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Irmão gêmeo

Por Xico Graziano
postado em 02/02/2009

8 comentários
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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) comemorou 25 anos. Para alguns, elogios. Outros, duras críticas. Afora o julgamento de valor, cabe analisar a origem da polêmica entidade. Como surgiram os invasores de terras?

A história vem antes do golpe militar de 1964. A criação do aguerrido movimento coincide com o conflito agrário da Fazenda Sarandi, localizada no norte gaúcho. Desapropriada, porém não indenizada, pelo governador Leonel Brizola, aquela área permaneceu muito tempo ocupada por centenas de posseiros. Barril de pólvora.

Sem solução fundiária, o tempo passou. Quinze anos depois, em 1979, duas glebas da antiga fazenda (Macali e Brilhante) foram definitivamente tomadas pelos camponeses. Logo depois, ergueu-se enorme acampamento na Encruzilhada Natalino, ali perto, à beira da rodovia estadual, onde permaneceram mobilizadas centenas de famílias. Nesse efervescente caldo, mistura de miséria com ideologia, germinou o MST.

Organizado formalmente somente em 1984, em congresso nacional realizado no Paraná, a nova organização arregimentou aquele povo para invadir, definitivamente, toda a Fazenda Sarandi. Na leitura política da sociedade, um movimento de massa, com forte apoio da opinião pública, vencia o carcomido latifúndio. Vitória dos novos tempos.

Ruía, na mesma época, a ditadura militar. No processo da redemocratização do País, após dura repressão, a luta pela reforma agrária ganhava fôlego. Todas as correntes de oposição ao regime, unidas, abriam espaço para a contestação da velha estrutura de poder no campo. Esse privilegiado contexto político favoreceu o viço do MST.

A nova entidade nasceu rachando com a Contag, a poderosa e tradicional Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Dominada pelos comunistas desde 1968, ela capitaneava a luta sindical no campo. O rival político expressa uma importante divergência ideológica na esquerda brasileira.

Há um importante detalhe. Antes do MST, dentro da Igreja Católica se constitui, em 1975, a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Sem a CPT não se entende o MST. São os corajosos bispos católicos de esquerda que lideram os movimentos camponeses de contestação, do Bico do Papagaio, no Araguaia, à colônia gaúcha. A Teologia da Libertação engendrou a raiva contra a terra ociosa.

Nessa articulação da esquerda católica se agrupam variadas tendências políticas que nunca aceitaram a supremacia do antigo Partido Comunista. Aqui reside o berço contestatório do futuro Partido dos Trabalhadores. O MST é irmão gêmeo do PT.

Como andava a agricultura brasileira nessa época? Sofria profunda transformação. Incentivada pelo então recém-criado Sistema de Crédito Rural, a agropecuária entrava na onda da "revolução verde". Novas relações de trabalho expulsavam moradores da roça, acelerando o êxodo rural. O capitalismo brasileiro, em resumo, penetrava no campo.

A dolorosa modernização tecnológica, cujo ganho de produtividade rural, obviamente, auxiliava a industrialização, destruía antigos lares na roça, trocando-os pelas horrendas favelas da cidade. Hordas de 'sem-terra' perambulavam pelo País, excluídos do progresso. Esse desemprego estrutural alimentou o sonho da reforma agrária.

Passados tantos anos, o que mudou? Primeiro, completa-se a transformação capitalista da agricultura. Os indicadores econômicos atestam, fartamente, que o antigo sistema latifundiário cede lugar à moderna produção agropecuária. Em 1970, o País cultivava 33,9 milhões de hectares, área que cresceu, em 2006, para 76,7 milhões de hectares. A safra nacional de grãos, no início dos anos 1980, beirava os 50 milhões de toneladas; na última colheita atingiu 142 milhões.

Hoje, ao contrário daquela época, falta mão-de-obra para trabalhar no campo. O desemprego brasileiro mora agora na cidade. As famílias migrantes fixam raízes na ribalta do asfalto. Pouco encanta os seus filhos o árduo trabalho na poeira do sol. Um problema mundial.

Em segundo lugar, firma-se a democracia na Nação. O Estado Democrático de Direito substitui o regime de exceção. Partidos políticos funcionam às claras e o Congresso Nacional, mesmo cheio de mazelas, atua com transparência. Livre trabalha a imprensa e a sociedade respira a liberdade. Que bela diferença.

Terceiro, bem ou mal, desde aquela época cerca de 1 milhão de famílias tiveram acesso à terra, no processo de reforma agrária. Perto de 70 milhões de hectares foram distribuídos nos assentamentos rurais. O problema agrário mudou. O drama, agora, afeta o "com-terra", pois carece garantir renda, e qualidade de vida, aos novos agricultores.

