A resposta a essa pergunta passa pela análise da agenda do setor. O que temos de questionar é o seguinte: a agenda do setor é apenas reativa e defensiva ou o setor tem uma agenda ofensiva que coloca pressão sobre o governo? Nessa perspectiva, sou obrigado a dizer que a agenda atual da agricultura brasileira é reativa.
A expressão "capitalismo agrário" não é a mais adequada, mas serve ao proposto de definir a chamada agricultura comercial. Embora a agenda da agricultura comercial, em alguns dos seus itens, seja também a agenda do setor agroindustrial, o que interessa neste artigo é entender a agenda das organizações que representam os produtores rurais.
Quando analisamos os itens que fazem parte da agenda do setor agrícola, concluímos que os temas atualmente mais centrais nasceram de reações a medidas tomadas pelo governo que são percebidas na área como prejudiciais aos produtores, seja incrementando custos, seja pondo em risco a propriedade da terra ou criando restrições adicionais à atividade produtiva. A agenda ofensiva do setor agrícola - ligada à abertura de mercados no exterior, luta contra subsídios em países desenvolvidos, ações com o objetivo de desenvolver políticas para aumentar a competitividade do setor produtivo, ou até mesmo o uso das questões ambientais a favor do setor - não parece estar presente hoje em dia no discurso das lideranças agrícolas. A consequência disso é que o setor corre o risco de ficar refém do governo, porque, em vez de estar trabalhando para persuadi-lo a fazer políticas que garantam a competitividade futura do produtor rural, acaba sendo puxado pelo governo na direção que ele quer.
Os itens da agenda do setor agrícola que mais saltam aos olhos são a reforma do Código Florestal - que tem relação direta com o problema do desmatamento -, as questões agrárias - neste momento traduzidas pela discussão sobre os índices de produtividade para fins de desapropriação - e as questões de política agrícola. Todas elas são fruto de ação e reação: ação do governo e reação do setor produtivo. Nenhuma delas nasce a partir de uma estratégia de longo prazo orientada para aumentar a competitividade e a sustentabilidade dos produtos agropecuários brasileiros.
Nunca foi segredo que o Código Florestal é um problema para o setor agrícola, sobretudo porque ele transfere parte da responsabilidade de preservação para o setor produtivo, o que é correto, mas sem compensações associadas a esse "serviço ambiental" (quando prestado de forma correta, obviamente). Esse assunto vinha sendo levado "em banho-maria" até o governo decidir fazer valer a lei incriminando quem não está em conformidade com o código. Agora, reativamente, o setor agrícola corre atrás do prejuízo para mostrar os problemas do Código Florestal e, assim, promover sua reforma. As teses defendidas pelo setor agrícola para a reforma do código, na sua maioria, fazem sentido. Só que, sendo uma reação, pouco se ganha em termos de credibilidade e de engajamento de setores da sociedade não ligados ao setor agrícola que poderiam ser partidários das preocupações dos produtores rurais.
O segundo tema são as questões fundiárias e ligadas à reforma agrária. Depois de quase nove anos deste governo, já se sabe que um setor não consegue levar tudo o que quer. Quem criou essa condição foi o próprio governo, com sua estratégia de dar pelo menos uma cenoura a cada constituinte, mesmo que a cenoura de um possa vir em prejuízo de outro. Ou seja, este governo faz uma concessão de um lado, mas sempre exige um pagamento de outro. A barganha está posta. O que vale mais: a reforma do Código Florestal para não criminalizar os produtores rurais ou a revisão dos índices de produtividade para desapropriação para reforma agrária? O governo criou duas situações que impõem sanções e riscos adicionais ao setor produtivo e com isso fez do setor agrícola seu refém. É um acordo com o capeta. É bom saber que nunca se leva vantagem sobre o capeta.
O terceiro tema central da agenda é a política agrícola. Mais uma vez o movimento do setor agrícola segue para crescente dependência do governo, quando devia estar se movendo no sentido contrário. Está ecoando novamente, no Brasil, o discurso de uma política agrícola mais presente - que, a meu ver, deveria ser chamada de mais intervencionista -, com o governo operando na garantia dos preços aos produtores. Esse movimento é reflexo de um acúmulo de endividamento que se vem agravando desde o início do Plano Real, dos problemas de competitividade da produção de grãos decorrente dos elevados custos de logística no País e da percepção dos produtores de que novas restrições estão chegando para ficar, sobretudo as de cunho ambiental. A saída, como reação, é fortalecer políticas que já se têm à mão e que dependem apenas do "lado amigo" do governo e não requerem grandes e complexas negociações. No entanto, como os problemas associados ao endividamento e aos altos custos de logística são reais, a saída via maior dependência do governo não é boa.
É hora de o setor agrícola modernizar sua agenda, trabalhando nos temas do futuro e criando dependência do governo em relação ao setor, e não o contrário, como vemos hoje. O tema de meio ambiente poderia ser uma bandeira. É melhor internalizá-lo na agenda antes que o setor seja atropelado por ele.
ViaVerde Consultoria Agropecuária
São Sebastião do Paraíso - Minas Gerais - Consultoria/extensão rural
postado em 10/10/2009
Parabéns ao Sr. André Nassar,
Muito oportuno e lúcido seu texto. Merece ser lido para redirecionar nossas atitudes.
De fato, a despeito do tamanho da economia do agronegócio no Brasil, nossa agenda e poder de mobilização são pouco impactantes frente a outros setores menores, mas melhor organizados da sociedade - ou mesmo frente às ações de produtores de países ricos, onde, apesar de serem fatia muito menor do PIB, tem capacidade de pressão infinitamente superior, graças à impotância que estes países dão à segurança alimentar.