A ovinocaprinocultura está em franco crescimento e tem grande potencial de se tornar uma atividade economicamente sustentável e significativa no agronegócio brasileiro.
Tem-se observado aumento no número de criadores e de indústrias processadoras, especialização dos insumos, maior enfoque das unidades de pesquisas, além de algumas iniciativas isoladas para popularizar o consumo dos produtos de origem caprina e ovina.
Isso mostra que cada segmento está trabalhando para promover - ou acompanhar - o desenvolvimento da ovinocaprinocultura. Entretanto, ainda não é possível perceber, entre os elos dessa cadeia, organização suficiente para promover um crescimento significativo da atividade.
Tomando como exemplo a cadeia produtiva da carne ovina, depara-se com uma situação em que todos sabem o caminho a percorrer, mas algo impede que o primeiro passo seja dado. A produção do país não é suficiente para suprir a demanda da população; o consumo per capita ainda é muito pequeno, indicando um potencial crescimento do mercado; e tem-se totais condições para aumentar e regularizar a produção de carne e atender esse mercado.
Porém há um impasse que torna este cenário um pouco mais complexo. De um lado, produtores estão apreensivos em aumentar sua escala de produção e depois encontrar dificuldades de abate e colocação do produto no mercado. De outro lado, investidores receiam investir em plantas frigoríficas e processadoras e não ter oferta de produto em quantidade e freqüência que sustente as instalações.
De certo modo, ambas as preocupações têm razão de ser. A atual realidade do setor mostra produtores reclamando da falta de frigoríficos e frigoríficos trabalhando com ociosidade em sua capacidade instalada. Onde, então, está o problema? Não bastaria que um dos dois segmentos desse o primeiro passo para incentivar e assegurar o investimento do outro?
O problema é que dar esse primeiro passo não é uma iniciativa tão simples. O investimento necessário para que qualquer uma das partes aumente (ou crie) sua capacidade produtiva é totalmente dependente das transações que serão realizadas com a outra parte.
No caso da carne ovina, tanto o produtor quanto o frigorífico teriam que investir em ativos altamente específicos para possibilitar esse crescimento. Um ativo específico é aquele que perde total ou parcialmente seu valor quando a atividade para o qual foi desenvolvido não acontece. Um exemplo bastante claro é um animal PO, um ativo muito específico. Se por acaso ele não servir para seus fins de melhoramento genético, a alternativa é vendê-lo no gancho por um valor menor, constituindo um caso típico de prejuízo por interrupção da transação.
No caso do produtor de carne, por exemplo, os investimentos em instalações para sua criação, animais, e mão de obra especializada são altamente específicos e esses ativos perderiam seu valor se não forem utilizados para a produção de carne ovina.
Já no caso da indústria, o investimento nas instalações do frigorífico e na mão de obra qualificada também é específico para essa atividade. Neste caso, há também a especificidade relacionada à localização física, uma vez que longas distâncias também inviabilizariam a transação.
A freqüência pré-determinada de ocorrência da transação está sujeita a modificações da realidade do mercado, a incertezas de eventos imprevisíveis que afetem o resultado das transações e ao oportunismo, que eventualmente aparece nesse tipo de relação.
Uma linha de pesquisa das ciências econômicas, conhecida como Nova Economia Institucional, parte do princípio que existem custo dissociados da produção em si, como custos de coletar informações e criar salvaguardas para se precaver do prejuízo provocado pelo comportamento "oportunista" da outra parte.
Os agentes, portanto, precisam de mecanismos que reduzam ao máximo os riscos das transações não ocorrerem, assegurando-lhes retorno sobre o investimento. Esses mecanismos são definidos de acordo com as formas de governança das relações de transação.
Existem diferentes formas de governança e a definição da mais apropriada para cada tipo de transação depende da especificidade dos ativos e da incerteza da atividade, como esquematizado no quadro abaixo:
Fonte: Brickley, Smith & Zimmerman (1987), citado por Zylbersztajn, 2000
Segundo o quadro acima, transações caracterizadas por ativos de baixa especificidade, que não sofrerão perdas no caso de ruptura de contratos, pois podem se ligar a outros agentes de mercado, são mais eficientemente regidas pelo sistema de preços e se caracterizam por produtos homogêneos, com muitos produtores e muitos compradores. É o tipo de relação que predomina na cadeia da carne bovina.
Nesse tipo de transação (mercado), não há grande valorização da qualidade do produto e deve haver maior preocupação com o oportunismo, uma vez que agentes podem deixar de cumprir contratos por causa de opções momentaneamente melhores.
Já no sistema de contratos, também conhecido como integração horizontal, há um maior comprometimento entre os agentes, determinado por uma freqüência constante de transações e por uma maior preocupação com a qualidade técnica do processo. Nesse caso, os agentes se preocupam com a formação de uma reputação, o que se torna uma barreira ética ao oportunismo. Esse é o tipo predominante de relação na cadeia do frango e suínos, pelo sistema de integração de produtores.
