A ovinocultura de corte é uma atividade em expansão em todas as regiões brasileiras envolvidas no agronegócio. A produção de carne de cordeiro, a exemplo da produção de carne de frango na avicultura, tem um inquestionável potencial de vir a integrar a relação das commodities importantes para o equilíbrio da balança comercial do Brasil, desde que seja encarada com o profissionalismo, objetividade e abrangência suficientes para gerar a sustentabilidade necessária para garantir a sua perpetuação.
Obviamente, serão os ovinocultores brasileiros os precursores dessa evolução que, não só é possível, mas, também, é muito simples, embora não seja fácil.
Porém, analisando a realidade atual, pode ser constatado que, infelizmente, são muitos os empreendimentos voltados para a ovinocultura iniciados e instalados de forma desfocada e que, por desilusões empresariais (prejuízos), foram abandonados. São situações que depõem contra a atividade, contribuindo para que a sua evolução, considerando um potencial ainda inexplorado, seja extremamente lenta. Enquanto estamos desperdiçando esse potencial, acomodados no conforto de condições sócio-econômico-ambientais imensamente adequadas à produção agropecuária, ovinocultores de países vizinhos estão abastecendo, com carne ovina, o nosso mercado interno e, logicamente, sendo remunerados por isso; enquanto, em outros rincões do planeta, países tradicionalmente ovinocultores vêm desenvolvendo processos produtivos caracterizados pela modernidade tecnológica, eficiência empresarial e constante agregação de valor ao produto através de atributos específicos, nós, tupiniquins, estamos buscando, onerosa e exaustivamente, a "grande fórmula" para ganhar dinheiro com carne ovina produzida através de desnutrição, empirismo, genética oportunista, desconhecimento e marketing ilusionista.
Durante toda a história da humanidade os processos de desenvolvimento só evoluíram depois da quebra de grandes paradigmas. O conceito de que "a Terra era quadrada" e a prova do "Ovo de Colombo" são exemplos inquestionáveis. Na ovinocultura, o fato de os ovinos serem ruminantes conduz à situação paradigmática de conduzir os processos produtivos nos mesmos moldes da bovinocultura. Começa por aí o grande problema quanto à evolução da atividade, pois, enquanto o consumidor insiste em demonstrar, sempre com muita clareza, que considera a carne ovina tão diferente de carne bovina quanto é diferente da carne de frango, o produtor insiste em buscar mercado para um produto originado por processos de produção que teimam em manejar cordeiros como bezerros e ovelhas como vacas. Não querem reconhecer que a ovinocultura é tão diferente da bovinocultura quanto a carne de cordeiro é diferente da carne de boi.
E, para agravar a situação, os principais agentes fomentadores da ovinocultura brasileira, organizações públicas e privadas, estão optando pela acomodação nesse paradigma, tolerando oportunismos e hipocrisias.
Enquanto a ovinocultura, em qualquer das diversas condições edafo-climáticas do nosso país, estiver algemada à bovinocultura, o produto carne de cordeiro, considerando ser este o tipo de carne ovina desejado pelo consumidor, nunca ocupará o espaço que lhe é reservado no agronegócio nacional.
É preciso romper essa condição de atrelamento, que resulta em falta de sustentabilidade dos processos de produção envolvidos. Embora ambas, ovinocultura e bovinocultura, sejam atividades agropecuárias que exploram animais ruminantes e consumidores de capim, existem diferenças monstruosas entre os processos produtivos quando o interesse é obter lucro a partir da produção de um produto chamado carne. Essa condição provoca três ilusões graves e crônicas:
1ª - Intenção de obter lucro produzindo carne ovina na forma de carne de "carneiro" através dos mesmos modelos produtivos e mercadológicos de produção e comercialização da carne bovina.
2ª - Intenção de obter lucro na produção de carne de cordeiro manejando, em sistemas extensivos, de forma isolada ou em consórcio com bovinos, rebanhos ovinos caracterizados zootecnicamente, apenas, pela rusticidade.
3ª - Intenção de obter lucro na produção de carne de cordeiro baseada em desfrutes sazonais e/ou oportunistas, aos moldes da bovinocultura de corte.
Logo, as desilusões acontecem quando, dentre outras muitas, ficam evidentes as duas grandes diferenças entre a ovinocultura de corte e a bovinocultura de corte:
1ª - A carne de "carneiro" é um produto indefinido, enquanto a carne de boi é um produto culturalmente definido.
