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Jango e a reforma agrária

postado em 26/11/2013

13 comentários
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Jango e a reforma agrária

A exumação do corpo do ex-presidente João Goulart atiça o passado político. Naquela época, quando se buscava um caminho alternativo para o desenvolvimento, estava na moda xingar o latifúndio. Sem reforma agrária o Brasil não progrediria. A História, porém, desmentiu a pregação nacionalista.

Era 13 de março de 1964. Enorme multidão, estimada em 150 mil pessoas, aglomerou-se na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Convocado por movimentos populares, sindicais e estudantis, o grande comício a favor das "reformas de base" prometia mudar o rumo do País. Horas antes o presidente havia assinado o Decreto 53.700/63, dando à Superintendência de Política Agrária (Supra) poderes para iniciar as desapropriações de terras. Com voz entoada, discursou Jango: "Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da Supra com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos. Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido. Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado. Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro".

Sempre prometida, porém jamais concretizada, começaria finalmente a famigerada reforma agrária. O arrojo de Jango ultrapassou as expectativas: "Espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios ao lado das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reivindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar". Aplausos fizeram tremer o palanque.

Jango argumentava com consistência. Ele prometia distribuir as terras valorizadas, economicamente viáveis, próximas dos centros de consumo, com transporte fácil para o escoamento da produção. Citando os casos do Japão de pós-guerra, da Itália, do México e da Índia, países que promoveram bem-sucedidas reformas fundiárias, o presidente reforçava sua convicção sobre o sucesso da empreitada.

Buscou, ademais, um argumento econômico: "Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não têm dinheiro para comprar. Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às indústrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano". Uma aliança operário-camponesa.

Nos anos de 1960 a maioria da população brasileira ainda morava na roça. À cidade, entretanto, também deveria interessar a redistribuição agrária. Assim estabelecia o receituário do marxismo tupiniquim: acabar com o latifúndio estimulava, via elevação de renda das famílias, o mercado interno. Em consequência, a ruptura com a oligarquia agrária deveria seduzir os empresários nacionais. Fazia sentido.

O comício da Central repercutiu imensamente. Dois dias depois, Jango encaminhava ao Congresso Nacional mensagem pleiteando mudanças constitucionais para permitir ao Estado pagar pelas desapropriações de terras com títulos de longo prazo, e não mais em dinheiro. A confusão política aumentou. Uns, da esquerda, enxergavam a aurora do socialismo. Outros, da direita, conspiravam dentro das Forças Armadas. Em 31 de março, apenas 18 dias após o discurso da reforma agrária na praça, Jango estava destituído por um golpe militar.

Muitos analistas imputam ao radical gesto de Jango um fenomenal erro de avaliação política. Ao acirrar a briga contra os partidos conservadores, que participavam da coalizão governamental, provocou a ruptura que o derrubaria. Em outras palavras, cutucou a onça com vara curta. Se tivesse sido mais conciliador, ou preparasse melhor sua tacada, talvez os fatos se passassem de forma diferente. Vai saber.

Surpreendentemente, uma das maiores ironias da História estava por vir. Os militares, ao invés de esquecerem a reforma agrária, logo a impulsionaram. Sob a coordenação do poderoso Roberto Campos, então ministro do Planejamento, um grupo de trabalho, recrutado entre os melhores quadros, avançou na formulação da proposta reformista. Em 10 de novembro de 1964 a Emenda Constitucional n.º 10 passava a permitir a desapropriação de terras com pagamento em títulos especiais da dívida pública. Passados 20 dias, em 30 de novembro, o Congresso aprovava o Estatuto da Terra, a mais avançada lei agrária do mundo. A esquerda quedou boquiaberta: os milicos haviam roubado sua maior bandeira.

Não a utilizaram, todavia. A rápida industrialização e urbanização, abrindo a posterior globalização da economia, junto com a consequente expansão do capitalismo, desmentiram a tese agrarista: o Brasil passou por uma incrível modificação produtiva no agro sem alterar sua concentrada estrutura fundiária. Mais importante que o tamanho da fazenda, a tecnologia começou a mandar no campo. A revolução verde elevou a produtividade rural, abastecendo as cidades.