A integração vertical, sistema no qual uma única empresa realiza mais de um processo do sistema produtivo, é uma opção cada vez menos utilizada, sendo restrita a casos muito específicos, como o caso da citricultura brasileira, em que algumas empresas têm investido cada vez mais na produção de frutas próprias, suprindo parte relevante de suas necessidades industriais. No entanto,a tendência é cada vez mais a especialização em alguma etapa do processo produtivo e a integração horizontal com outros agentes econômicos, especializados em outras fases.
Um estudo de caso desenvolvido no Distrito Federal pelo professor Josemar Xavier de Medeiros procurou identificar os principais problemas dos produtores de carne ovina e a quem pertencia a governabilidade de cada problema. Os resultados foram apresentados na V Semana da Caprino e Ovinocultura Brasileira, em Campo Grande, na semana passada.
Segundo o professor, o maior desafio dos produtores, frigoríficos e varejistas é encontrar o melhor arranjo organizacional para conseguir atingir a coordenação técnica e atender os parâmetros exigidos pelo consumidor. Apenas assim a atividade alcançaria os padrões de concorrência estabelecido pelas outras carnes.
Após um diagnóstico da atual situação da atividade na região, o estudo propôs quatro arranjos organizacionais entre produtores e indústria, de modo a analisar qual deles resolveria a maior parte dos problemas diagnosticados.
No arranjo A, a empresa frigorífica é responsável pela aquisição de insumos, assistência técnica, pelo abate, corte e distribuição da carne. O produtor, por sua vez, é responsável pela produção e transporte dos animais.
Esse arranjo seria o mais parecido com o que acontece na cadeia produtiva de aves, na qual a indústria participa até da gestão tecnológica da produção dos animais, realizando auditorias na fazenda para conferir cada processo.
No arranjo B, uma associação de produtores é montada para fazer o mesmo papel do frigorífico do arranjo A. Um conselho regulador da associação é o responsável por coordenar todo o processo de compra coletiva de insumos, abate (contratação terceirizada da planta frigorífica), corte e distribuição. Esse sistema se aproxima de uma integração vertical, hierárquica, no qual uma mesma "empresa", no caso os produtores, ficam responsáveis por todos as etapas.
No arranjo C, a associação de produtores assume a compra centralizada de insumos e a negociação dos contratos com frigoríficos e distribuidoras. Nesse caso, a associação apenas coordena os contratos. Outras indústrias fazem o abate, corte e distribuição. Caracteriza-se então, uma forma híbrida de organização, uma vez que associa integração vertical com horizontal.
Por fim, o arranjo D se caracteriza pela atuação de uma cooperativa de produção e organização fazendo o papel de empresa integradora, responsável pela compra conjunta de insumos, terceirização do abate, corte e distribuição.
A avaliação geral dos prós e contras de cada arranjo, de acordo com os problemas apresentados pelos produtores, indicou os arranjos A e D como mais adequados para a realidade da atividade na região.
O professor Josemar levantou como importante aspecto o fato do arranjo A ter a vantagem da empresa frigorífica em questão já ter canais de comercialização formados e já conhecerem as preferências do consumidor.
Além disso, salientou que os arranjos B, C e D, para funcionarem corretamente, dependem de pessoas dispostas a se dedicar à gestão dos empreendimentos, o que nem sempre é possível.
Os produtores que participaram do estudo de caso levantaram ainda uma quinta opção de arranjo organizacional, na qual a indústria frigorífica atua como proposto no modelo A, mas os produtores passam a ter cotas desta empresa.
O estudo de caso do Distrito Federal é apenas um exemplo de formas organizacionais que podem nortear o processo. Existem inúmeras outras e cada realidade, com certeza, tem sua forma mais adequada.
A integração contratual é um bom começo em qualquer situação, uma vez que o setor ainda não possui grande número de produtores nem de compradores e suas reputações estão se formando, de modo que todos têm (ou deveriam ter) intenções de cumprir os acordos.
A partir daí cada caso, cada região, cada grupo de produtores, cada realidade estabelece as particularidades da relação, criando inúmeras formas organizacionais diferentes e que funcionam.
O mesmo princípio pode ser aplicado para os outros produtos de origem ovina e caprina, como leite, pele e lã. Cada setor deve focar as preferências do seu consumidor e organizar sua cadeia de modo que essas preferências determinem como cada elo deve trabalhar.
Solucionar esse impasse organizacional não resolverá todos os entraves que a ovinocaprinocultura precisa enfrentar, mas com certeza é um passo na direção do caminho correto.
Leendert Ari Boer
Carambeí - Paraná - Produção de ovinos
postado em 26/10/2006
Muita boas estas colocações, é exatamente aí o problema hoje, e não é dificil de resolver. Todos devem ganhar no processo, se isso for respeitado, qualquer um dos sistemas da certo, se bem que o sistema D é o mais interessante para o produtor. Parabéns por ter colocado isto no papel.