Ao comemorar 25 anos, o MST enfrenta grave dilema. O bonde da história exige sua mutação. É impossível manter sua ideologia e preservar seus métodos num mundo diferente daquele que o criou. Por essa razão, há tempos o MST constrói a fábrica de sem-terra na periferia urbana. Nem isso, porém, funciona mais. O emprego e o Bolsa-Família tomaram o lugar da arruaça.

De início, para enfrentar a ditadura, ou na inépcia do governo, valia bancar o revolucionário. Mas, hoje, brandir foices soa obsoleto; destruir laboratórios, obscurantista. Perdido, o MST inventa assunto para segurar sua onda. Afirma que o agronegócio concentra a propriedade rural. Mentira. O último censo do IBGE indica que 68,2 hectares é a área média no campo. Em 1980 estava em 70,7 hectares.

No congresso que realizou em Sarandi, meados de janeiro, o MST proibiu a entrada de jornalistas em suas assembleias. Triste ironia. Quem combinava ações espetaculares para ocupar as manchetes agora cerceia a imprensa. O que esconde o MST?

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Xico Graziano    São Paulo - São Paulo

Consultoria/extensão rural

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Comentários

Louis Pascal de Geer

Barretos - São Paulo - Consultoria/extensão rural
postado em 02/02/2009

Prezado Xico Graziano,

Parabens pelo retrato historico e tambem pela descrição dos problemas que o MST tem que resolver agora com seus 25 anos de existencia.

Um dos grandes poderes que a democracia tem é de que ninguem do bem precisa ficar preso no escuridão do isolamento e infelizmente nem o MST, mas tambem nem a sociedade brasileira tentaram se aproximar de verdade na clara luz do dia e sem a terrivel vontade de destruição mutua.

Os animos se elevarem muito além do que seria razoavel e uma das razões principais no meu ver é que apesar de ter assentada 1 milhão de familias em 70 milhões de hectares o descontentamento ainda é geral porque num lado o direito de propriedade não é reconhecido pelo MST, e de outro lado o sentimento é de malogro funcional da grande maioria dos assentamentos apesar das enormes transferencias de riquezas.

O passo seguinte deve ser de inclusão do MST na sociedade, não como agressor mas como contribuidor para que haja um pouco mais justiça social no campo onde as cooperativas são a resposta mais adequada.

Um abraço, Louis.

Resposta do autor:

Concordo integralmente e lhe agradeço pela gentileza.

Marcello de Moura Campos Filho

Campinas - São Paulo - Produção de leite
postado em 03/02/2009

Prezado Xico Graziano

V.Excia fala que o MST alimentou o sonho da reforma agrária, de levar terra aos excluidos, mas que a realidade do País mudou muito em termos políticos e econômicos, e que é impossível ao MST manter sua ideologia e persistir com seus métodos (que são violentos e ilegais), que é necessário mutação.

Penso que mais do que o passado do MST, o que preocupa é o seu futuro e, face a proibição de jornalistas no recente congresso de Sarandi, realizado no início de janeiro, procede a pergunta com que finaliza o artigo: O que esconde o MST?"

E aproveito o gancho para fazer uma pergunta: O que pretende o Governo fazer com relação ao futuro do MST? Estou certo que os produtores rurais estão atentos à resposta por parte do governo atual e dos futuros candidatos ao governo.

Como V.Ecxia. é secretário do meio ambiente de nosso estado, e ligado aos problemas da agropecuária, aproveito a oportunidade para dizer que gostaria muito de sua apreciação do meu artigo "Stephanes x Minc: reforma do Código Florestal", que está no espaço aberto logo abaixo do seu.

Grande abraço,

Marcello de Moura Campos Filho

Leopoldino Figueiredo Júnior

Vitória - Espírito Santo - Produção de café
postado em 03/02/2009

Grande Xico!

Como sempre impecável nas abordagens dos problemas do campo, nas colocações firmes e atento vigilante do Brasil rural.

Boa hora para fazer essa análise do MST, bem na época do tal Fórum Social Mundial. As lideranças do MST sobrevivem com ventosas associadas aos governos de tendências anárquico-comuno-ditatorialistas que infestam a América do Sul e contam com o apoio cínico e insensato dos comunas no nosso governo. Por eles, isso aqui também viraria uma zona.

Saudações!

Resposta do autor:

Prezado Leopoldo Figueiredo Júnior, agradeço a gentileza de seu comentário.

Abs,
Xico

João Francisco S. Vaz

Pelotas - Rio Grande do Sul - Indústria de insumos para a produção
postado em 06/02/2009

Prezado Xico,

Parabéns pelo artigo, que aborda de forma abrangente um pouco da história deste famigerado movimento denominado MST.

No entanto, gostaria de fazer um pequeno comentário à respeito do ex-Governador Leonel Brizola, que, segundo sua avaliação, teria sido o responsável pelo surgimento do Movimento ainda nos anos 60, ao desapropriar a Fazenda Sarandí no noroeste gaúcho.
Segundo suas palavras: um verdadeiro "barril de pólvora".