Amortecida por duas décadas, a reforma agrária ressurgiu em 1985. Incluída na agenda social da redemocratização, perdeu sentido econômico. Comandada pelos invasores de terras, realizada tardia e açodadamente, os assentamentos revelaram-se um fracasso produtivo. João Goulart faleceu em 1976. Jamais imaginaria ver a reforma agrária favelizando o campo. 

*Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

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Comentários

Carlos Eduardo de Andrade

Viçosa - Minas Gerais - Pesquisa/ensino
postado em 26/11/2013

Ótima reportagem....!!!
Atualmente o produto mais barato do Brasil é a alimentação.

Henrique Passini de Castro

Cachoeiro de Itapemirim - Espírito Santo - Indústria de laticínios
postado em 26/11/2013

Muito interessant este artigo. Uma aula de história. E hoje 49 anos após a "revolução" ainda temos um MST, movimento político, que o que menos o importa é a posse da 'TERRA'. Creio na necessidade de mudança na estrutura fundiária brasileira, mas, longe do que foi feito até hoje. Penso em algo novo, penso no financiamento de aquisição de gleba rural, onde seria estipulado um tamanho, como 04 módulos rurais, financiamento único por CPF e com prazo compatível de pagamento, vinte ou trinta anos, assim como é feito no Sistema Financeiro de Habitação. Acredito que resolveríamos uma série de problemas comuns no campo brasileiro, principalmente, com relação a sucessão na atividade. Gostaria de poder levar este pensamento ao maior número possível de pessoas, pois, na minha regiaão, Sul do Espírito Santo, alguma ação neste sentido seria muito bem vinda.

Adir Fava

Muriaé - Minas Gerais - Produção de leite
postado em 27/11/2013

O brasileiro precisa mesmo é de escola e moralidade nas suas atitudes, precisa aprender que reforma agraria não é dar terra para pessoas que só querem receber benefícios e ter direitos sem nada dar em troca, sem qualquer obrigação ou dever com os demais. O Brasil, com certeza, está no caminho errado fazendo isto.
O brasileiro necessita urgentemente prestigiar quem produz. O respeito ao proximo fará bem ao Brasil.

José Ricardo Ozólio

Belo Horizonte - Minas Gerais - Mídia especializada/imprensa
postado em 27/11/2013

Infelizmente somos governados por interesses de grupos políticos e não por projetos voltados para a construção de uma nação organizada, criativa, respeitando as diferenças, e dentre outros adjetivos um deve sempre nortear os outros o respeito. Máxima que vemos em quem imputamos o poder pelo voto é descontruir com argumentos eleitoreiros o que já se fez de bom. Há no Brasil quem realmente quer construir um país com dignidade e respeito e de outro lado um grande grupo que só quer receber sem a contra partida. Não almoço de graça, sempre tem um pagador e é a parte que quer construir que está pagando a conta. Parabéns pelo seu texto.

Zenón Rodríguez Batista

Virginópolis - Minas Gerais - Revenda de produtos agropecuários
postado em 27/11/2013

A agricultura familiar disponibiliza mais do 80% dos alimentos que a sociedade brasileira consume cada dia. "Se você se alimentou hoje agradeça principalmente a um agricultor familiar"

Celso Fernando Veiga

Barreiras - Bahia - Consultoria/extensão rural
postado em 28/11/2013

A minha dúvida é quem manipula estes dados sobre a agricultura familiar? Quem disse a quem que a agricultura familiar é praticada em terras onde foi realizada a reforma agrária?
Os PRODUTORES DA AGRICULTURA FAMILIAR são compostos de pessoas que sempre estiveram no campo. Suas propriedades são pequenas porque foram divididas por gerações para os herdeiros. Estes produtores agora são ameaçados pela Funai no Rio Grande no Sul, Paraná, Santa Catarina pelos sob a regência dos PETRALHAS que pretendem transformar tudo que foi conquistado neste país num paraíso BOLIVARISTA. Venezuela aí vamos nós...
Enquanto existir um brasileiro manipulado pela ideologia BURRA dos aproveitadores não haverá segurança e garantia que nada perdure por aqui.

