Para uma melhor compreensão iremos fazer algumas considerações sobre os princípios básicos de genética e como podemos obter incremento produtivo ou melhoramento a partir da aplicação de técnicas baseadas em tais princípios. A intenção é mostrar ao leitor que os acontecimentos verificados dentro das propriedades apresentam sim uma justificativa científica e podem ser previstos ou mesmo modificados através de procedimentos técnicos conhecidos pela ciência.
Nos últimos 50 anos os métodos de seleção baseados em mensurações de desempenho se tornaram amplamente utilizados em atividades como suinocultura, avicultura e bovinocultura leiteira, porém em bovinocultura de corte e ovinocultura tal utilização apresentou uma penetração um pouco menor. Onde as tais técnicas foram profundamente aplicadas, houve um significativo incremento na produtividade, decréscimo nos preços para a população e melhora da qualidade dos produtos. Um uso mais amplo dos métodos científicos de melhoramento animal poderia contribuir sobremaneira para atender a demanda em proteína de origem animal das populações ao redor do mundo. A ligação entre a genética básica e o melhoramento de características economicamente importantes para produção animal se dá através de cromossomos e genes, que são os responsáveis por transmitir determinadas características de uma geração para a outra.
Os genes são responsáveis por influenciar o desempenho através de diversas ações específicas como regular a formação de proteínas, hormônios e enzimas que atuam na construção de tecidos musculares, funções reprodutivas, produção de células de defesa contra patógenos e etc. Os genes são moléculas que ocorrem em seqüência nos cromossomos presentes nos núcleos de todas as células de um ser vivo. Nas células corporais os cromossomos são apresentados em pares e o número de pares é característica específica de cada espécie, ex. ovinos apresentam 27 pares de cromossomos, bovinos 30 e os seres humanos 23 pares. As exceções acontecem nas células sexuais (espermatozóides e óvulos) que apresentam os cromossomos de forma única e não em pares. Assim, no momento da fecundação, cada novo indivíduo recebe metade de sua carga genética via espermatozóide do pai e a outra metade via óvulo da mãe, formando um embrião com o número total de pares de cromossomos esperado para aquela espécie. O conjunto ou arranjo específico de genes e outras moléculas são responsáveis por formar o DNA ou ácido desoxirribonucléico nos cromossomos. Podemos utilizar a analogia para definir os genes como o plano ou projeto e como o manual de instruções para formação e funcionamento de todos os seres vivos. Além disso, genes são as unidades pelas quais as informações ou as instruções são transmitidas para as gerações futuras, uma vez que tais informações estão impressas na estrutura do DNA.
O conjunto de características que podemos observar ou medir de alguma maneira (pelagem, peso, produção leiteira, número de crias e etc.) em um animal é chamado de fenótipo. O fenótipo é determinado por genes específicos ou mesmo por diferentes grupos de genes localizados em locais específicos da cadeia de DNA. A combinação específica de genes que um animal herda de seus ancestrais e que afetam diferentes características é chamada de genótipo. Animais que carregam em seu genótipo duas cópias do mesmo gene (para uma mesma característica ou expressão) em locais específicos da cadeia de DNA são chamados homozigotos e aqueles que carregam apenas um gene para uma característica específica em um mesmo local na cadeia de DNA são chamados heterozigotos.
Seria excelente se os criadores fossem capazes de predizer o resultado do acasalamento de determinados casais, assim haveria a possibilidade de decidir pelas melhores opções de acasalamento. Infelizmente, é impossível determinar o genótipo de um animal para a imensa maioria das características produtivas economicamente importantes em animais de produção, sobretudo, porque muitas destas características são controladas por diversos genes ao mesmo tempo. Portanto, é necessário calcular a probabilidade ou a frequência esperada de determinados genes ou genótipos resultantes do acasalamento de certos animais para características específicas ou mesmo múltiplas características.
O melhoramento genético depende basicamente da chamada variabilidade genética. Se não existe variabilidade entre os animais para as características de interesse, então não pode haver melhoramento. De outra maneira, se não existem animais geneticamente melhores em relação à maioria, não existe como selecionar aqueles superiores e que serão os pais das futuras gerações. Um exemplo prático de variabilidade genética e sua resposta produtiva seria a apresentação do desempenho dos animais através da curva normal de distribuição, figura 1 abaixo. A ilustração evidencia que a grande maioria dos animais apresenta peso entre 60 e 80 kg de peso vivo com idade de 21 semanas. Alguns poucos animais apresentam pesos abaixo de 60 kg e outros poucos animais pesos acima de 80 kg.