Sim, naquela época, esta propriedade era sim muito pouco produtiva, um verdadeiro "latifúndio", assim como outras áreas do atual município de Camaquã-RS, em uma região denominada "banhado do colégio", e que foi também desapropriada, para fins de reforma agrária.

Outra coisa, segundo vossa avaliação, a área em Sarandí,não foi indenizada, gerando um prolongamento no conflito. Não foi indenizada, à princípio por divergência de valores com os ex-proprietários, mas logo`a seguir, devido ao golpe militar que prejudicou substancialmente o programa de assentamento nesta área voltado à produção.
Além disso, e outros governos posteriores, Sinval Guazelli, Amaral de Souza, inúmeras famílias foram desalojadas para construção de barragens na região norte do Estado, o que provocou também um fortalecimento dos chamados "sem terra".

Penso que é uma questão multifatorial, onde todos são um pouco responsáveis pelo fortalecimento do MST. Creio que este movimento viverá profundas transformações daqui para frente, sob pena de sucumbir no próprio sectarismo e dogmatismo Marxista.
Eles não são burros, apenas vão aprimorar seus métodos de ação, para que possam sobreviver.
Aguardem.

Grato, João Francisco.

wilson tarciso giembinsky

Paracatu - Minas Gerais - Produção de gado de corte
postado em 07/02/2009

Bom dia Xico!

Muito apropriada sua análise e também os comentários enriquecedores dos companheiros de luta, labuta e apreenções.

Estou em Paracatu mas sou do interior de São Paulo, onde jovem vivi os problemas da aplicação das leis trabalhistas urbanas ao meio rural, sem as devidas adaptações de cada caso, com o desconhecimento de quem as aplicava e pior ainda empurrados e exortados por sindicalistas de ideologias importadas.

Vi e vivi, devido as leis trabalhistas urbanas e ajudado pela crise cafeeira, o definhar das colonias das fazendas de café, o desaparecimento dos meieiros, dos agregados que se não tinham os confortos urbanos, ninguém tinha, viviam bem e progrediam.

Na colonia tinhamos escola, merenda, horta comunitária e um primórdio de creche comunitária tudo organizado pelo pessoal da fazenda e pelos próprios colonos, meieiros e agregados. Paiol, chiqueiro, galinheiro, pomar e quintal fartos.

Muitos meieiros conseguiram comprar seu pedaço de terra.

O desaparecimento destas colonias fez proliferar, pelo menos na minha região, as periferias urbanas e o exército de boias frias. Sem o conforto urbano e sem a fartura rural, sem a certeza do almoço de amanhã.

Em tempo! Gostei dos seu livro, "O Carma da Terra..."

Aqui no noroeste mineiro há dezenas de lotes abandonados e "vendidos" pelos assentados.



Robeto Amaral Rodrigues Alves

Boa vista - Distrito Federal - Produção de leite
postado em 09/02/2009

Ilustre Secretario: Sua visão desse movimento marginal e ilegal, sem endereço ou diretoria constituida civilmente, certamente denota perfeito conhecimento historico-politico de sua formação, de suas ações e de sua urgentissima revisão metodologica para sobrevivencia legal. Fica no ar, tristemente, a eterna interrogação. Quem responderá pelas invações predatorias, pela destruição do patrimonio alheio, pelo vandalismo campal-rural instalado e praticado ao longo desse 25 anos? Quem reporá pesquisas relevantes destruidas a titulo de relaliação? Quem indenizará milhares de proprietários atingidos por ações criminosas em nome do movimento? Maquinas, animais, veiculos, implementos etc... destruidos, quem ressarcirá?

Os verdadeiros rurígenas, vocacionados para o trato da terra não estão vinculados a tais organizações. Afinal, exceção de um ou outro que "falava" em nome do movimento - com franco apoio da imprensa - existe algum cadastro conhecido dos participantes? A institucionalização, com figura juridica reconhecida e regularizada é fator preponderante para que esse movimento se insira no mundo político sem despertar pesadelo no meio rural, até urbano. Numa sociedade democratica e organizada os meios não justificam os fins.

Saudações respeitosas. Roberto Rodrigues Alves

Tenax Pre Moldados

Mineiros - Goiás - Revenda de produtos agropecuários
postado em 20/02/2009

Prezado Sr. Xico,

Muito interessante sua análise deste movimento. Contudo em minha região, em que as terras verdadeiramente agricultáveis para grãos (teor de argila e topografia bons) são poucas (em nosso município cerca de 15%) e são caras só tem acesso a elas quem consegue obter alta renda no seu negócio. Merito de quem consegue, só que isto tem sim concentrado muito os proprietários deste tipo de terras.

Resposta do autor:

Prezado Sérgio Marchió,

Certamente, em alguns locais, o problema da concentração aparece.

Grato pela gentileza.

Abs,
Xico Graziano

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