Luiz Fernando Gottardi é engenheiro agrônomo e há mais de 20 anos dedica-se a ovinocultura. É proprietário da Cabanha Araçá, em Araçatuba, onde cria ovinos da raça Suffolk. Atualmente atua também como responsável pelo projeto de produção de cordeiros da Risington Brasil, empresa detentora da tecnologia genética das raças Highlander e Primera.
FarmPoint: Você poderia nos dar uma breve explicação de qual é o objetivo do trabalho que a Rissington Brasil está desenvolvendo?
Gottardi: O projeto surgiu de uma necessidade de produzir um cordeiro com qualidade superior, em quantidade para atender o mercado interno, e com padronização. Hoje, no Brasil, não há um padrão entre as ovelhas, não se sabe os objetivos entre os cruzamentos. Por isso, montamos um programa que tem começo, meio e fim, trazendo genética neozelandesa, selecionada para produção de carne, e trabalhando em larga escala para garantir constância de fornecimento.
O produtor que desejar entrar nesse programa pode ter qualquer base de ovelha, mas estará usando a genética do programa, assinada por contrato, em cruzamentos absorventes até que se padronize a raça preconizada.
O objetivo do programa é formar um grande rebanho com a raça materna, e por isso temos que trabalhar com integração entre produtores, para atingir escala que pretendemos. A integração não é fechada, de modo que os integrados serão livres para comercializar os cordeiros onde conseguirem o melhor preço.
A vantagem mais importante desse trabalho é a genética, com a utilização dos compostos raciais Primera e Highlander, da mais alta tecnologia mundial em termos de produção de cordeiros. Essas raças não passam por julgamentos em pistas de exposição, leilões, nada disso. São selecionadas única e exclusivamente para a produção de cordeiros.
FarmPoint: Como funciona a estrutura administrativa do programa?
Gottardi: O programa possui 3 tipos de produtores, os Núcleos Genéticos Associados (NGA's), os multiplicadores, e os terminadores.
Os NGA's são responsáveis por produzirem os animais puros para fornecerem genética aos multiplicadores. São eles que recebem os embriões e sêmen da NZ. O projeto conta com 3 NGA's de Highlander e 1 NGA de Primera. Dessa forma, fica mais fácil de controlar a dispersão da genética, pois são poucas as pessoas que trabalham com ela.
Os multiplicadores serão responsáveis pela produção de matrizes Highlander para o cruzamento. Vão adquirir reprodutores Highlander, que utilizarão em seus rebanhos base para o cruzamento absorvente. Todas as fêmeas filhas desse cruzamento ficam na fazenda para serem cruzadas novamente com Hilander e assim por diante.
Acredito que as F3 (ou seja, a terceira geração do cruzamento absorvente, grau de sangue 7/8 Highlander) já poderão servir de matrizes para o projeto, apresentando muitas características do Hilander e já bastante adaptadas.
Os terminadores por sua vez, comprarão as fêmeas Hilander de um multiplicador e o macho Primera de um NGA. Toda a produção (F1) desse cruzamento é abatida, tanto machos quanto fêmeas, para se aproveitar o animal com máximo vigor híbrido (6 raças diferentes).
A única responsabilidade dos integrados é com a comercialização da genética, que deve ser totalmente controlada pela Rissington Brasil. A comercialização só pode acontecer entre os integrados do programa. Esse controle impedirá que produtores sem orientação trabalhem com essa genética e corram o risco de não atingirem resultados satisfatórios. Além disso, é uma forma de proteção do trabalho de muitos anos de seleção na Nova Zelândia.
FarmPoint: Quais os diferenciais que as raças escolhidas tem em relação às raças brasileiras? Porque não fazer uma heterose máxima com raças já existentes no Brasil?
Gottardi: Nós até poderíamos cruzar as raças brasileiras buscando heterose, como eu venho fazendo com meus animais Sufollk. Mas o que nós estamos trazendo não é um cruzamento e sim um composto racial, com mais de 20 anos de seleção. Durante todo esse tempo foi feito um trabalho de seleção na Nova Zelândia que nós não temos condições de fazer no Brasil, por falta de respaldo de instituições de pesquisa e governamentais.
A NZ está a mais de 40 anos na nossa frente em termos de tecnologia em ovinocultura. As poucas tecnologias que temos aqui são muito caras, o que inviabiliza sua aplicação rotineira, mesmo em projetos de seleção. Nós não temos respaldo tecnológico no Brasil para se iniciar um programa de seleção do zero.
FarmPoint: Você acredita que essas raças vão se desenvolver aqui da mesma forma que na NZ, mesmo com as diferenças no ambiente?
Gottardi: Acredito que isso não será um problema, principalmente porque estamos importando o embrião, que vai nascer e se desenvolver já em nosso ambiente. Se os animais viessem vivos, poderíamos enfrentar essa dificuldade. Inclusive os animais puros que nasceram aqui, e já estão com 18 meses, estão se desenvolvendo muito bem, de forma muito similar aos animais na NZ.
Além disso, os animais estão sendo cruzados com rebanho base brasileiro, totalmente adaptado, o que facilita a adaptação dos produtos dos cruzamentos absorventes.
FarmPoint: Quais são as características buscadas nos programas de melhoramento genético neozelandeses?
Gottardi: Vou lhe contar o que eu observei na Nova Zelândia, nos programas da Rissington.
No Primera, todos os anos são colocadas 50.000 ovelhas, devidamente identificadas com chip, e com exame de DNA, com os reprodutores (na taxa de 1 carneiro para cada 100 ovelhas). Após a parição, durante a prática do corte da cauda dos cordeiros, é realizada a coleta de sangue e o exame de DNA nas crias. Quando esses cordeiros são abatidos, as carcaças são classificadas e os cortes são medidos.
