No entanto, a carne vermelha é um alimento de alto valor biológico e imprescindível, em quantidades adequadas, na composição da dieta balanceada (Luchiari Filho, 2000). A produção de carne caminha na diversificação e oferta de produtos de melhor qualidade, e no que diz respeito à carne ovina, isso é fundamental para a ampliação do mercado, em conjunto com outras questões comerciais, que têm sido muito discutidas nos últimos anos e que não serão abordadas neste texto.
Considerando-se o valor comercial da carcaça ovina, o conteúdo total de gordura que a mesma apresenta tem maior influência sobre este do que a composição química. Entretanto, propriedades físicas e químicas dos lipídios, como os ácidos graxos que a compõem, afetam as características nutricionais, sensoriais e de conservação da carne (Mottram, 1998), e por isso são bastante importantes para a qualidade do produto final.
No Congresso Internacional de Pastagens em 2005 na Irlanda, muitos pesquisadores apresentaram resultados de seus trabalhos nessa linha, denotando a importância do aspecto nutracêutico dos alimentos para os consumidores dos países desenvolvidos e o envolvimento da área de produção pecuária nesse contexto. Material interessante é o de Scollan et al. (2005) e Prado et al. (2006).
A dieta do animal e o produto final carne
O lípidio é uma classe de alimentos funcionais caracterizada por propriedades benéficas à saúde humana, com funções específicas no metabolismo e vêm sendo objeto de grande interesse pela pesquisa na área de nutrição humana e animal.
Ácidos graxos insaturados, tais como o linoléico (C18:26) e seus derivados, que formam a família dos ácidos graxos ômega-6 e, principalmente, o linolênico (C18:33) e seus derivados que formam a família dos ácidos graxos ômega-3, são considerados essenciais na dieta, uma vez que a síntese ocorre somente em vegetais.
A gordura de ruminantes, como os ovinos, tipicamente contêm elevada proporção de ácidos graxos saturados - AGS - como o mirístico, palmítico e esteárico; e ácidos graxos monoinsaturados, como o ácido oléico. As quantidades de ácidos graxos poliinsaturados importantes, como o linoléico e α-linolênico, são menores.
Os ácidos graxos poliinsaturados, como os da série ômega-3, e o ácido linoléico conjugado (CLA - cis-9, trans-11 C18:2) têm sido relacionados à redução na incidência de doenças cardiovasculares, prevenção e tratamento de tumores e prevenção da osteoporose (Albertazzi & Coupland, 2002). Deste modo, há considerável interesse em se aumentar as concentrações de CLA no leite e carne de ruminantes, que são consideradas as principais fontes de CLA para consumo humano (Staples et al., 2001).
Assim, sabe-se que as gorduras animais são mais saturadas, e as vegetais, mais insaturadas, o que favoreceria, a princípio, o seu uso na dieta dos animais, visando o produto final carne. Além disso, cita-se que com a proibição da utilização de alimentos de origem animal para ruminantes devido a Encefalopatia Espongiforme Bovina em 2001, intensificou-se a utilização de gorduras de origem vegetal na dieta dos ruminantes no Brasil.
Nos vegetais, as gorduras do tipo triglicerídeos estão presentes principalmente nas sementes, enquanto que nas folhas, os lipídios se apresentam principalmente na forma de galactolipídeos, compostos de galactose, glicerol e ácidos graxos insaturados. Os galactolipídeos são típicos de folhas metabolicamente ativas e diminuem com a idade da folha (Van Soest, 1994).
As fontes vegetais se destacam pelo conteúdo de ácidos graxos poliinsaturados, havendo grande variação entre as fontes na composição deste grupo de ácidos graxos. As fontes vegetais mais comuns utilizadas no Brasil em dietas de ruminantes, os grãos de soja, de algodão e de milho, têm como principal ácido graxo, o linoléico (C18:26).
Nos ruminantes, devido ao processo de biohidrogenação ruminal que modifica os ácidos graxos presentes na dieta, os lipídios tendem a ser hidrogenados pela ação dos microrganismos do rúmen, o que conduz a formação de lipídios saturados. Assim, pode-se afirmar que existem grandes diferenças entre a composição dos lipídios ingeridos através da dieta e os contidos nos produtos finais dos ovinos, levando à menor presença de ácidos graxos insaturados na carne (Christie, 1981).
No entanto, quando a ingestão de ácidos graxos é elevada, a capacidade de biohidrogenação dos microrganismos do rúmen pode ser excedida, ocorrendo uma maior absorção intestinal de ácidos graxos insaturados.
Através de resultados de estudos conduzidos com fontes de lipídeos de origem vegetal tais como canola (Bett, 1998) e semente de girassol (Macedo, 2003) em dietas de bovinos e de ovinos constatou-se que estas promoveram melhoria na relação ácidos graxos poliinsaturados (AGP):saturados (AGS). Cabe acrescentar que a relação AGP:AGS recomendada para a dieta humana está acima de 0,4 (Wood et al., 2003) e muitas carnes a apresentam em valores próximos a 0,1.
