A cana-de-açúcar tem sido amplamente utilizada na alimentação de bovinos, mas o uso desta forrageira na alimentação e suplementação de caprinos e ovinos ainda está um passo atrás.
Como vantagens da utilização da cana na alimentação animal podemos citar a rusticidade, sua adaptação a diversas condições climáticas, fácil manejo, boa capacidade de rebrota, elevado rendimento, boa aceitação pelos animais e manutenção do valor nutritivo por até 6 meses após a maturação, o que leva a possibilidade de armazenamento à campo (Nunes, 2011). Porém, o grande entrave para sua utilização são os baixos teores de proteína, minerais, precursores gliconegênicos, e o alto teor de fibra. A fibra da cana-de-açúcar apresenta baixa degradabilidade no rúmen, o que limita o consumo voluntário e reduz a digestibilidade desta forrageira.
Atualmente, o melhoramento genético da cana visa a produção de açúcar e álcool combustível, onde a seleção é realizada com o objetivo de obter plantas com maior produção de sacarose. No entanto, quando se pensa na sua utilização na alimentação de ruminantes, a manutenção dos níveis de sacarose associados a diminuição do teor de fibra devem ser considerados na seleção de cultivares para este propósito. Portanto, são necessários estudos que visem o melhoramento genético desta forrageira especificamente para a produção animal.
Nesse contexto, Pádua et al. (2012) avaliaram 24 variedades de cana-de-açúcar para a alimentação de ruminantes, utilizando como parâmetros de seleção a produtividade da forrageira e os teores de fibra em detergente neutro (FDN), fração indegradável e hemicelulose. Com base nesses parâmetros, as variedades RB855536, RB835486 e SP80-1842 foram as mais indicadas para alimentação de ruminantes por apresentarem produtividade satisfatória e alto potencial de degradação no rúmen (teores baixos a intermediários de fibra).
A cana pode ser fornecida na sua forma in natura ou conservada (ex. silagem e feno). Independente da forma de fornecimento é necessário corrigir os teores de proteína e minerais da cana-de-açúcar, dada a deficiência destes nutrientes nesta forrageira.
Utilização de cana in natura
Várias alternativas podem ser utilizadas para suprir as deficiências da cana-de-açúcar, promovendo a maximização da degradação da fibra e a otimização do crescimento de microorganismos no rúmen.
A ureia é o composto mais utilizado para esta finalidade. Sua inclusão corrige o teor de proteína da cana pela adição de nitrogênio não proteico (NNP), o que melhora a degradabilidade da fibra no rúmen.
A inclusão de uréia na cana in natura não deve ultrapassar 1% da matéria natural (MN), pois altos valores de inclusão levam a intoxicação por ureia nos animais (Rezende et al., 2012). Recomenda-se iniciar sua inclusão com 0,5% MN da dieta total para adaptação e após aumentar para 1% MN da dieta total. Estudos mostram que inclusões de até 2,5% MN da dieta total não ocasionam problemas nos animais, mas devido aos riscos de intoxicação é aconselhável utilizar o valor máximo de inclusão de 1,5% MN da dieta total ofertada para caprinos e ovinos. Esta inclusão deve ser realizada de forma gradativa, sendo também necessária a inclusão de minerais na dieta.
Outra alternativa para melhorar a degradabilidade e a digestibilidade da cana-de-açúcar é a inclusão de álcalis, resultando na obtenção da cana hidrolisada. A soda cáustica (hidróxido de sódio - NaOH) é a substância mais utilizada com este objetivo, porém sua utilização não é recomendável por ser uma substância nociva ao homem, aos animais e ao meio ambiente. Nessa condição, a soda cáustica pode ser substituída pela cal virgem (óxido de cálcio - CaO) ou pela cal hidratada (hidróxido de cálcio - CaOH2), substâncias que apresentam o mesmo efeito que a primeira, são mais seguras e têm menor custo para a alimentação animal.
Em estudo realizado por Freitas et al. (2008) com ovinos alimentados com cana in natura sem e com inclusão de 0,5 e 0,9% (MN) de cal virgem, houve melhora na digestibilidade in vivo da fibra nas dietas com o aumento da inclusão deste aditivo, porém não houve diferença entre os três tratamentos para o consumo de alimento e o ganho de peso dos animais. Também, em estudo realizado por Oliveira et al. (2012), observou-se que a inclusão de cal virgem a 1% (MN) na cana-de-açúcar melhorou a digestibilidade in vitro desta forrageira sendo, portanto, indicada a hidrólise como método de melhoria da digestibilidade da cana.
