"Os mercados agrícolas estão bastante nervosos", afirmou Sudakshina Unnikrishnan, analista do Barclays Capital em Londres. "Não estamos no ambiente confortável de excedente de alimentos das décadas de 1980 e 1990".
A cotação internacional do farelo de soja, largamente usado em rações de frangos e suínos, por exemplo, ultrapassou US$ 405 a tonelada, nível só testemunhado por um curto período em 1973 e durante quatro semanas no auge da alta de preços do ano passado. A valorização levou o preço do frango pré-cozido nos EUA ao patamar mais elevado em uma década.
Traders dizem que os fundos de hedge e outros investidores institucionais de grande porte, incluindo fundos soberanos do Oriente Médio, voltaram a despejar recursos no mercado agrícola, ajudando a impulsionar os preços das commodities em meio ao enfraquecimento do dólar americano.
Uma repetição da crise dos alimentos do ano passado, quando preços em forte ascensão desencadearam distúrbios em alguns países, porém, parece improvável. Mesmo depois do salto deste ano, os preços da soja e milho permanecem cerca de 20% abaixo dos picos de meados do ano passado. O arroz está sendo comercializado a US$ 550 a tonelada, bem abaixo de sua máxima do ano passado, que superou US$ 1 mil. Os preços das carnes bovina e suína e do leite seguem deprimidos, o que ajuda a limitar o potencial de alta nos custos gerais dos alimentos.
A FAO, braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação, demonstra relativo otimismo ao afirmar que, "excetuando grandes reveses no cultivo (...), a economia alimentar parece menos vulnerável" a um aumento repentino nos preços. "Apesar de ganhos robustos nos meses recentes, os preços internacionais da maioria das commodities agrícolas estão abaixo dos auges de 2008, em uma indicação de que muitos mercados estão retornando lentamente ao equilíbrio", disse a instituição.
Analistas do setor privado e executivos do setor, porém, estão menos despreocupados. Em um de seus raros comentários públicos, Christopher Mahoney, diretor da Glencore Grain, com sede em Roterdã (Holanda), alertou na semana passada que o abastecimento de algumas commodities agrícolas, como milho e soja, estava "bem apertado". Lewis Hagedorn, analista do JP Morgan em Nova York, avalia que a situação é de ansiedade, mas ainda não de alarme.
A preocupação imediata é a soja, por seu uso como alimento, mas, sobretudo, por causa das rações animais. O robusto consumo chinês, à medida que a dieta do país passa do consumo de vegetais para a carne, e a quebra da safra na Argentina, o terceiro maior país exportador do mundo, geraram uma pressão extraordinária sobre o abastecimento dos EUA, remetendo os estoques ao seu mais baixo nível em 40 anos.
Olhando para a safra 2009/10 (em fase de plantio no Hemisfério Norte), especialistas temem uma queda na produção de cereais - de milho e, em menor extensão, de trigo - à medida que os agricultores reduzem sua área plantada em resposta aos baixos preços do fim do ano passado, aos custos mais elevados para insumos como fertilizantes e pesticidas e às dificuldades para obter financiamento em alguns países. A produção em países como Ucrânia e Brasil caiu porque os produtores tiveram menos acesso a crédito.
O Conselho Internacional de Grãos (IGC, na sigla em inglês), uma organização intergovernamental, projetou que o abastecimento global de grãos poderá cair na temporada 2009/10 (que começa "oficialmente" no fim do mês), para 1,721 bilhão de toneladas, queda de 3,4% sobre as 1,782 bilhão de toneladas de 2008/09. "A produção mundial de grãos deverá ficar abaixo do consumo em 2009/10, corroendo parte dos ganhos obtidos nos estoques após as safras abundantes de 2008", afirma o IGC em seu mais recente relatório mensal.
A alta súbita nos preços é um lembrete de como a segurança alimentar do mundo se deteriorou, após anos de excedentes confortáveis, dizem analistas e executivos. Mike Mack, executivo-chefe da Syngenta, uma das maiores produtoras de defensivos e sementes para a agricultura, ecoa uma opinião generalizada quando diz que, apesar de as "manchetes do ano passado sobre a crise alimentar terem sido substituídas pelas manchetes da crise econômica", o "desafio de longo prazo de produzir alimentos em volume suficiente" não desapareceu.
A matéria é de Javier Blas, para o jornal Valor Econômico, adaptada e resumida pela Equipe AgriPoint.
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