Ainda, no caso da carne dos ovinos alimentados com canola também foi observado teor elevado de ácidos graxos ômega-3, o que seria interessante para os consumidores que visam a qualidade dos alimentos ingeridos. No caso da relação ômega3:ômega6, recomenda-se que esta não seja inferior a 4,0, e segundo Scollan et al. (2005) isto é tipicamente menor que 3 na carne de ruminantes.
Assim, elevar a relação AGP:AGS e a relação ômega3:ômega6 e ainda aumentar a concentração de CLA são objetivos importantes para melhorar a qualidade nutricional da carne.
No caso dos animais criados exclusivamente em pastagens, muitos resultados interessantes têm surgido a esse respeito. Porém, é importante destacar que estes são, na maior parte, relativos a plantas de clima temperado, obtidos em pesquisas realizadas na Europa e Estados Unidos.
Segundo estas pesquisas, as plantas de pastagens de clima temperado têm quantidades elevadas de ácidos graxos poliinsaturados, especialmente na fase de crescimento. Porém há limitada informação sobre a composição de ácidos graxos das forragens tropicais na literatura.
De acordo com Rule et al. (1995), as forragens possuem maiores proporções de C18:0 (esteárico) e C18:3 (linolênico) e proporções menores de C18:1 (oléico) e C18:2 (linoléico) em relação a concentrados. Também foi relatado que animais alimentados com pasto têm maior relação ômega 3/ômega 6 do que aqueles que consomem grãos, pois no caso das pastagens temperadas, as mesmas possuem maiores teores de alfa-linolênico (n-3) e os grãos, de ácido linoléico (n-6).
Pelas supostas implicações positivas dos ácidos graxos ômega-3 na saúde humana, a maior concentração normalmente encontrada seria uma vantagem na produção de animais em pastagens.
Recentemente na Universidade Federal de Santa Maria, desenvolveu-se pesquisa com ovelhas de descarte das raças Ideal e Texel e observou-se que, submetidas a dois manejos alimentares (confinamento e pastagem cultivada), as ovelhas terminadas em pastagem cultivada proporcionaram uma carne mais saudável para o consumo humano, no que diz respeito ao perfil de ácidos graxos, do que as ovelhas terminadas em confinamento.
Resultados preliminares dos experimentos realizados com sistemas de terminação de cordeiros na Universidade Federal do Paraná parecem indicar a mesma tendência para os animais terminados em azevém, comparados aos confinados, embora referente à cobertura de gordura das carcaças, os cordeiros terminados em pastagens tenham apresentado espessura bastante limitada desta, o que pode prejudicar a qualidade da carne do ponto de vista da maciez, considerando-se assim ponto negativo para produção de animais jovens em pastagens, dependendo da exigência dos consumidores.
Moloney & Prench (2001) afirmaram que a produção de ácido linoléico conjugado (CLA) parece ser maior em animais criados nas pastagens temperadas, mas dificilmente ultrapassam 20 mg/g gordura. Afirmam que, dietas a base de feno e grãos podem ter o valor de CLA ultrapassando esse valor, apenas através do uso de suplementos de ácido linoléico. Estes autores, alimentando bovinos com azevém por 85 dias antes do abate obtiveram aumento linear nos teores de CLA à medida que houve aumento da ingestão da forragem fresca.
Vê-se então que a maior parte das pesquisas parece indicar que os ovinos alimentados com forragem fresca e/ou pastagem devem apresentar melhor qualidade do produto final. A transferência dessa conclusão em países tropicais, em função da diferença de perfil de ácidos graxos entre forrageiras tropicais e temperadas, necessita do conhecimento desse perfil ou de avaliações do produto carne.
Ainda que se repita isto amplamente com forragens tropicais, deve-se levar em conta que o aumento de ácidos graxos poliinsaturados pode resultar em maior predisposição para rancificação desta carne (Rule et al., 1995) embora tenha sido citado por Scollan et al (2005) que, somente níveis de ácido linolênico ao redor de 3% do total de lipídios dariam efeitos adversos sobre a estabilidade, cor ou sabor da carne, o que dificilmente ocorreria somente com o aumento do uso da forragem, ou seja, sem nenhuma outra fonte suplementar de lipídeos.
Assim, o desafio para a pesquisa internacional parece ser a grande variação na composição em ácidos graxos das diferentes espécies de plantas, o desenvolvimento de novos genótipos com maiores concentrações dos ácidos graxos desejáveis e a manipulação ruminal para diminuir a formação de ácidos graxos saturados através da biohidrogenação. No caso do Brasil, muitos outros desafios ainda têm que ser vencidos dentro dos sistemas de produção de ovinos, principalmente referentes à comercialização da carne.
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Wandemberg Neves Freitas
Resplendor - Minas Gerais - Produtor Rural
postado em 18/02/2007
Excelente. Trabalhos assim sempre serão bem-vindos. Parabens.