"Embora a base social do MST tenha encolhido, não desapareceu, e a crise econômica global pode dar gás à causa", escreveu em 2009 o cônsul dos EUA em São Paulo, Thomas White, em telegrama para Washington.
Os telegramas fornecidos pelo WikiLeaks mostram que os diplomatas se empenharam para entender as razões que levaram o MST a perder força política, consultando especialistas acadêmicos, funcionários do governo e aliados do movimento.
A conclusão dos diplomatas foi que o crescimento da economia, o agronegócio e os programas sociais do governo fizeram minguar o apelo do MST onde ele costumava recrutar militantes, revelam os despachos. Mesmo assim, os diplomatas disseram a superiores que era cedo para deixar de prestar atenção no movimento. "A organização está respondendo aos desafios radicalizando suas ações, distanciando-se do presidente e ampliando sua mensagem", anotou White num informe.
A embaixada entrou em contato com o ombundsman da Fundação Instituto de Terras de São Paulo (ITESP), Carlos Alberto Feliciano. Ele teria dito que o MST vinha tendo dificuldades de recrutar novos membros por causa do crescimento econômico e do sucesso do programa Bolsa Família.
"A economia em crescimento combinada com as políticas destinadas a melhorar as condições de vida da camada mais pobre parecem fornecer pelo menos a alguns militantes uma alternativa, e pode estar forçando os líderes do MST a repensar suas táticas", descreveu o cônsul Thomas White, em um dos despachos. "Muitos beneficiados pelo Bolsa Família estão relutantes em se juntar ao MST por medo de perder seus benefícios. É difícil para eles seguir as condições do programa - manter os filhos na escola e garantir que sejam vacinados segundo o cronograma - enquanto vivem em um acampamento".
Em outro telegrama, o consulado de Recife também ouviu fontes da igreja católica sobre o MST, em especial o padre Hermínio Canova, que reforçou que o Bolsa Família teria enfraquecido o movimento, que agora era forçado a "se reinventar".
A embaixada também procurou o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da USP, que descreveu uma "falta de vontade política" do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para o professor, o agronegócio e as grandes propriedades "oferecem um modelo econômico melhor para o desenvolvimento rural".
Oliveira explicou que o lento processo de desapropriação tem enfraquecido o movimento. Se não há terras para distribuir, "muitas pessoas simplesmente desistem e voltam para as cidades". Por isso, segundo o documento, o MST tem feito ações rápidas destinadas a chamar a atenção da imprensa - e cita como exemplo os protestos conta a companhia de mineração Vale do Rio Doce.
"As ações contra a Vale, além de gerar publicidade, também são destinadas a satisfazer o nicho eleitoral do MST. Os líderes sem-terra acusam a empresa de explorar os trabalhadores e degradar o meio ambiente, e muitos integrantes da esquerda querem que a privatização seja revertida", diz ele no despacho vazado.
O cônsul de São Paulo descreve o confronto ocorrido no terreno da fabricante de transgênicos Syngenta, em 2007, que levou ao assassinato do líder Valmir Oliveira, conhecido como Keno. Os sem-terra protestavam contra testes de alimentos transgênicos que estariam sendo feitos próximos a uma reserva. "O fato de que os transgênicos continuam sendo um tema controverso nas mentes dos brasileiros também oferece uma oportunidade de propaganda vitoriosa para o MST ao atacar os produtores", escreveu o diplomata.
Segundo o texto, o consulado também procurou um pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos em Reforma Agrária da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), em Presidente Prudente (SP), Clifford Welch. Ele teria afirmado ao consulado que "o MST segue uma metodologia pré-planejada nas ocupações de terra que inclui contatos com o Incra para ajudar a selecionar alvos". De acordo com Welch, depois de negociar a posse da terra e distríbuí-la aos assentados, seria a hora de lucrar.
"Em uma prática cínica e irônica, os membros do MST algumas vezes terminam alugando para o agronegócio a mesma terra que eles conseguiram", descreve o despacho. Welch também teria afirmado que o MST tem informantes dentro do Incra, órgão do governo federal responsável por coordenar a reforma agrária. "Welch disse ao representante econômico da embaixada que o Incra não publica as informações que detêm e a única maneira de o MST ter acesso seria através de informantes dentro do órgão".
Em outubro de 2005, a representação norte-americana, que já acompanhava o MST, engajou-se ainda mais em investigar o movimento, depois da ocupação de um terreno de propriedade do gupo norte-americano Farm Management Company, baseado em Salt Lake City.
Na época, cerca de 300 sem-terra ocuparam a fazenda em Minas Gerais para exigir a aceleração da reforma agrária. O adido da embaixada para agricultura foi enviado ao local. Procurou o gerente da fazenda, Macedo Genevil, que relatou como a polícia estava agindo para proteger a propriedade. "De acordo com Genevil, policiais militares confinaram o MST à sede da fazenda, e o equipamento agrícola não foi danificado", escreveu a Washington o então embaixador, John Danilovich.
O gerente disse também que o governo mineiro tinha concordado em mandar policiais para a desocupação e estava apenas esperando a ordem de reintegração de posse. Eles ficariam na fazenda até a conclusão da negociação entre o juiz e o MST. Mas, segundo Genevil, o juiz que queria negociar com o MST havia sido substituído por outro juiz "novo e mais razoável". "Genevil pareceu muito contente com essa decisão e acreditava que a ordem de reintegração seria expedida durante a semana de 10 de outubro".
Danilovich descreveu ainda que a fazenda AgroReservas costuma ser usada como ponto de visitação pelo Serviço Agrícola no Exterior do governo norte-americano, levando visitantes da Associação Nacional de Fazendeiros e do Departamento de Fazendas dos EUA para mostrar a escala das operações no Brasil. "Essa invasão marca a primeira vez que o MST ocupou uma fazenda norte-americana, e, apesar de causar preocupação, não acreditamos que a invasão tenha sido motivada pela ligação da fazenda com os EUA", escreveu.
O cônsul conclui o despacho pedindo aos EUA para permanecerem em alerta com o MST.
As informações são da Folha de S. Paulo e do portal Opera Mundi, resumidas e adaptadas pela Equipe AgriPoint.
Envie seu comentário: