Consideramos como Cadeia Produtiva o conjunto de elos que, através de uma combinação harmônica, é responsável pela produção de um produto específico e tem representações dentro dos setores de suprimentos, de produção, de armazenagem e de beneficiamento/transformação. A comercialização não pertence a ela, pois é um componente do Mercado. Sendo assim, para permitir uma reflexão mais exata é necessário que consideremos a ovinocultura como uma atividade capaz de abrigar tantas Cadeias Produtivas quantos forem os tipos de produtos originados. E cada uma desses produtos terá a sua própria condição de mercado. Então, devemos identificar os DESAFIOS dentro do universo produtivo dessa atividade, quando as variantes vão, desde o clima e a vocação regional, até o perfil dos consumidores responsáveis pela composição do Mercado.
Sem querer conflitar ou antagonizar com outras opiniões manifestadas neste espaço, considero que, dentro da universalidade mencionada a pouco, os três maiores e verdadeiros desafios da nossa ovinocultura localizam-se ao longo de um caminho evolutivo que tem como destino a sustentabilidade empresarial dos empreendimentos no setor. Esse caminho passa por duas estações obrigatórias, o DIRECIONAMENTO DA ATIVIDADE, onde estão abrigados os dois primeiros desafios, e os MECANISMOS DE PRODUÇÃO que, para serem alcançados, representam o terceiro.
Desafios para 2011 (os mesmos há mais de duas décadas):
1º) Direcionamento dos empreendimentos em Ovinocultura para a produção específica de produtos predefinidos
A especificidade liberta os processos produtivos do empirismo e de oportunismos. Quando, por exemplo, o objetivo for produzir um padrão predefinido de "lã", todos os manejos são, necessariamente, direcionados no sentido de atingir o resultado almejado.
De outra forma, quem investe na produção de ovinos vai ter ovinos para vender. Mas, o consumidor não quer adquirir ovinos, e sim carne ovina, a qual requer, obviamente, um processo produtivo específico.
Se considerarmos as realidades de atividades já amadurecidas e estabelecidas, todos sabem que, dentro da bovinocultura, as empresas rurais que produzem "carne de boi" funcionam de forma diferente daquelas que produzem "leite"; na avicultura, produzir "ovos" é diferente de produzir "carne de frango"; a suinocultura produz, especificamente, "carne suína" e derivados.
Dentro do mesmo raciocínio, pergunto: dentro dos respectivos casualismos, as criações de "galinhas", "porcos", "carneiros" e da "caprinovinocultura" produzem "o que", "quando", "quanto", "como" e "para quem"?
Se não houver a oferta um produto definido, não haverá hábito de consumo, nem demanda e, consequentemente, não haverá a almejada sustentabilidade econômica dos empreendimentos envolvidos.
Portanto, em OVINOCULTURA, onde notoriamente a vocação do Brasil é produzir CARNE DE CORDEIRO, é preciso que o discurso seja mudado. Outros produtos como peles especiais, leite, lã e campeões de pista dependem de um cenário sócio-ambiental muito regionalizado. O fomento genérico à produção de ovinos, simplesmente, nunca alavancará a atividade a tal ponto de sermos, nós brasileiros, responsáveis pelo nosso próprio abastecimento de carne ovina. Somente a partir do momento em que as referências e expressões forem do tipo "...fomento à carne de cordeiro...", "O aumento da produção de carne de cordeiro foi de X%.", "...produção regional (ou nacional) de carne de cordeiro...", "Carne de Cordeiro=alternativa de renda para a agricultura familiar", "...matrizes especializadas para a produção de carne de cordeiro...", "...leilão de reprodutores com genética especializada para a produção de carne de cordeiro...", "...melhoramento genético dos rebanhos produtores de carne de cordeiro...", "Centro Nacional de Pesquisa e Fomento à Produção de Carne de Cordeiro", etc., poderemos, então, evoluir para estratégias de marketing direcionadas ao aumento de consumo de um produto com características específicas conhecidas pelo consumidor, além de, aí sim, combater o abate artesanal, pleitear ações governamentais e cobrar a presença e comprometimento do setor industrial nos locais em que isso, ainda, não esteja acontecendo.
É importante frisar que, quando existe um produto individualizado por um elevado valor agregado, os seus subprodutos crescem, também, em valor devido à existência de uma escala de produção suficiente para abastecer uma demanda. É o caso da pele, das vísceras, dos animais para reposição de plantel e da carne dos animais de descarte, a qual, depois de processos de industrialização apropriados, tem espaço garantido na mesa do consumidor. Outros produtos da atividade acabam sofrendo especializações para atender às demandas, conforme o que consideramos como o segundo desafio.
2º) Inverter os valores atuais que caracterizam a operacionalidade da Ovinocultura Nacional
Todos sairão ganhando quando a atividade-fim da ovinocultura brasileira deixar de ser a produção de animais melhorados e/ou maquiados para obter resultados lucrativos nas pistas de julgamentos e de leilões e passar a ser, simplesmente, a PRODUÇÃO DE CARNE DE CORDEIRO para abastecer um gigantesco mercado consumidor. A comunidade de ovinocultores precisa reconhecer voluntariamente que produzir reprodutores de genealogia conhecida, desenvolver grupos raciais e promover o melhoramento genético das raças disponíveis são tarefas de importância incontestável, mas, apenas, como atividade-meio. Servem para garantir a evolução da atividade-fim. Esta, mesmo na ausência daquelas, sempre acontecerá, ainda que carente de eficiência e qualidade.
A grande ciranda milionária que representa atualmente os grandes investimentos na atividade considera a produção de carne ovina como uma atividade-meio, necessária para justificar, vez por outra, o preço exagerado de certos reprodutores e o volume descontrolado de investimentos em tecnologia, marketing, importações e instalações. Pergunto: Porque esses grandes investidores, que empenham enormes volumes monetários em propaganda e aquisição de animais renomados, não aproveitam o seu potencial financeiro para implantar dinâmicas de produção de carne de cordeiro que envolvam desde a produção de carcaças até a industrialização das mesmas e o abastecimento regular do mercado consumidor? Parece que não querem reconhecer que essa é a grande estratégia para garantir o retorno financeiro dos investimentos em genética, pistas, etc.
3º) Transformação dos PRODUTOS da Ovinocultura em MERCADORIAS
Produzir um PRODUTO não significa, necessariamente, produzir uma MERCADORIA.
Definição de PRODUTO: resultado de um processo produtivo.
Definição de MERCADORIA: produto de consumo que participa de um ambiente de negócios por atender, simultaneamente, às três exigências fundamentais do Mercado, quais sejam: 1) Padrão de Qualidade (qualidade, preço e pontualidade); 2) Escala de Produção (abastecimento da demanda); e 3) Regularidade de Fornecimento (manutenção do hábito de consumo).
Vencer os dois primeiros desafios é o pré-requisito para que nós, enquanto, ainda, ovinocultores, vençamos o terceiro.
O PRODUTO, resultado de um processo produtivo específico, por mais nobre que seja, embora tenha demandado tempo, trabalho e dinheiro, não garante estar numa condição de autossuficiência para gerar a renda necessária à sustentabilidade do empreendimento. É necessário que haja uma agregação de valor suficiente para elevá-lo à categoria de MERCADORIA. O empirismo e a casualidade podem, também, obter produtos. Mas, somente o conhecimento profissional é capaz de gerar MERCADORIAS.
No caso de considerarmos a carne de cordeiro como o foco principal de um empreendimento, a ação profissional, além de conduzir o processo de produção no sentido de gerar uma mercadoria competitiva (com Padrão de Qualidade), precisa criar um MECANISMO DE PRODUÇÃO COLETIVA capaz de atender às exigências de um determinado ambiente de Mercado, seja ele doméstico ou externo. Esse MECANISMO significa uma integração operacional, funcional e cronológica entre rebanhos formados a partir de critérios específicos ao foco do empreendimento, e que pode ser concretizado por empresas privadas afins e instituições públicas, além de associações, consórcios, condomínios, parcerias e cooperativas de produtores rurais. Já existem programas de produção que permitem esse tipo de MECANISMO. Por favor, não confundam MECANISMO DE PRODUÇÃO com ARRANJO PRODUTIVO. Enquanto o primeiro é dinâmico, o segundo é estático.
Vamos aproveitar este fórum para, também, identificar, sugerir, opinar e debater de forma construtiva sobre as BARREIRAS impostas por aqueles que obtém benefícios com o engessamento atual da atividade.
Os DESAFIOS para 2011 que estou apontando e justificando, na realidade, são de todos nós e não da Ovinocultura Brasileira, pois ela, humildemente, é, apenas, o resultado do trabalho e profissionalismo dos ovinocultores espalhados por todo este enorme Brasil.
Um abraço a todos.
*** GiORGi***
EDUARDO AMATO BERNHARD
Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Consultoria e Assessoria Veterinária
postado em 27/12/2010
Prezado Giorgi,
Parabéns pela clareza e a objetividade de seu artigo, além da coragem em apresentar alguns aspectos que, ao contrário do que muitos pensam, é uma das grandes barreiras ao desenvolvimento da ovinocultura de corte. No mundo inteiro a comercialização de reprodutores se baseia em dados objetivos e a valorização dos mesmos se dá por sua capacidade como melhorador, que pode se dar em diversos aspectos.
Da mesma forma, acredito que temos a maioria das respostas às questões levantadas por você e precisamos de ações objetivas e estruturadas que nos permitam construir uma base forte a produção de carne ovina.
O resultado disso tudo será uma cadeia produtiva forte e eficiente, capaz de produzir um produto de alto valor agregado que se reverterá em renda a cada um de seus elos.
Um forte abraço!!!