Paulo Fernando Andrade Correa da Silva

São José dos Campos - São Paulo - Produção de leite
postado em 28/11/2013

Parabéns Xico!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Excelente artigo.

Ainda bem que o Jango não teve e sensibilidade para se manter no poder.

Historicamente os gauchos foram, desde muito antes da proclamação da república, políticos incendiários, e tiveram um ambiente político extremamente instável.

Como políticos os gauchos desestabilizaram, como agricultores da fronteira agrícola transformaram o Brasil do agronegócio no suporte econômico da nação. Este sim, responsável por alimentar o Brasil e o mundo.

Concordo que a agricultura familiar muito pouco teve a haver com a reforma agrária.

O certo é, que se vc se alimentou hoje, agradeça a um produtor rural, seja ele grande ou pequeno. Mas que trabalhe!!!!!!!  

Paulo Fernando.
Produtor de leite.

geraldo jose correia de melo

Campina Grande - Paraiba - Indústria de laticínios
postado em 01/12/2013

Quer comprar terra boa e barata? Vá a um assentamento do MST.

Bruno Leite

Brasília - Distrito Federal - Instituições governamentais
postado em 02/12/2013

Boa reportagem mas sem esqueceram de dizer que a reforma não deu muito certo pois o modelo de industrialização adotado pelo Brasil, o de substituição de importação, não provocou aumento de mercado pois este ja existia (o mercado que já consumia bens importados) e para isso nao precisava do mercado a ser formado pelos produtores rurais pós-reforma. Isso foi o que ocorreu no Japão, e India.

Pedro Ivan Christoffoli

Laranjeiras do Sul - Paraná - Consultoria/extensão rural
postado em 02/12/2013

Apesar do preconceito do autor, a necessidade da reforma agrária continua atual. Ainda que sem apoio real, os assentamentos tem conseguido produzir.
Mesmo na atividade láctea os dados do último censo mostraram que hoje mais de 1 em cada 10 litros de leite já é produzido em assentamentos de reforma agrária. justiça social e produção para superar a pobreza e miséria no país!

Rodrigo

Divinópolis - Minas Gerais - Revenda de produtos agropecuários
postado em 03/12/2013

Ao invês do governo dar de graça

Porque governo não incentiva linha de crediito(tipo pronaf) para quem quiser produzir?


Nem todo latifundiario "ganhou" algo.

Concordo acima com o Celso, muito dessa agricultura familiar são familias que dividiram por herança suas terras ou compraram pequenas propiedades.

João Otavio Carvalho Cardoso

Aracaju - Sergipe - Produção de leite
postado em 04/12/2013

O que o Brasil precisa mesmo é de seriedade, a decadência da moral e dos bons costumes, do respeito, da família. Um pais sério, com políticos comprometidos e mais respeito ao produtor rural. A bandeira dos preguiçosos, dos inolentes, dos corruptos, ainda assola a produtividade, com discursos mentirosos, interesados único e tão somente no poder, esses partidos de esquerda, assim como todo o maxismo, prega a centralização do poder, pois só assim são capazes de fazerem o que sabem.: tomar cachaça, roubar e escravisar o povo livre. Passam a maior parte do tempo pensado em como invadir o que não comprou e em dar golpes no que produz, são incapazes de trabalhar de fato, pois o que a eles interessa é roubar. O Brasil tem produtores rurais sérios e compromissados com a terra, em produzir, gerar emprego e renda para a sua e a dos que trabalham de verdade por uma sociedade responsável. Queremos é poder produzir-mos e fazer esse país crescer, buscamos o engrandecimento através do trabalho, da abneguinção e do compromisso. Mais acima de tudo amamos o que fazemos com as nossas próprias mãos calegadas pela enxada, pelo trator, pelo laço, enfim somos trabalhadores rurais, homens compromissados com o a agropecuária.

Rodrigo

Divinópolis - Minas Gerais - Revenda de produtos agropecuários
postado em 05/12/2013

Parabéns pelas palavras João


Acima quis dizer que o governo deveria ter uma linha de credito(tipo pronaf) pra quem quer adquirir terra, ao inves dar de graça para essa escumalha

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