Nas últimas décadas, o setor agropecuário no País, especialmente nos biomas Amazônia e Cerrado, vem sofrendo profundas modificações, principalmente devido à conversão de ecossistemas nativos para pastagens e agricultura. "Esse crescimento horizontal do setor agropecuário vem acarretando problemas sérios no que se refere ao uso da terra. Na prática, desmatou-se e, depois de algum tempo, essa área tornou-se degradada e assim houve a necessidade de novos desmatamentos em outras terras.
O principal resultado desse modelo é que hoje a mudança de uso da terra somada à agricultura representa cerca de 60% das emissões de GEE no Brasil", revela João Luís Nunes Carvalho, engenheiro agrônomo autor da tese de doutorado "Dinâmica do carbono e fluxos de gases do efeito estufa em sistemas de integração lavoura-pecuária na Amazônia e no Cerrado".
A pesquisa, defendida no programa de pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (USP/ESALQ), foi orientada pelo professor Carlos Clemente Cerri, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), reconstruiu a história do uso da terra nos biomas Amazônia e Cerrado, enfocando áreas sob vegetação nativa, pastagens, agricultura sob sistema de plantio direto (SPD) e integração lavoura-pecuária (ILP).
Segundo o pesquisador, a conversão de vegetação nativa para culturas agrícolas, mesmo em SPD, representou redução de C no solo, mas a magnitude dessas perdas depende, entre outros fatores, do manejo do solo.
"A conversão de áreas de cultivo convencional para o SPD significou um dos maiores avanços tecnológicos da agricultura brasileira nas últimas décadas. Dentre os diversos benefícios estão o aumento dos estoques de C do solo e a mitigação das emissões de GEE. Entretanto, em regiões de clima tropical, as condições climáticas, somada à sucessão de cultivos predominantes resultam em quantidade de palha insuficiente para conferir sustentabilidade ao sistema", explica Carvalho.
A implantação de SPD, em área anteriormente sob cultivo convencional, aumenta em média 0,5 tonelada de C por hectare ao ano, mas o pesquisador da ESALQ buscou comprovar que a conversão de áreas sob agricultura para ILP, ambas em SPD, poderia representar um aumento ainda mais significativo nos estoques de carbono do solo.
No sistema ILP usa-se a terra o ano inteiro. Após a colheita da soja, por exemplo, o agricultor planta o milho, consorciado com braquiária. Assim que o milho é colhido, a braquiária já está pronta para o consumo pelos animais, justamente nos meses de seca, quando a maioria das pastagens apresenta pouca oferta de forragem e ainda material de baixa qualidade. Dessa forma, os animais permanecem por quatro meses nesse pasto de boa qualidade sob ILP. "E quando chega a hora do novo plantio, em outubro, retira-se o gado, o capim cresce um pouco, e em seguida aplica-se herbicidas e planta-se a nova cultura direto na palha da braquiária. Está assim caracterizada a verticalização da produção", explica o autor da pesquisa, revelando que, a partir de uma demanda do setor produtivo, fora convidado a estudar o sistema ILP, que associa a produção de grãos à pecuária, buscando benefícios mútuos.
Esse sistema vem se mostrando uma tendência no país, mas sua massificação ainda é relativa, já que a sua adoção esbarra em questões culturais e financeiras. Em âmbito econômico, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem conduzido vários estudos que mostram que, no ILP, tanto a carne, quanto os grãos são produzidos com custos relativamente mais baixos na comparação com as técnicas convencionais.
"A principal limitação é meramente cultural. O pecuarista não se abriu para a integração com as lavouras e o agricultor ainda não demonstra afinidade para trabalhar com o gado. Tecnicamente não existe limitação, o produto final é mais "limpo", traz benefícios ambientais a custos menores", comenta Carvalho.
O trabalho, financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), foi desenvolvido nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Goiás. Foram coletadas amostras de solo e de GEE entre os anos de 2005 e 2010, com objetivo de calcular no laboratório os fluxos de GEE e taxas de seqüestro de C do solo. Assim, o pesquisador mapeou o que ocorre com o carbono do solo em diferentes cenários de uso da terra, variando desde a vegetação nativa até áreas de integração lavoura-pecuária. "Nós já sabemos que, bem manejada, a pastagem acumula carbono no solo, mas quando associada aos sistemas de ILP não tínhamos os valores exatos".
O estudo verificou que a implantação de ILP em áreas anteriormente sob SPD, baseada no binômio soja-milho, exibiu aumentos no estoque de carbono do solo da ordem de 0,82 a 2,58 toneladas por hectare por ano. Para surpresa dos pesquisadores, a implantação dos sistemas de ILP resultou em taxas de acúmulo de C muitos superiores àquelas observadas após a conversão de cultivo convencional para SPD. Ou seja, a mitigação na emissão de GEE é um efeito direto do ILP e em grandes proporções.
No ILP, há uma soma dos benefícios do SPD, somada aos pontos positivos da pastagem e assim está formada a receita de elevação do C no solo e redução drástica de emissão de GEE. "Claro que a pesquisa precisa ser replicada até que essa tendência se confirme, até porque em alguns casos as taxas de acúmulo se mostraram bastante altas, mas mesmo o menor valor nesse estudo já é considerado extremamente positivo. A ILP se mostra, com esses dados, uma nova revolução verde, uma nova forma de se fazer agricultura e pecuária. Imaginávamos que a ILP seria um sistema eficiente sob o aspecto ambiental, e a pesquisa confirmou essa hipótese", salienta o agrônomo.
O pesquisador espera que o resultado de seu estudo, somado a outros benefícios já evidenciados, possa dar sustentação a programas governamentais de incentivos à implantação dos sistemas de ILP em larga escala. "Especulou-se sobre como os sistemas de ILP atuaria nas taxas de acúmulo de carbono do solo, agora temos valores. Além destes benefícios, a ILP resulta em diversificação de atividades e garante renda o ano inteiro, possibilitando que muitos produtores saiam do vermelho. Na ponta da cadeia produtiva, haverá ainda o argumento de que o consumidor terá a disposição produtos diferenciados, mais limpos, com menor pegada de carbono e sem restrições ambientais", finaliza o pesquisador.
As informações são da Esalq/USP, resumidas e adaptadas pela Equipe AgriPoint.
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