Figura 1 - Distribuição normal de peso vivo de cordeiros com idade de 21 semanas
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Este comportamento é verificado em todas as populações, pois as mesmas crescem naturalmente com o aumento do número de criadores e crescimento dos rebanhos, a consequência é que as populações se subdividem através dos acasalamentos, da combinação ou frequência dos genes de diferentes indivíduos e da ocorrência de fatores como segregação de genes, recombinação e mutação, possibilitando a manutenção da variabilidade genética.
As características pelas quais os animais podem ser classificados em classes simples e geralmente visuais (cor da pelagem, presença de chifres e etc.) são chamadas qualitativas. Muitas destas características são controladas por genes únicos e geralmente influenciadas por fatores genéticos. A maior parte das características de importância em produção animal é expressa em unidades que podem ser contadas (ex. número de cordeiros desmamados e OPG) ou mais comumente, mensuradas em escala contínua (kg de peso vivo, mm de gordura, kg de lã e etc.). Tais características são conhecidas como quantitativa e são geralmente controladas por vários genes ao mesmo tempo, sofrendo influencia dos fatores externos ou não genéticos, chamados coletivamente de fatores ambientais.
Um importante conceito em melhoramento animal é que o genótipo de um animal fornece um valor ou desempenho potencial específico para uma determinada característica. Em toda a população de um determinado rebanho ou grupo de animais o desempenho médio da mesma será um reflexo de seu mérito ou potencial genético. No entanto, o desempenho dos indivíduos pode parecer superior ou inferior ao seu mérito genético real dependendo a que condições ambientais os animais são expostos. Assim, para a maioria das características quantitativas o fenótipo (P) ou desempenho observado em um animal depende do genótipo (G) que é herdado de seus pais, avós e etc., e do ambiente (E) a que este animal é exposto. Este modelo é definido da seguinte forma:
P = G + E
O genótipo (G) pode sofrer influência de genes que agem em determinadas características através dos chamados efeitos aditivos (efeitos combinados de muitos genes agindo aditivamente sobre uma mesma característica) e efeitos não-aditivos (causados por dominância e epistasia). Para a maior parte das características quantitativas os efeitos genéticos aditivos são justamente a parte do genótipo do animal que o melhoramento genético procura mensurar e alterar através do processo de seleção, tal parte é denominada valor genético.
Existem distintos métodos de predição do valor genético de um animal ou de um rebanho e também para estimar a transformação do mérito genético de uma população de animais de uma geração para outra e ao longo das gerações. Selecionando animais a partir de valores genéticos é possível promover um significativo incremento no desempenho médio dos animais com o passar dos anos. Assim, embora as mudanças no desempenho dos animais possam ser causadas pelo ambiente (nutrição, manejo e etc.) o fator genético apresenta uma grande importância em tais mudanças. Mensurar a quantidade total de mudanças ou variação no desempenho e atribuir tais variações aos fatores genéticos e não genéticos, é o papel principal do processo de melhoramento genético.
Todos os argumentos apresentados até agora o foram feitos a fim de que o leitor possa compreender e aceitar o fato de que conhecer o valor genético de um animal ou de um rebanho é fundamental quando falamos em genética, mas principalmente quando utilizamos o termo melhoramento genético. Em ovinos, as ferramentas que mostram aos criadores o mérito genético dos rebanhos são amplamente utilizadas em países de ovinocultura desenvolvida. Nestes locais, os programas são conduzidos por empresas privadas, institutos de pesquisa e pelos órgãos governamentais. No Brasil, algumas iniciativas foram tomadas no passado com a finalidade de introduzir ferramentas que pudessem estimar valores genéticos nos animais, como é o caso do PROMOVI. Tais iniciativas foram abandonadas devido a diversos fatores, principalmente ao desinteresse dos próprios criadores e associações. Este fato contribuiu e ainda contribui para o não crescimento da atividade em nosso país. Felizmente a atividade segue uma tendência de desenvolvimento e profissionalização que irão demandar esforços neste sentido, e atualmente já existem novas iniciativas que possibilitam aos criadores mais eficientes conduzirem seus rebanhos mais adequadamente com relação à genética.
No próximo artigo iremos discutir a respeito das estratégias de melhoramento genético. É importante que este assunto seja colocado em pauta e que os leitores possam entender que as diferentes realidades produtivas e finalidades na criação demandam diferentes estratégias de seleção e melhoramento.
Mais uma vez esperamos que os artigos possam contribuir de alguma maneira com o esclarecimento e solução de dúvidas que os leitores do FarmPoint tenham com relação a este importante assunto.