Com essas informações, os animais são avaliados em qualidade de carcaça, rendimento de carcaça e rendimento de cortes nobres. Por meio do exame de DNA, os reprodutores são classificados de acordo com o rendimento de seus filhos e os 2% superiores são utilizados para a coleta de sêmen.
No Highlander, as 50.000 borregas entram em estação de monta com 8 meses. As que emprenharem de apenas um cordeiro, já não voltam à monta na estação seguinte. As que emprenharem de gêmeos mas perderem uma das crias, também são eliminadas do programa pois não têm habilidade materna desejável. Só continuam no programa as fêmeas que desmamarem dois cordeiros.
A taxa média de desmame do Highlander na NZ é de 160%, sobre o total determinado pelo diagnóstico de prenhês feito com ultrassom. Ou seja, essa taxa leva em conta abortos e cordeiros que já nascem mortos.
Como o país está com o rebanho estabilizado e não almeja, e nem poderia, aumentar o rebanho, eles podem se dar ao luxo de aumentar a pressão de seleção e com isso crescer em produtividade.
Na Nova Zelândia, se uma ovelha apresentar problemas, como verminose, problemas de casco não se gasta muito dinheiro com tratamento, o animal é eliminado do rebanho para não transmitir aos outros e gerar mais gastos.
FarmPoint: Como a Nova Zelândia está participando do programa?
Gottardi: A Rissington Breedline é a empresa líder de melhoramento genético ovino na Nova Zelândia. Eles são nossos sócios e estão nos fornecendo a genética Hilander e Primera. Nós temos um contrato com a empresa que determina que 1% da melhor genética deles, de um programa que já tem mais de 1.300.000 ovinos na Nova Zelândia e que cresce numa velocidade muito grande, venha para o Brasil. Além disso, os representantes neozelandeses são muito participativos, visitam as propriedades daqui, participam dos dias de campo, dão palpites, dicas.
FarmPoint: Quais os números atuais do projeto? Qual é o objetivo?
Gottardi: O objetivo do projeto é chegar em 1.000.000 de cordeiros em 10 anos, para atingir não somente o mercado interno como também partir para exportação. Nessa primeira etapa do projeto, teremos 20.000 cordeiros nascidos até o final do ano.
FarmPoint: Qual será o preço das matrizes Hilander que os multiplicadores venderão aos terminadores?
Gottardi: Nós ainda não temos essa informação justamente porque ainda não temos fêmeas Highlander para serem comercializadas. Esse preço vai depender, como todos os outros, do mercado. Com certeza o animal terá o valor agregado da genética para produção, mas será um preço cabível dentro de qualquer planilha de custos que dê lucro ao produtor.
Não estamos pensando em preços de animais de exposição. Estamos trabalhando sempre com planilhas reais de custo de produção. O preço será o meio termo que satisfaça o NGA, o multiplicador e o terminador, pois se não houver uma cadeia em que todos os elos estejam satisfeitos e algum deles parar, toda a cadeia se desestrutura.
FarmPoint: De que forma você enxerga essa iniciativa no contexto da ovinocultura no Brasil?
Gottardi: No Brasil, a maioria dos ovinocultores têm outra atividade principal. Podemos contar no dedo as pessoas que realmente vivem da ovinocultura. Apesar do grande número de pessoas entrando na atividade, muitos entram de qualquer jeito, e assim, saem de qualquer jeito também, não duram muito tempo na atividade.
O objetivo de nosso projeto é não cometer esse erro. Quando um produtor quer entrar no grupo, a primeira coisa que faço é explicar o programa, envio dados, prospectos para ele ter certeza daonde está entrando. Depois visitamos sua fazenda, analisamos o perfil do criador, sua estrutura, assistência técnica, fazemos um planejamento para enquadrar cada um da melhor maneira possível e com isso evitar problemas futuros.
FarmPoint: Como o Marfrig entra nessa parceria?
Gottardi: O Marfrig é o elo de comercialização dessa parceria. De nada adiantaria montarmos um projeto com essas proporções se não tivéssemos para quem comercializar. O Marfrig é quem está nos dando apoio, divulgando, é um dos sócios da empresa também.
É hoje o maior importador e distribuidor de cordeiros do Brasil e toda a produção comercializada é proveniente do Uruguai. Com o passar do tempo, pretende-se substituir a carne uruguaia pela produzida no projeto da Rissington, que com certeza terá maior qualidade.
O Marfrig sempre terá a preferência de compra dos cordeiros, em uma situação de preços equivalentes. Entretanto, se o Marfrig não cobrir a oferta de outro frigorífico, o terminador é livre para comercializar com outros.
FarmPoint: Como está a distribuição geográfica dos associados pelo país?
Gottardi: Hoje temos associados em São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. A idéia é começar o trabalho nesses cinco estados, e numa fase posterior do projeto se estender a outros estados.
Mário Sérgio Wanderley
Penápolis - São Paulo - Bovinos e ovinos
postado em 11/09/2006
Excelente entrevista! Quem participa do programa ou, de alguma forma, acompanha o desenvolvimento da ovinocultura no interior de São Paulo sabe que o Gottardi é o produtor talhado para coordenar um projeto dessa envergadura.
Tudo leva a crer que esse programa oferece reais vantagens aos produtores de cordeiros (os ovinocultores de corte). Isso é fundamental para que a atividade consiga ampliar-se no Brasil, crescendo além dos habituais nichos de criadores de raças, para dar conta de abastecer esse imenso mercado com carne de cordeiro produzida em nosso país.