Explicando: Carne de carneiro é uma expressão que generaliza a carne ovina independentemente dela ter sido originada por uma fêmea jovem magra, uma fêmea velha gorda e sadia, uma fêmea velha magra e doente, um macho jovem recém desmamado, um macho adulto magro e inteiro, um macho velho gordo e capão, etc., etc.,... Porém, é uma realidade, e o consumidor sabe identificá-la, que cada uma das categorias citadas gera carcaças com características organolépticas (sabor, cheiro, cor e maciez) completamente diferentes.
Já, por exemplo, quando um consumidor compra "dois quilos de contrafilé" bovino, ele não tem como identificar, e nem se interessa em fazê-lo, se esse boi era uma vaca velha gorda, um boi de dois anos, uma novilha, um boi de cinco anos, etc.. A maior variação na qualidade fica por conta da maciez, mas, aí, é padrão a culpa recair sobre a cozinheira. O volume de uma carcaça bovina possibilita a manutenção do padrão de qualidade do produto requerido pelo consumidor sem necessitar segregar categorias, raças, sexo ou idade dos animais abatidos.
2ª - Reconhecida a carne de cordeiro como produto alvo da atividade, as carcaças disponibilizadas para o consumidor necessitam atender a quesitos de padronização (tamanho, musculosidade, gordura, cor, maciez, sabor e odor) predefinidos e obtidos a partir de um processo de acabamento pré-abate com prazo de execução limitado.
Explicando: Se a padronização exigida pelo Mercado Consumidor estabelecer que, para gerar "carne de cordeiro", o animal deva ser abatido na faixa etária de três a cinco meses, e o produtor se deparar com problemas climáticos, de preço ou falta de demanda, não existe como protelar o referido abate e aguardar uma situação conveniente, pois, com dois a três meses a mais de idade, o animal já terá perdido as características de carcaça preconizadas para definir o produto. Já um bovino em ponto de abate, desconsiderando o fator custo de produção, pode aguardar no pasto de um ano para outro sem perder as características de carcaça aguardadas pelo consumidor.
É claro que existem situações onde o consórcio de bovinos com ovinos pode ser interessante:
a) quando forem considerados os sistemas extensivos de produção de carne bovina e de lã ovina;
b) quando o rebanho ovino tiver a finalidade de produzir carne, apenas, para a subsistência familiar, consumo interno da fazenda ou "generosidades sociais"; e
c) quando as instituições fomentadoras da ovinocultura reconhecerem que em pequenos e médios estabelecimentos rurais, juntando-se ovelhas com vacas, pode ser obtido um resultado satisfatório e financeiramente sustentável com a produção de leite de vaca e de carne de cordeiro nas mesmas áreas de produção forrageira, predefinindo e explorando, de forma sistematizada e intensiva, os mesmos espaços.
Resumindo com outras palavras: a ovinocultura é uma atividade que pode ser desenvolvida sob condições ambientais diversas e com objetivos adequados a elas. Sendo assim, basta reconhecer que, quando o assunto é lucro, o foco, inevitavelmente, é produzir um produto com características que satisfaçam o mercado consumidor. Se o produto for carne de cordeiro produzida em ambiente tropical, só é possível viabilizar um empreendimento através de sistemas intensivos de produção com sustentabilidade garantida pela previsibilidade de resultados. Ambicionar lucratividade manejando um rebanho ovino sobre os mesmos pastos ocupados, simultaneamente, por bovinos de corte, é, apenas, uma fantasia demagógica. A possibilidade de fracasso do empreendimento é eminente na "quase" totalidade dos casos. Todavia, neste "quase" ficam resguardadas as situações onde existe a possibilidade de abastecimento de "nichos de mercado", formados por comunidades de consumidores com características sócio-econômico-culturais específicas e amplitude espacial restrita, não contribuindo, assim, para a consolidação de uma atividade.
Depois de observar muitos, analisar vários, conviver e sofrer o suficiente com processos produtivos desfocados, adotamos um lema:
"Quem lucra com pílulas douradas é, apenas, o farmacêutico. O lucro do ovinocultor está na realidade de fatos e dados." (GK)
Artigo publicado na revista "O BERRO"-nº 122 - Maio de 2009