Formas de conservação da cana
A forma de conservação mais utilizada para cana-de-açúcar é a ensilagem. Entretanto, esta técnica apresenta um inconveniente quando se ensila a cana pura sem aditivos, pois o processo fermentativo da sacarose, que é realizado por levedura, pode levar a perda de matéria seca (MS) e de valor nutritivo. Isso ocorre devido a conversão dos açúcares em etanol, dióxido de carbono (CO2) e água. Preston et al. (1976) constataram que a ensilagem de cana sem aditivos levou a redução de aproximadamente 30% de açúcares em relação a cana in natura, e um teor alcoólico de 5,5% MS da silagem. Assim, a elevada fermentação alcoólica no processo de ensilagem da cana pura leva a redução do teor de carboidratos solúveis e, por consequência, de seu valor nutritivo.
As perdas de MS no processo de ensilagem podem atingir nível máximo de perdas de 48% apresentado na Tabela 1, estando associadas a respiração residual, fermentação, produção de efluente no silo e deterioração aeróbia.
Tabela 1 - Perdas no processo de ensilagem da cana-de-açúcar.
Para tentar reduzir estas perdas no processo de ensilagem da cana-de-açúcar, tem sido realizada a inclusão de aditivos químicos e microbianos que alteram o perfil fermentativo, diminuem as perdas de MS e melhoram a digestibilidade da biomassa ensilada.
Devido ao baixo custo, o principal aditivio químico utilizado é a ureia. Trabalhos realizados por Lima et al. (2002) mostrou que a inclusão de ureia de 1 a 1,5% MN da biomassa ensilada determinou o aumento do teor de MS e a diminuição dos teores de fibra em detergente ácido (FDA) e neutro (FDN) da silagem de cana.
Silvestre et al. (1976) e Alvarez et al. (1977) avaliaram bovinos alimentados com cana-de-açúcar in natura, silagem de cana-de-açúcar sem aditivos e silagem de cana-de-açúcar com inclusão de amônia aquosa + melaço e/ou ureia + melaço. Esses estudos mostraram que houve aumento de 39% no consumo de alimento e, por consequência, maior ganho de peso (16%) e melhoria na conversão alimentar no tratamento onde a silagem apresentava 2% de amônia aquasa + melaço comparada a silagem sem aditivos. Porém este desempenho foi ainda inferior aos animais que receberam cana in natura.
Outros aditivos também podem ser utilizados na ensilagem de cana para melhorar a fermentação e o valor nutritivo da silagem, os quais estão descritos com seus valores de inclusão na Tabela 2.
A inclusão de aditivos microbianos também pode ser utilizada para diminuir as perdas de MS e melhorar a qualidade da silagem de cana-de-açúcar. O aditivo microbiano que tem sido mais recomendado para ensilagem de cana-de-açúcar é o Lactobacillus buchneri, que é uma bactéria heterofermentativa (produtora de ácido lático, acético e propiônico) que promove a redução das perdas durante o armazenamento da silagem. A silagem inoculada com L. buchneri pode, ainda, apresentar resultados positivos em desempenho animal (Siqueira et al., 2012).
Outra alternativa para conservação da cana seria a fenação, porém ainda poucos estudos avaliaram esta técnica de conservação. Em trabalho realizado por Pereira et al. (2009), que avaliou a fenação de bagaço de cana e a ensilagem, revelou-se que a fenação do bagaço é o melhor método de conservação. Porém, são necessários estudos sobre a fenação da cana in natura para poder afirmar se realmente este é o melhor método.
Considerações Finais
Apesar da cana-de-açúcar ser pouco utilizada na alimentação de caprinos e ovinos, o seu fornecimento pode ser interessante nos períodos de escassez de forragem na pastagem e nas dietas ofertadas em confinamento. Em ambos os casos a cana-de-açúcar pode ser fornecida na forma in natura ou nas formas conservadas (principalmente silagem).
Independente da forma de fornecimento, outros alimentos e/ou suplementos devem ser ofertados junto com a cana-de-açúcar para complementar os seus baixos teores de proteína e de minerais. Nesse caso, o fornecimento de cana-de-açúcar (in natura ou conservada) com adição de ureia e a oferta de suplementos minerais são recomendados. Além disso, o uso de aditivos para aumentar a degradabilidade e a digestibilidade, e melhorar o processo fermentativo na ensilagem da cana-de-açúcar também é recomendado, pois estas técnicas visam melhorar o valor nutritivo desta forrageira e o seu aproveitamento pelos animais.
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