Além disso, como causa mais profunda de quase todos esses problemas, há a persistência dos grandes desequilíbrios macroeconômicos globais, levando a guerras comerciais e cambiais, e à grande volatilidade nos mercados financeiros. E, como falha mais gritante da recuperação, a crise do emprego nos países ricos persiste. "Há uma recuperação dos lucros, dos negócios e da bolsa, mas não há uma recuperação do emprego", disse Philip Jennings, secretário-geral da UNI Global Union, que representa 900 sindicatos e 20 milhões de trabalhadores no mundo.
O célebre economista Nouriel Roubini, que previu a crise das hipotecas subprime, iniciou ontem sua apresentação em Davos usando a velha comparação com o copo meio cheio ou meio vazio. Em diversas apresentações, foi possível notar que o copo meio cheio diz respeito especialmente à exuberância das grandes economias emergentes e à surpreendente recuperação dos lucros das maiores empresas americanas, que têm hoje entre US$ 1,5 trilhão e US$ 2 trilhões, segundo as cifras mencionadas no Fórum Econômico Mundial.
A própria recuperação americana, que ganhou fôlego com os últimos indicadores, também é apontada como um dos principais pontos positivos do atual cenário. Mas há preocupações quanto à sua firmeza, mesmo no curto prazo, sem falar do problema estrutural do déficit público. Outro destaque é que a retomada americana vem com políticas fiscais e monetárias que já se aproximam dos seus limites.
Já o copo meio vazio está ligado à relutância dos Estados Unidos em traçarem um plano crível de médio prazo para lidar com seu explosivo déficit público e à dificuldade das autoridades econômicas europeias em enfrentar de forma coordenada e decisiva a crise dos países periféricos do continente, como Grécia, Portugal e Irlanda. A alta das commodities, por sua vez, está provocando inflação no mundo emergente, que pode atrapalhar a cambaleante recuperação do consumo nos países ricos, e está causando sérios problemas no Oriente Médio (as atenções de Davos voltaram-se ontem para a agitação popular e política no Egito).
Outra preocupação dos empresários e executivos em Davos é um clima de hostilidade da opinião pública em relação ao capitalismo e ao livre mercado. James Turley, chairman da Ernst & Young nos EUA, apontou "uma tensão crescente entre o setor público e o privado". Para ele, esse clima hostil, combinado com incertezas regulatórias ligadas às reformas do presidente Barack Obama, estaria refreando o investimento. Turley admitiu, porém, que a situação melhorou com o movimento de Obama numa direção mais centrista.
A presença da China e da Índia em Davos continuou a crescer, tanto como tema de debate quanto no elenco de participantes. Os dois países tornaram-se menção obrigatória quando se fala na ascensão dos emergentes, com o Brasil também frequentemente lembrado. Segundo Azim Premji, chairman da Wipro, empresa indiana de tecnologia da informação, "em dez anos as economias do mundo emergente terão tamanho superior a US$ 20 trilhões, igual ao da economia americana (no mesmo momento)".
Já o principal executivo do grupo WPP (marketing e comunicação), Martin Sorrell, classificou o mundo atual em "divisões", de acordo com a atratividade para os investidores: na primeira divisão estão os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e mais 11 emergentes; na última, o Japão, com sua economia estagnada há décadas. E, nas intermediárias, países europeus e os Estados Unidos.
Para o chinês Zhu Min, ex-vice-presidente do Banco da China e assessor especial do Fundo Monetário Internacional (FMI), a China deve crescer 9,5% em 2011, ante 10,3% em 2010, e a Índia cerca de 8,5%, pouco menos do que os 8,9% do ano passado.
Os dois países, porém, estão com o uso da capacidade produtiva muito pressionado, com custos como trabalho e terra subindo. Um fator adicional de preocupação é que a alimentação, com alta explosiva dos preços, compõe 47% da inflação ao consumidor da Índia, e 34% da China.
A matéria é de Fernando Dantas, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, resumida e adaptada pela Equipe AgriPoint.
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