O Brasil, que faz parte de vários comitês na OCDE, reclama que a entidade está direcionando demasiadamente a discussão para mitigação e adaptação do clima na área agrícola, enquanto persistem obstáculos históricos que freiam o desenvolvimento do setor em países em desenvolvimento. Brasília considera que os ricos estão colocando o carro na frente dos bois. E que, primeiro, a comunidade internacional deve negociar um acordo global de combate às mudanças climáticas para depois tratar dos casos de cada setor. Até porque o industrial, com peso nos países ricos, é mais importante para atenuar o aquecimento do planeta.
A OCDE dá ênfase à agricultura como responsável por uma "parte significativa" das emissões de gases de efeito estufa e diz que o setor será "inevitavelmente" chamado a contribuir nos esforços de mitigação. Estima que os emergentes e outros países em desenvolvimento deverão ser os principais fornecedores da produção de alimentos, mas alerta para os riscos ambientais da abertura de novas fronteiras agrícolas.
Em duras negociações preliminares em Paris, os brasileiros apontaram uma série de "equívocos" nos documentos preparatórios e conseguiram incluir questões sobre produção de bioetanol, necessidade de derrubada de bilionários subsídios agrícolas e importância da liberalização do comércio mundial. Também no confronto com os europeus, questionaram a multiplicação de padrões privados, pelos quais supermercados impõem mais exigências para importar com base em supostas preferências do consumidor.
A briga diplomática agora é sobre o comunicado final, que tende a balizar iniciativas dos governos. O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Edílson Guimarães, vai a Paris com a orientação de recusar apoio ao documento, se não houver mudanças. O Valor teve acesso ao esboço do documento-base da OCDE que será discutido pelos ministros. O texto de nove páginas diz que a pressão sobre os recursos naturais está aumentando e que a agricultura deve competir com outros setores da economia por terra boa, fornecimentos de água, minérios e energia. E atribui essa pressão essencialmente ao aumento da população e da renda, à industrialização, à urbanização e a outros fatores que, juntos, causam mais poluição e exploração insustentável dos recursos naturais, segundo o documento.
Conforme a OCDE, terras aráveis adicionais estão disponíveis sobretudo na América do Sul e na África subsaariana, mas que boa parte é protegida ou perto de áreas urbanas. E que "colocar significativas novas áreas de terra em produção tem uma ampla variedade de implicações sociais, consequências ambientais e sobre os recursos naturais, incluindo desmatamento e degradação da floresta em países em desenvolvimento, que é um tema importante nas negociações do clima".
O documento aponta a escassez de água como particularmente preocupante, e mostra que a agricultura usa 70% da água fresca - 45% nos países da OCDE, os ricos, segundo a entidade. Estima que 36 países com população combinada de 1,4 bilhão de pessoas vão encarar escassez de terras aráveis ou de água fresca por volta de 2025.
Os ministros vão se reunir na capital francesa uma semana depois de a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) ter proposto uma taxa ambiental sobre a pecuária, para compensar estragos ambientais causados na produção de carnes, a começar pela emissão de metano pelos rebanhos. E essa proposta encontra eco também na OCDE.
A matéria é de Assis Moreira, para o jornal Valor Econômico, adaptada e resumida pela Equipe AgriPoint.
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