A proposta representa uma mudança na estratégia brasileira. Ao longo dos últimos dez anos de negociações, o sentimento comum era que a barganha com os EUA seria feita na seguinte base: o Brasil e outros emergentes fariam a abertura de seus mercados industrial e de serviços, enquanto os americanos cortariam substancialmente os bilionários subsídios agrícolas que distorcem o comércio mundial.
Os EUA têm proposta na mesa para cortar em 70% esses subsídios, limitando-os a US$ 14,5 bilhões por ano. Ocorre que o cenário global mudou. Com a alta dos preços das commodities agrícolas, seus produtores necessitam menos de subvenções e o montante pago para eles baixou para US$ 9 bilhões.
Diante desse cenário, o Brasil mudou o foco, de acesso ao mercado por redução de subsídios, para a troca unicamente em acesso ao mercado (corte de tarifa). O país considera que no, cenário atual, a negociação não é equilibrada e, por isso, não pode oferecer acesso ao seu mercado industrial e de serviços em troca de um ganho virtual. Em geral, os países em desenvolvimento vão cortar entre 50% e 60% de suas tarifas consolidadas.
Para Brasília, a alteração no jogo é ainda mais necessária quando projeções apontam manutenção da alta das cotações das commodities agrícolas pelo menos até 2015. Na presidência do G-20, o governo francês quer propor até controle de preços e criação de estoques regionais de alimentos, para reduzir a volatilidade no mercado.
Negociadores elogiaram informalmente a reação brasileira. A dificuldade, no entanto, é que os EUA têm uma margem para negociar subsídios, mas não seus parceiros como UE, Noruega, Suíça e Japão. Todos eles querem pegar uma carona no acesso ao mercado dos emergentes dinâmicos, sem pagar a contrapartida na área agrícola. Na verdade, a tendencia é de aumento nas barreiras agrícolas.
Os EUA argumentam que, sem melhora na oferta de acesso ao mercado nas três grandes economias emergentes - China, Índia e Brasil -, será impossível para a Casa Branca aprovar um acordo de Doha no Congresso e também com os empresários.
O Brasil vem rejeitando sistematicamente demandas adicionais americanas de abertura de setores sensíveis da indústria brasileira. E apresentou a proposta de setorial agrícola com cautela. Indicou que poderia contemplar eventuais ajustes para atender algumas demandas na área industrial, desde que seja compensado por maior liberalização para o setor específico de carnes, como passo inicial.
O governo de Dilma Rousseff parece bem menos flexível em termos de abertura do mercado brasileiro. Pela situação em que o país se encontra, o novo governo tem pouca capacidade para se comprometer com liberalização adicional. Ou seja, o país pode fazer ajustes em sua oferta de liberalização, mas que estarão longe de significar uma barganha entre setoriais agrícola e industrial ou atender às ambições americanas.
A matéria é de Assis Moreira, publicada no jornal Valor Econômico, resumida e adaptada pela Equipe MilkPoint.
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