Todo ser vivo tem genética. Até os vírus, que são seres extremamente simples, só são considerados vivos porque têm uma genética comandando sua existência. Os genes são como uma receita para que sejamos como somos. O ambiente é o cozinheiro com sua habilidade e seus temperos pessoais. Da interação entre a receita e o cozinheiro nasce o prato, ou seja, o indivíduo, que é resultado da ação de seus genes e da interferência do ambiente.
Pessoas que criam animais para concursos e exposições têm, além do objetivo de vencer as competições de raça, o de vender reprodutores e matrizes. Para simplificar, ou para impressionar, eles se auto-intitulam "produtores de genética". Tudo bem. Quando se vende um reprodutor ou seu sêmen, vende-se sua genética junto, seus filhos carregarão metade dela, disseminando-a com maior ou menor intensidade na população. Há, porém, um grave deslize aí. O animal "de pista" é, na maioria das vezes, o resultado de uma boa receita, mas que, além disso, passou pelas mãos de um excelente cozinheiro.
O efeito de um ambiente artificial pode mascarar o potencial genético do indivíduo para situações do dia-a-dia. Vejamos: os reprodutores levados às pistas passam por uma superalimentação, por exercícios físicos e, Deus queira que isso não aconteça, por uso de anabolizantes. Ora, seus filhos podem passar pelo mesmo processo, mas é pouco provável que isso seja utilizado por alguém interessado em produzir carne. Quem vai colocar seus cordeiros de abate para fazer musculação e natação?
Nas exposições, apresenta-se para o produtor um prato delicioso, vende-se a receita, mas não o cozinheiro. Nas mãos de um outro cozinheiro, menos habilidoso, a receita falha. O que devemos buscar, quando pensamos em produção, é uma excelente receita, que nas mãos de um cozinheiro mediano, possa dar um prato excelente. Traduzindo: excelente genética, para o ambiente de que dispomos.
Com um produto de alta qualidade poderemos industrializar nossa receita, usando das técnicas de reprodução. As empresas que desenvolvem e utilizam tecnologia de reprodução também adoram se intitular "Fulana Genética". Tem muita gente que acredita que a inseminação artificial, a transferência de embriões e a fertilização in vitro garantem boa genética. Não, as técnicas de reprodução, são técnicas de reprodução: servem para acelerar a multiplicação da genética que estamos usando, seja ela ruim ou boa. Uma receita ruim, numa indústria eficiente, gera milhares e milhares de pratos ruins.
Com esse raciocínio "genético-culinário" acredito ser incorreto chamar os criadores de animais de pista de "produtores de genética". Eles produzem animais de pista, e são muito competentes nisto. A genética, que Deus ou a natureza criou, já está feita. Os geneticistas e os melhoristas conseguem, a duras penas, reconhecer diferenças genéticas entre indivíduos e o que se pode fazer com mais eficiência é alterar as proporções gênicas nas populações, por meio de seleção.
Para que esse trabalho tenha efeito positivo é preciso uma ação coordenada por pessoas que realmente entendam de genética. Aí sim, quem sabe, com a integração dos trabalhos dos geneticistas, dos melhoristas, dos especialistas em reprodução e dos produtores, Deus nos deixe brincar um pouquinho de "fazer genética".
Observação 1: Cheguei até a sugerir para o pessoal do FarmPoint a alteração dos nomes das sessões "Raças e Genética" para "Raças e Concursos de Raças", e da sessão "Melhoramento", para "Melhoramento e Genética", mas os títulos já estão consagrados. Tudo bem. Desde que saibamos do que estamos falando, não há problema com os nomes.
Observação 2: Quando enviei este artigo pela primeira vez para o FarmPoint, a Marina Danés, muito sabiamente, me pediu que fizesse uma série de artigos sobre melhoramento genético para que não parecesse pura agressão. Sugiro a leitura dos artigos anteriores e aguardo críticas e comentários.
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