP: O que pode mudar no sistema de produção brasileiro?
ALMB: Como a nossa área disponível é muito grande, temos a capacidade de transferir área agrícola para pasto e vice-versa, o que não existe em outro lugar.
Como a maior parte do rebanho bovino é nutrida a pasto, quando ocorre um aumento no preço do grão, há condições para se acomodar o sistema produtivo muito melhor do que em outros países desenvolvidos, em que a maior parte da produção é por confinamento. Aqui há uma flexibilidade de sistemas.
O Brasil está criando um sistema de produção indefinido ainda. Não temos muita clareza, não se sabe exatamente o mapa da produção brasileira. No entanto, observa-se uma coisa nova no mundo, que são as integrações lavoura-pecuária do Centro-Oeste. O país tem várias cadeias produtivas completas, o que o torna o maior exportador de vários produtos agropecuários.
AGP: Com essa internacionalização, o que poderia acontecer com os preços no Brasil?
ALMB: Com o crescimento das exportações do agronegócio brasileiro, o processo da formação de preços no mercado interno vai cada vez mais ser influenciado pelo que está acontecendo no mercado internacional. E isso é uma realidade que não temos como voltar atrás.
AGP: Com relação ao avanço da cultura da cana no Brasil, quais são as perspectivas de mudanças no país?
ALMB: Estima-se uma expansão da produção da cana para 10 ou 12 milhões de hectares, contra os 6 milhões atuais num raio que vai circundar SP, MS, GO, MG, PR. É visível a concentração de usinas em São Paulo em virtude da tecnologia, logística exportadora, porque está perto do mercado consumidor etc., mas em virtude da concorrência por matéria-prima nesse entorno, a cultura deverá se expandir para outros estados.
AGP: Até que ponto isso é uma concorrência de fato, ou até que ponto isso vai forçar uma elevação da produtividade do sistema e o sistema vai se integrar?
ALMB: Se analisarmos o que vem ocorrendo com a pecuária de corte em todo o Brasil, e acredito que também na pecuária de leite, a resposta é que a produtividade está aumentando graças à sinergia que os sistemas vão permitindo. O sistema de integração lavoura-pecuária, apesar das dificuldades, possui muitas formas de aproveitar ao máximo de sinergia entre os dois sistemas, e acho que não nos demos conta do potencial que isso tem, tanto do ponto de vista agronômico quanto do econômico, principalmente. Se é verdade que existem muitas oportunidades para o Brasil em termos de expansão, também é verdade, e os últimos anos têm nos mostrado isso, que produzir no Brasil é um grande risco. E integração entre sistemas de produção consiste numa forma interessante de diluição de risco.
AGP: Quais são os principais riscos produção no Brasil?
AGP: São os de produtividade (quebra de safra - muito alto em lavouras anuais, baixo em pecuária extensiva e cana-de-açúcar, e vai ficando mais alto quando se intensifica a produção).
Além disso, há o risco de preços - de insumos e do produto. À medida que se intensifica a produção, o risco fica maior. No Brasil, também há o risco da oscilação do câmbio, que é maior quanto maior for a distância entre o custo e a receita, isto é, entre o momento em que foi feito o desembolso e a venda. Essa é uma virtude do leite, porque nessa atividade a distância é menor se comparada à outras.
O risco sanitário também é brutal. É ainda pequeno no leite porque exportamos pouco, mas se estivermos certos de que o Brasil terá uma integração maior no mercado mundial de leite, esse risco vai ter maior relevância para o setor.
Como forma de olhar no potencial de sinergia e no potencial de redução de risco, deveríamos contemplar esses quatro elementos.
AGP: Diversificar é uma forma de reduzir os riscos?
ALMB: Sim, a diversificação é uma estratégia de redução de risco. Por exemplo, se o preço de uma está ruim, há a outra que poderá compensar. No entanto, há perdas em escala. A decisão de se diversificar ou não é difícil, pois para se ter eficiência é preciso um mínimo de escala. Outra forma ainda é o seguro agrícola, mas lamentavelmente não temos no Brasil.
A outra forma de redução do risco é a troca de produto por insumo, e isso é muito comum especialmente no Cerrado, diluindo o risco com a oscilação de preços. Isso cresce no Brasil e crescerá principalmente quando a taxa de juros abaixar mais, que já está caindo. No caso de cana, o sistema de preços que foi desenvolvido com contrato é um sistema genial do ponto de vista de diluição de risco.
Para risco de preços, os instrumentos clássicos para lidar com isso são o mercado futuro, com opções etc., o que não existe em leite, mas existe hoje em açúcar e álcool, em boi. Porém, o mercado futuro é um mecanismo difícil, que tem custo e risco. Acredito mais no mercado de opções, que deve se desenvolver firme no Brasil.
AGP: Olhando um pouco para cana e leite, quais as virtudes do ponto de vista de risco e quais as desvantagens desse sistema?
ALMB: Quanto ao risco de produtividade, tanto a cana como o leite têm riscos médios. Em relação ao risco de preços, é evidente que o leite tem um risco alto porque a participação do insumo ração é muito alta no resultado da atividade, porém, depende evidentemente do sistema de produção. Aumentando a produtividade o preço da ração começa a pesar, e então se está sujeito à volatilidade de preços.
A cana-de-açúcar, por sua vez, é uma cultura de baixo risco de preço e de custo. Se aumenta o preço do fertilizante, do diesel etc - normalmente produtos atrelados ao preço do petróleo - e se é verdade que o etanol estará atrelado ao preço do petróleo - tem-se uma trava natural do sistema. Então, se sobe o custo de produção, o produtor de cana também estará defendido no ponto de vista de sua receita. E além disso, o custo pós-colheita é razoavelmente modesto.
A demanda por etanol estimulou um aumento dos preços do milho, que, por sua vez, encareceu a ração e acabou afetando o a rentabilidade da atividade leiteira. Para cana, isso não acontece. E se o milho continuar importante para a produção de agroenergia, isso seguirá verdadeiro. Produzindo cana e leite, tem-se uma proteção de um dos lados, pelo menos.
O risco sanitário existe no caso de leite, embora modesto, e não existe para cana.
Porém, a cana tem uma desvantagem, que é o risco da variação cambial, já que a distância entre custo e renda é grande. Pode acontecer de se plantar com câmbio desvalorizado e colher com câmbio mais valorizado, o que expõe um risco de perda de capital não desprezível.
AGP: O leite pode ser competitivo em relação a cana?
ALMB: A produção leiteira pode ser bastante competitiva em relação à cana. A melhor forma que vejo, porém, é a sinergia das duas atividades. O mercado vai nos permitir estar nesses dois negócios, e muito bem posicionados. Apenas uma observação, talvez aplicável a cana: as euforias acabam. A oferta aumenta e os preços caem.
Paulo Fernando Andrade Correa da Silva
São José dos Campos - São Paulo - Produção de leite
postado em 15/03/2007
A palestra do Prof. Alexandre Mendonça de Barros no Seminário de São José do Rio Preto foi uma excelente oportunidade para nós, produtores de leite, nos informarmos sobre os desafios atuais da atividade.
Parabéns ao Professor Alexandre e ao MilkPoint pela relização desta palestra.